Capítulo 24 - O filho pródigo

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O apartamento na avenida movimentada cheirava a whisky e Marlboro, o despertador gritava anunciando a chegada das seis da manhã naquela véspera de feriado mas o homem deitado no sofá que babava no travesseiro pareceu nem escutar, quem visse de fora com certeza o classificaria como morto. O despertador parou de tocar mas o silêncio do lugar durou pouco, um toque chato e extremamente alto soou do celular na mesa de centro e dessa vez, o homem acordou em um pulo, derramando o resto de whisky do copo apoiado no sofá e atendendo o telefone de supetão.

— Ray?

Só havia uma pessoa que chamava o homem por aquele apelido, coçando sua barba malfeita ele bocejou e coçou os olhos na intenção de deixá-los mais alerta. Antes de responder qualquer coisa ele juntou o copo vazio do sofá e abriu a garrafa com o líquido alcoólico presente na mesa de centro, despejou até que o copo estivesse cheio pela metade e respondeu:

— São seis da manhã, quer que eu te compre um relógio de parede?

— Soube que pediu demissão do escritório em Seattle, bem-vindo de volta a Nova York.

— Mamãe não sabe guardar segredos.

Quer trabalhar comigo? — Tom perguntou como se esperasse por isso a vida inteira.

— Não.

Ótimo, vou te passar o endereço e nos vemos às quatro.

— Já disse que não quero nada que venha de você — O homem deu um longo gole na bebida, que queimou sua garganta e aqueceu seu estômago.

Não é um pedido R, preciso de um coordenador para meus casos e não confio em outra pessoa além de você.

— Meu diploma é de enfeite, não sirvo para sua empresa de mauricinho.

Te vejo às quatro, não atrase.

A partir dos dezoito anos, aquele homem jogado no sofá constantemente se perguntava por que raios sua mãe quis procriar outra criança além dele, sua paciência para aquelas briguinhas idiotas já havia se esgotado a anos.

A chuva estava caindo a todo vapor do lado de fora da janela do apartamento, nada com que o Sr. Whisky não tivesse acostumado, em Seattle só existe uma estação do ano e raramente existe um dia em que não chova nada. Ele tinha enjoado daquela cidade, da monotonia de sua rotina e mesmo tendo um dos cargos mais importantes em uma empresa famosa de negócios, tudo era chato demais, ele sentia muita falta de casa. Mas as coisas não estavam do jeito que ele imaginou que estariam.

O Sr. Whisky passou a vida em Nova York, indo a bares e fazendo amigos, se embebedando e cometendo erros, vivendo como se nada mais importasse além do agora. Mas ele cresceu, deixou de ser um adolescente idiota, seus erros se tornaram piores e sem mais nem menos, ele decidiu fugir para Seattle.

Bem maduro da sua parte, babaca.

Antes que pudesse se remoer por mais coisas em seu passado e verdades que vieram à tona recentemente, o Sr. Whisky decidiu tomar um banho na esperança de que a água gelada pudesse lhe dizer o que fazer, ou sei lá, pudesse lhe afogar. Andando pelo corredor do luxuoso apartamento o homem sentiu vergonha do lugar, suas roupas estavam espalhadas da maneira mais nojenta possível, tudo cheirava a álcool e cigarro e quanto mais ficava em silêncio observando as coisas, mais sentia remorso por ter ido embora.

Foda-se, preciso sair daqui.


✶⊶⊷⊶⊷❍⊶⊷⊶⊷✶


A chuva não parou nem por um minuto, já eram quatro e meia e o Sr. Whisky andava sem vontade até o prédio enorme e irritantemente luxuoso no fim da rua, sua barba estava feita e ele não cheirava mais a álcool como um mendigo, a fumaça do Marlboro ainda estava impregnada em seu corpo (até porque ele andava com um acesso em seus lábios) mas não era tão ruim quanto antes, bom, não para ele mas seu irmão com certeza reclamaria disso.

Não me deixe ao caosOnde histórias criam vida. Descubra agora