61° Melissa

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Acordo ás oito em ponto, parece que meu corpo é um relógio britânico, sempre na mesma hora, olho para  lado Murilo ainda dorme, me levanto e vou para o banheiro, tomo meu banho e troco de roupa, a babá chega por volta das nove e meia que é quando os meninos acordam.

Tomo meu café, ainda pensativa no que a tal Bia me disse ontem, 'eu sei que vai parecer conversa de ex maluca, que não aceita o término do relacionamento de anos atrás, mas eu não quero ter culpa quando sua vida virar uma bosta'.

Eu ri naquela hora, mas depois de tudo o que ela me disse, eu realmente fiquei pensativa, eu realmente vejo que ela tem razão, Murilo beija meu pescoço e eu dou um pulo de susto, ele ri sem graça e pede desculpas, eu me levanto colocando a xícara na pia.

- Eu estou indo na doutora Paula.- ele parece pensativo.

- Tudo bem, quer que eu vá?- nego com a cabeça.

- Fica com os meninos, aproveita que é sábado.- sorri e dei um selinho nele.

- Eu te amo.- ele me olha como se estivesse preocupado.

- Eu também te amo amor.- pego as chaves do carro e vou em direção ao consultório da minha psicóloga. 

(...)

- E então, como foi a semana?- eu me sento no sofá gigante cinza que tem ali.

- Foi boa até os quarenta e cinco do segundo tempo.- falo tentando amenizar aquela vibe estranha.

- Então hoje vamos começar falando o acréscimo.- ela sorri me incentivando.

Contei tudo o que tinha acontecido, vez ou outra ela anotava alguma coisa, mas sempre prestava atenção em mim, é como se ela pudesse ver além do meus olhos, eu me sinto como se ela lesse meus pensamentos e sentimentos.

- Então se você ficou pensativa com  que a tal ex disse, talvez tenha um pouco de verdade, não é?- eu ri.

- Eu esperava que você me dissesse.- ela se ajeita na poltrona.

- Você já sabe que é dependente emocional do seu noivo, você se conhecem desde que você nasceu, ele que te apresentou ao mundo, te ensinou coisas importantes, o primeiro beijo, o primeiro amor e até a primeira vez, isso transforma o seu modo de pensar, você é mulher e está tudo bem você agir mais com a emoção do que com a razão. E o fato de você pensar em tudo o que a ex dele disse mostra que você aceitou esse papel de dependência.

- Então você concorda com ela, você acha que eu devo terminar meu noivado e deixar meus filhos para trás?- um nó aperta minha garganta.

- Melissa você só tem dezoito anos, eu não estou aqui para falar o que você deve fazer, estou aqui para te ajudar a encarar tudo o que você passou, te ajudar a enfrentar seus traumas, estou aqui para te ajudar a ver as coisa em terceira pessoa.

- Mas então o que eu faço, me ajuda.- me sinto perdida nesse momento e começo a chorar.- meu coração manda eu ficar com ele e meus filhos, mas meu cérebro deixa explicito que essa ideia é ridícula.  

- Põe tudo na balança, tudo o que você viveu,- ela empurra a caixa de lenços.- dias em cativeiro, sendo espancada, humilhada, sofrendo de fome, frio e sede, você perdeu um filho da pior forma possível, do outro lado põe os momentos felizes, as risadas, as festas, brincadeiras, os filmes que assistiram juntos, o tempo que vocês curtem a presença um do outro, analisa qual bagagem é mais pesada e aí tome sua decisão.

- Mas ele precisa de mim o mesmo tanto que eu preciso dele,- minha voz sai baixa.- eu perdi meu filho e ele perdeu não só o filho mas também a mãe, tudo no mesmo dia, ele teve que escolher quem ele salvaria, ele luta contra os traumas dele assim como eu.- o alarme toca anunciando o fim da sessão, ela me olha intrigada.

- Faremos assim, na segunda tenho um horário livre pela manhã, pede para ele vir conversar comigo, gostaria de entender os dois lados desse relacionamento.- ela me oferece mais um lenço.

Nos despedimos e eu saio do consultório, já deixo agendado o horário de segunda, entro no carro e volto para casa pelo maior caminho, preciso pensar, sem dúvidas eu tenho melhores momentos com o Murilo do que piores, e tudo o que eu sofri na mão daqueles quatro não foi só pelo Murilo, foi por toda a minha família.

Chego em casa e os meninos estão em uma luta aparentemente sem fim no video game, dou um beijo no Murilo, nos meninos e dispenso a babá, entro no quarto e troco de roupa, fico parada na frente do espelho olhando a cicatriz que ficou por ali.

- E aí, como foi?- Murilo pergunta parado na porta com as mãos nos bolsos.

- Tem dias em que saio mais confusa do que entrei.- sorri.

- Eu acho que a gente precisa conversar sobre ontem.- ele senta na cama, minha mente já começa a criar um turbilhão de paranoias, ele estava com ela, só pelo jeito dele me olhar eu sei disso.

- Você estava com ela, não é?- minha garganta fecha, ele não pode ter feito isso comigo.

- Senta aqui,- ele me puxa e eu sento de frente para ele.- eu sei que tu ficou pensativa com o que ela disse ontem, eu não consigo imaginar você me deixando Mel, ontem eu fui sim na casa dela mas fui para mandar ela ir embora, para mandar ela ficar longe de você, de mim, da nossa casa, eu nunca trairia você com ela.- ele limpa minhas lágrimas.

- E por que chegou bêbado?- ele suspira.

- Ela jogou várias coisas na minha cara, não só na minha mas na do Pedro e da Marina que também estavam lá, eu... eu precisava esquecer tudo aqui, ela disse que você vai me deixar e que...- ele respira fundo.- você vai deixar nossa vida, deixar nossa casa, nossos filhos.

- Bom eu ainda estou aqui.- ele sorri.- a doutora que conversar com você depois de amanhã.- ele levanta uma sobrancelha. 

- Conversar o que?- ele me puxa e nós deitamos juntos.

- Eu não sei.

- Que horas você marcou?- olho para ele, achei que seria mais difícil.

- Ás dez, ele mexe no meu cabelo.

- Tudo bem.- ficamos ali um bom tempo, nada de conversa, sexo ou qualquer outra coisa, apenas ouvindo a respiração um do outro.

Melissa (Livro 2) |Pausada|Onde histórias criam vida. Descubra agora