Capítulo XV

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Conforme o julgamento progredia, muitos reprovavam, e alguns passavam. Até que o rei fixou seu olhar aos mendigos, os sujos, aos desprezados da comunidade e chamou um desses miseráveis a frente. Conforme avançava em direção a balança a multidão se afastava dele, não procurando abrir espaço, mas evitando-o, como se fosse um leproso.

O homem temendo e tremendo se apresentou ao rei. O rei foi enfático:

- Que pesemos o seu baú.

Ao ouvir essas palavras o homem tomado pelo desespero começou a chorar. O rei dá sinal ao seus guardas para que esperassem, e o observou atentamente. Assim que o homem começou a parar de soluçar o rei lhe questiona:

- Por quê chora?

- Por que eu não tenho nada, abra-o e verá que o que tem mal dá para um copo pequeno.

O rei da ordena que abram o baú. E mostra o conteúdo a multidão.

Todos, na multidão, comentavam. Alguns riram, outros lamentaram, mas a multidão definitivamente ficou alvoroçada ao ver tão pouco no baú.

- O que você fez com o meu tesouro?

- Tive que usar.

- Usou, mas repôs?

- Sim majestade, repus, com tudo que me sobrou.

O rei o olha com interesse e dureza.

- Me explique! No que usou?

- Tive fome, tive frio, a princípio quando ninguém dava valor o guardamos. Porém um dia, de repente, começou a valer cada vez mais. Eu e meus amigos nos enchemos de alegria, fizemos planos, porém a fome e a necessidade eram maiores. Gastamos com comida, bebida e roupa. Gastamos com um lugar para dormir. Porém ficou tão caro, que antes que pudéssemos ver, tudo se esvaiu. Não tínhamos, novamente, o bastante para comer. Não tínhamos o bastante para viver confortavelmente. Sabendo que um dia tínhamos que devolver, fizemos de tudo para tentar acumular, porém, ao tentarmos acumular, passávamos muita fome e voltávamos a gastar com comida. O sofrimento era tanto, que bebíamos.

- E através dos vícios, assim se foi o meu tesouro.

- Sim, meu rei. Infelizmente não tivemos o suficiente para darmos início aos nossos planos e antes que pudéssemos começar, tudo ficou mais caro, o tesouro que tínhamos, que era muito, no começo, se tornou pouco logo depois. Estávamos na miséria antes que pudéssemos fazer algo. Depois disso voltamos ao que éramos e vivíamos de migalha. Perdemos até o pouco que tínhamos, através ladrões e exploradores que nos roubava, e assim a vida não nos deixou progredir.

- A vida? Não culpe a vida meu caro. Não foi a vida que fez você gastar o meu tesouro da forma que gastou, foi você. Não recebeu o suficiente? Todos receberam o mesmo, cabe a cada um prosperar com o que têm. Quantos no meio da multidão, que começaram assim como você, e agora são ricos aos olhos da sociedade? Quantos que eram ricos e agora são tão miseráveis quanto você? Foi você que desperdiçou o meu tesouro. Os que te roubaram, aqui serão punidos. Mas não foi por ter recebido pouco, mas por ser incapaz de aumentar o que lhe foi dado. Eu deveria ter lançar fora do meu reino, mas não o farei sem o devido julgamento. Te adianto uma coisa, todos vocês cumprem um papel nesse julgamento, e você agora irá descobrir o seu.

Após essas palavras o rei novamente ordena que os guardas deem continuidade ao julgamento. Pegaram o baú e puseram-no no prato. Por muito pouco passou no peso, muitos mal conseguiam ver qual lado pendia a balança. A multidão protestava: o rei ordena silencio. Suas ordens são absolutas e a multidão se aquieta. Os guardas põe o baú no fogo. Soltou-se a fumaça: foi o perfume mais neutro de todos. Do baú saiu apenas duas moedas, douradas: simples e comuns. O rei o parabeniza e diz aos guardas para o levarem ao salão. A multidão protesta:

- Como pode duas moedas pesar mais que tesouros? Como pode ele passar sendo que muitos que tinham mais falharam?

O rei suspira tristemente e olhando a multidão responde:

- Viram, mas não observaram. Falei, mas não me escutaram. Direi novamente de forma a entenderem de uma vez. Sabe quanto vale o meu tesouro? – A multidão permaneceu em silêncio – Não vale nada, e tudo – disse o rei. A multidão ficou confusa e alvoroçada.

- Explico – interrompeu o rei, silenciando assim a multidão. Porque esse homem com tão pouco passou, e apenas com duas moedas foi convidado ao meu salão? Ele mesmo respondeu, ele deu tudo o que lhe restou. Ele deu tudo! Senhores, ainda que seja pouco a balança pesou e atestou que realmente o que ele deu era pesado para ele. O fogo provou e mostrou que o que ele deu era importante, e tinha valor para ele. Essas duas moedas foram tudo que sobrou, ao passo que aqueles que falharam, falharam porque trouxeram sobras, no meio de suas fortunas. O que me trouxeram não tinham peso para ele. O valor do meu pó depende de cada um, ainda que me traga uma montanha, mas, se não lhe custou lágrimas, suor, tristeza e alegria, então não vale nada. Assim como foi no começo, quando vocês não lhe davam valor, assim é o meu tesouro, apenas quando deram valor, é que realmente ganhou valor. Os que passaram, ainda que me trouxessem pouco, pelo trabalho, e pela forma que foi conquistado, deu "peso" ao meu tesouro, e também "valor" a ele. Mas assim como boas ações dão valor, se para conseguir o que tem tiver que prejudicar o seu próximo com vilanias, ainda que com muito trabalho, ainda que passe no peso, o ódio gerado, o ressentimento de muitos irá manchar e transformará o meu tesouro em lixo. Ao roubar de seu irmão, você perde peso, ao dar ao seu irmão, o seu tesouro ganha peso, e muitos, principalmente pessoas como ele, cumprem um importante papel. Eles estão lá para receberem, para testarem o seu coração, e se assim procederem, aumentar o meu tesouro.

A multidão ficou calada, muda de vergonha. O mendigo foi conduzido a porta. O rei bateu o cetro, ressoando como um trovão e disse:

- O próximo!

O rei e seu tesouroOnde histórias criam vida. Descubra agora