Capítulo XIII

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O EGOISTA.

Quando ele foi chamado a frente, praticamente empurrado pela multidão, o rei lhe pediu:

- Vamos começar. Por favor se afaste do seu baú.

Ele, hesitantemente, se afastou do baú: lenta e pesarosamente. Os guardas se aproximam e quando estavam prestes a tocá-lo, histericamente ele pula sobre o baú, gritando e implorando:

- É meu! Ó majestade deixe-me ficar com o baú! Afinal o senhor nos deu!

- Os dei para que um dia devolvessem a mim. Agora você quer ficar com o meu tesouro?

- Sim desejo – disse o pobre homem prostrado.

O rei impassível faz sinal para que continuassem. O homem como uma fera não deixava ninguém se aproximar: teve que ser imobilizado por três guardas. Os demais guardas levaram o baú para ser pesado. Quando puseram no prato o peso foi tamanho que o prato desceu até o chão. A multidão ficou maravilhada que o baú pudesse ser tão pesado, afinal a vista em nada diferia dos outros, principalmente o tamanho. Se o tamanho era o mesmo não teria como colocar mais pó do que o baú suporta. O rei olhando seriamente para a balança olha para o sujeito subjugado por seus guardas.

- Estou impressionado pelo peso do seu baú. Façamos um acordo. Eu irei julgar o seu tesouro. O que sair do seu baú será seu. Tem coragem de aceitar minha proposta?

- Aceito – disse com determinação e audácia. O rei fez gesto para que o soltassem, que foi prontamente obedecido. O homem ainda ofegante, se põe de pé, e como se estivesse em transe não parava de olhar o baú. Sua fúria era visível ao ver os guardas levando-o ao fogo. Assim que o baú foi posto dentro da lareira não demorou muito para a tampa e o baú chacoalharem. A tampa se abriu uma fumaça subiu: roxa. Muitos tinham dificuldade de identificar o cheiro, para alguns lembravam algo velho e estragados, outros diziam que cheirava a leite azedo. O rei vendo a fumaça se atenta ao cidadão e lhe pergunta:

- O senhor irá aceitar o que tiver no baú?

- Sim – respondeu o sujeito.

Viraram o baú, nada tinha. Ele, abismado, de olhos esbugalhado olhava e perguntava:

- Cadê? Onde está meu tesouro?

- Não há nada. Virou fumaça e nada sobrou – respondeu o rei.

- O senhor me enganou.

O rei o olha furioso e com grande ira respondeu:

- Eu te enganei!? Como ousa, o tesouro nunca foi seu. Quem perdeu fui eu, o tesouro se foi por seu egoísmo desmedido.

A multidão não entendia as palavras do rei e conjecturavam entre si. O rei tudo ouvia e por apreço a seu povo revolveu explicar.

- O meu tesouro – disse o rei em alta voz – tem um segredo que vou lhes revelar. O segredo é simples, se tiver muito e reter só para si, ele nada valerá. - A multidão se entreolhava confusa. O rei continua.

- Deixa eu te perguntar meu rapaz, alguma vez você vendo o seu irmão padecendo chegou a utilizar de seus recursos para o ajudar, seja comprando pão, dando abrigo ou até mesmo dando remédio?

- Não.

- Gosto da sua sinceridade. Sim revelarei o motivo pelo qual o seu baú era tão pesado. Quando nosso coração está em algo, este algo é precioso. Se você ama doces, nenhum dinheiro que gaste em doces lhe parecerá dinheiro malgasto. Se você coleciona selos, ainda que gaste sua poupança para tê-los você dirá que gastou pouco. Entenda quando você ama algo, se torna mais valioso aos seus olhos, mais pesado em sua própria balança de valores.

A multidão cochichava entre si comentando a fala do rei, muitos demonstrando ter entendido o significado das palavras do rei, mas a maioria ainda prestava atenção em suas palavras.

- Ora você valorizou o tesouro de sobremaneira que realmente se tornou o mais pesado de todos os baús julgados até agora. Saiba, porém, que o meu tesouro é um meio não um fim. Quanto mais alguém o deseja e o valoriza o meu tesouro, menos ele valerá.

- Não entendo suas palavras majestade. Como algo que lhe é valioso pode não valer nada? – replicou o rapaz egoísta.

O rei coçando sua fronte e respirando em frustração fecha os olhos e como se renovando sua paciência começa a falar novamente, num tom professoral:

- O egoísmo tem uma característica que se destaca, e que pode ser resumido em uma simples frase: "Se eu estou bem, não me importa o resto". O egoísta só se importa consigo, e é fácil verificar. – Apontando para o infeliz o questiona. – Quando sua mãe estava doente, você ajudou? Seja monetariamente ou de outra forma?

- Não.

- Quando seus sobrinhos ficaram órfãos, você os acolheu?

- Não.

- Quando seu pai quebrou e ficou sem um tostão, você o assistiu?

- Não.

- Verdade, você não os ajudou, mas o contrário aconteceu. Quando você ficou doente sua mãe e seu pai cuidaram de você, quando faliu, mesmo tendo o meu pó para lhe ajudar, você utilizou o deles, para não gastar o seu. Os seus irmãos lhe ajudaram a se reerguer. Depois que estava bem, ignorava a necessidade deles, de seus mais próximos, quanto mais de estranhos. O egoísta pensa em si apenas, podem estar pensando que parece que ele é ganancioso, não é o caso. Embora parecidos o egoísta as vezes, não é incomum, procura acumular coisas que ele entenda ser bom apenas para ele. Se o egoísta demonstra interesse em algo além dele, no fim esse interesse se reflete no próprio bem, ainda que as custas dos outros. Não é verdade que o seu baú está cheio por prejudicar os outros pensando apenas em si mesmo?

- Sim é verdade.

- Você desejou demais o meu tesouro e deu um valor que não deveria dar. Mas isso, por si só, não é motivo para ele se evaporar, o problema foi o que gerou esse desejo; a fonte. Seu egoísmo desmedido gerou esse desejo anormal por meu tesouro, por que você entendeu que quanto mais tivesse melhor seria para você. Por isso não o utilizou, e para que sempre tivesse mais utilizou de recursos escusos para ter mais. E a única razão era egoísmo para que você tivesse mais, se o usasse era para si mesmo e nada além. O ganancioso embora também procurasse sempre mais, nem sempre é apenas pensando em si, as vezes para satisfazer sua ganancia tinha que estar atento a necessidade do seu próximo, para que assim pudesse ganhar algo. Afinal de que adianta ter um bom produto, se ninguém tem como comprar.

O homem simplesmente cai de joelhos ao chão, desolado por ser exposto em toda a sua essência. O rei deu ordens e os guardas o levaram de lá. A multidão que via a tudo chorava e lamentava, e diziam de forma disforme:

" E agora quem irá passar. O violento não passou, o mentiroso também. Até aqueles que pareciam ser bons, eram só fachadas. Até agora não há ninguém que passou, será que não haverá? "

O rei tudo ouvia e resolveu acalmar a multidão:

- Há sim povo, logo aparecerá.

O rei e seu tesouroOnde histórias criam vida. Descubra agora