Palacianos, 1121 - Prólogo

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Merab escolheu um vestido cor de vinho que realçava os tons dourados nas pontas dos seus cabelos. Vermelho como sangue, pensou. Vermelho como aquele maldito anel.

Seu olhar era frio como gelo quando ergueu a sua mais bela coroa sobre a cabeça. Centenas de diamantes resplandeceram, brilhando como lágrimas de Amandam.

Vestes de uma Rana, uma coroa ancestral. Me mostre.

Apesar dos trajes refinados, seus pés estavam descalços e ela caminhou sobre o piso de mármore desenhado, sentindo as reentrâncias das inscrições que cobriam todo o Salão dos Espelhos.

Sozinha no cômodo escuro, apenas uma chama brilhava, mas ela via dezenas de Merabs, dezenas de mulheres trajadas em vermelho com o olhar mais determinado que a morte.

Me mostre, ordenava a Rana, mas as palavras não saíam de sua boca. Elas iam diretamente para dentro. Para si.

A mão direita tremeu quando ela abriu a palma para revelar o que segurava: o antigo anel de Ammiel, a relíquia palaciana que enfeitara o dedo de cada Raj que se sentara no trono mais poderoso de Adij Alim.

Ammiel dormia profundamente quando ela retirara o anel de seu dedo. Após uma noite de festa e muitas taças de vinho, ele não acordou quando a sua rana o deixou no meio da madrugada, levando consigo o seu item mais valioso.

Uma das dezenas de Merabs refletidas nos espelhos se mexeu, sozinha. Era a porta oculta que se abria e, atrás da mulher vestida de vermelho, surgiu uma segunda. Dessa vez, não era uma rana, mas uma krali. A Krali Agnes Rariff atravessou o salão e seus saltos bateram contra o piso frio, ecoando pelas paredes espelhadas. Era mais alta, mais alva e trazia um brilho confuso nos olhos azuis. Sua capa, feita de seda suave como águas escuras de um rio, ondulou levemente ao seu redor quando ela parou atrás da Rana.

- Trouxe o que pedi?

- Sim, Merab. O que significa isso?

- Preciso tomar uma decisão.

- Sobre o quê?

- Sobre Mani. Seu futuro.

- Merab... O que esse anel pode te mostrar? O que o meu anel pode dizer sobre Hannah?

- Passado, presente e futuro, Agnes. Por muitos anos, no passado, esses anéis estiveram nas mãos dos ancestrais dos nossos maridos. Hoje, somos o presente. Uma Rana e uma Krali. Duas mulheres, dois anéis. No futuro, Rana e Krali podem ser apenas uma. Uma mulher, dois anéis.

- O que diz, Merab?

- Me dê o anel e me deixe, Agnes.

- Você está me assustando, minha amiga – sussurrou Agnes, tirando o anel do seu dedo. – Ammiel não deveria estar aqui? Tem certeza de que quer ficar sozinha?

- Ammiel... Estou exausta de dar notícias sombrias ao meu marido. Quero dar um pouco de esperança. Quero trazer uma solução. Quero saber se há alguma chance de minha filha usar essas joias. Algum dia.

- Mas o meu anel? Por que Hannah o portaria?

A rana suspirou, encarando o próprio semblante obscuro refletido à sua frente.

- Porque ela pode não ser nada. Ou ser tudo. Ela pode morrer antes mesmo de se sentar no trono, antes mesmo de crescer... Ou ela pode reunir duas famílias. E transformar a nossa amizade, Agnes, em algo mais.

- O que diz?

- Amor, Agnes. Amor e família. Esses são os laços que unem os nossos filhos no futuro. Porém, antes dessa união, há um abismo de morte.

O Portal III | Livro 3 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora