Capítulo VI

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Depois do escândalo criado pelos dois jovens, as coisas mudaram na cidade. Os dias subsequentes foram de gritos, brigas e baixarias. Pessoas tentavam recuperar o que foi gasto com os comerciantes e gerando discussões homéricas. Era comum agora passar na frente dos comércios e haver discussão, se parasse na frente de um comerciante e prestasse um pouco de atenção, ouviria:

- Me devolva seu ladrão!

- Pode parar, eu não te roubei nada, eu dei o meu preço você aceitou. Agora que dois jovens idiotas falaram um monte de besteiras agora, querem devolver. Com base no que?

- Com base no quê!? Ora seu cretino você sabia, que o que importava era o peso não o preço e nos enganou.

- Não enganei ninguém, agora engraçado, todo mundo dizia que não valia nada, eu venho e ofereço os meus produtos pelo pó e todo mundo ficou tirando onda, eu nunca disse que era de graça, vocês aceitaram trocar o pó pelos meus produtos. Muitos de vocês até tiravam sarro de mim por fazer isso. Aí de repente, aparecem dois malucos dão uma explicação sem pé nem cabeça e agora está todo mundo me chamando de ladrão. Por acaso eu te forcei ou te ameacei?

- Não, mas enganou a todos pois sabia que o que importava era o peso.

- E por acaso não estava você lá, ouvindo o rei?

- Estava?

- Pois é meu amigo a mesma explicação que você ouviu eu ouvi também, então como posso ter ti enganado, foi você que não prestou atenção nas palavras do seu rei.

Os mais tímidos iam embora, os mais ousados, ou que não se importavam com os argumentos insistiam, muitos dos comerciantes, principalmente de gênero alimentício simplesmente replicavam:

- Tudo bem eu te devolvo, basta de me devolver as maçãs, as bananas e todo o resto que eu te vendi.

- Mas eu já comi tudo!

- Então não tem como devolver.

Já os comerciantes de produtos não perecíveis, usavam outra estratégia:

- Eu te devolvo seu pó, mas será por quatro moedas.

- Mas isso é o dobro do que eu te paguei.

- Quer o seu pó de volta, a menos que a mercadoria tenha defeito, e que não tenham surgido misteriosamente depois: eu devolvo. Agora sem defeitos é esse o preço.

Muitas dessas discussões escambavam para socos e chutes. Os dias passam e após todos estarem mais cientes sobre a importância do pó, ele rapidamente ganhou valor. Se antes cem gramas era uma moeda de ouro, agora, cem gramas valiam dez.

Era mais comum agora as pessoas trabalharem e receberem pó, não mais dinheiro. Os gastões, os que no começo gastaram desenfreadamente em troca de luxo e prazeres, agora trabalhavam e poupavam desesperadamente cada grão do pó que recebiam. Toda essa economia os levaram a viver uma vida totalmente austera. Não mais bebiam, não mais comiam comidas diferentes e caras, e nada que não fosse estritamente necessário mantinham. Com o passar dos anos adquiriram uma expressão dura e severa, como se a muito tempo não experimentasse a felicidade, tendo sua principal característica a boca rabugenta, cujo os cantos apontavam para baixo, ao contrário do sorriso que apontava para cima.

Os que gastaram sofriam, o que pouparam, sorriam. Estavam felizes, contanto que nunca utilizassem o pó, não precisariam passar por aquela situação de semiescravidão. Viviam suas vidas plenas, comiam e bebiam, e não tinham que se sujeitar aos caprichos de outros por um pouco de pó. Mantinham-se isolados e alheios a tudo, não participavam e não queriam se envolver com os outros.

Um dia apareceu na rua, assim como os dois primeiros jovens, um homem e este começou a gritar para todos:

- Está desaparecendo do baú, está desaparecendo do baú.

Ao ouvirem essas notícias, alguns o interpelavam:

- Calma rapaz, o que está desaparecendo?

- O pó, está sumindo do baú, eu não sei como, mas hoje tem menos pó do que tinha antes.

- Como assim está sumindo? Explica melhor! – Falou desesperado um dos ouvintes.

- Eu não sei explicar, eu só sei que agora tem menos pó no meu baú do que no mês passado.

Questionavam para saber mais detalhes, mas este não conseguia dar nenhum detalhe que fosse útil. A palavra se espalhou e logo os que poupavam ouvindo se preocuparam e olharam seus baús. Ouviu-se na cidade os seus lamentos:

- Como pode ter sumido se eu não gastei!?

- Onde foi parar o meu pó, onde foi parar!?

- Me roubaram, quem foi?

Esses gritos tomaram as ruas da cidade. Muitos começaram a vigiar o baú e a checa-lo todos os dias, e após algumas semanas um deles percebeu ao redor do baú, um pouco de pó. Era muito pouco se comparado ao total que sumiu, porém definitivamente era pó do baú. Sabendo dessa novidade se firmou o consenso de que o baú não estava retendo o tesouro. Muitos, no desespero, formaram meios, engenhocas para ser mais preciso, para que se eventualmente o pó escapasse ele capturasse e colocassem de volta. Além de lonas, recipientes grandes para se colocar o baú em cima, outros, simplesmente confeccionaram uma caixa transparente e perfeitamente isolada e transferiram o conteúdo do baú para lá. Tudo inútil, não importasse o meio, o método ou a forma de conter o pó, este não se mantinha preso. A forma que causava menos prejuízo era simplesmente todo dia pegar e colocar o pó de volta ao baú. Os que transferiram o pó de dentro do baú para outro local, perdiam mais do que aqueles que simplesmente o mantiveram lá. Vendo que cofres e caixas seladas eram inúteis, e sem ideias de como reverter a situação, simplesmente de forma acéfala continuavam a coletar o pó e colocá-lo dentro do baú. Muitos, por muito tempo o fizeram, mas depois de desperdiçarem seus esforços por anos e anos, viram que o trabalho era inútil, pois nunca repunham mais do que foi perdido. No começo achavam que sim, mas após anos viram que o conteúdo não se mantinha, apenas diminuía numa velocidade menor.

Outros simplesmente perceberam e logo viram que era inútil ficar guardando o tesouro. Em conversas entre eles dois jovens discutiram sobre o ocorrido:

- Não adianta guarda-lo. Se o deixas parado, simplesmente sumirá.

- E verdade. O pior que não há forma de conter. Será que o rei fez de propósito?

- Pode ser, sim, é possível que para garantir que ninguém simplesmente sentasse em cima do tesouro e simplesmente, no último dia, só precisasse jogar uma moeda.

- Não acha isso muita maldade?

- Agora isso não importa. Temos que utilizar o pó na esperança de ganhar mais.

- É, mas infelizmente todos querem o pó. Também sabem que o pó ele simplesmente some do baú.

- Assim como os comerciantes negociam o pó, temos que dar um jeito de utilizá-lo para ganhar mais. Algo de tanto valor que o rei não possa dizer que não valha mais do que ele nos deu.

- Mas como? Por que se não tivermos cuidado, estaremos na mesma situação dos idiotas que gastaram tudo sem pensar.

- Sim, mas também se ficarmos parados estaremos na mesma situação deles, porém ainda não estamos. Enquanto não estamos desesperados temos que ganhar mais.

Entre confabulações e planos o que influenciou no dia a dia com essa nova noticia era que o pó ficou mais caro, e os comerciantes começavam a reter ainda mais o pó, com medo de não ter suficiente no dia do julgamento.

Agora dez gramas do pó valiam dez moedas de ouro e só piorava, aos poucos a cidade se adaptou as variações de valor do pó. Os dias passaram e com o pó já fazendo parte de suas vidas, a maioria, de diversas maneira, tentou acumulá-lo. Outros apostavam em ganhar coisas que pudessem valer mais. O desespero de muitos era a alegria de outros, nessa eterna luta pelo tesouro real. Houve um tempo que se tornou uma selva onde todos disputavam o pó: assaltos e roubos surgiam do desespero. Muitos tentavam utilizar para qualquer outra coisa. No fim, quase ninguém teve escolha, a não ser, trabalhar para que quando chegasse a hora tivesse mais do que recebeu.

O rei e seu tesouroOnde histórias criam vida. Descubra agora