I 1.1 Veneno

262 82 83
                                    

Quando Noa entrou no quarto de Niall naquela noite, ele já esperava encontrá-la ali. Uma mulher alta e morena, de cabelos castanhos e fartos, o encarou com olhos verdes assombrados. Ela olhou para os lados, confusa, tentando entender como ele chegara ali. A porta do quarto estava fechada. Um candelabro de prata com três velas iluminava o ambiente, derramando uma luz fraca em cima da cama.

- Não se assuste, por favor – pediu Noa, odiando o medo nas suas feições. – Não vou feri-la, não quero nenhum mal...

- Eu sei, Meu Raj, me perdoe, apenas me surpreendi. Como entrou aqui? – Uma ruga profunda se formou entre as sobrancelhas espessas e seus olhos brilharam com curiosidade.

- Não importa – respondeu Noa, sem saber se podia confiar naquela mulher para dividir o segredo que levava até os seus próprios aposentos. – Como ela está?

A mulher suspirou, obviamente cansada: - Sinto dizer que a recuperação não será rápida, Meu Raj. Mas não há motivo para se preocupar. Em alguns dias, vai acordar.

Ela voltou a se sentar na poltrona ao lado da cama, sem tirar os olhos dele. Noa tinha muitas perguntas, inúmeras dúvidas. Passara o resto daquele dia resolvendo tantas questões, contando tantas mentiras, mas agora que os cabelos de Amadam cobriam a terra, ele queria apenas um pouco de conforto, um pouco de verdade.

- Se importa se eu me aproximar?

A mulher lançou um olhar rápido para a jovem desacordada na cama e Noa desejou não ter perguntado aquilo. Ele precisava se aproximar para ver Hannah, para se assegurar de que algo tinha mudado em suas feições desde que a deixara há poucas horas, quando a criança ainda permanecia ao seu lado. Precisava estar ao seu lado. Precisava tocá-la e sentir que a sua pele estava menos fria. Precisava. Aquela mulher não o impediria.

Ninguém o impediria agora.

- A criança? – perguntou Noa.

- Se foi, graças aos deuses. Está adormecida.

- A senhora é a curandeira?

- Não... – Ela olhou para o próprio colo, então sorriu: - Leila é a curandeira. Está descansando, agora... Eu me chamo Gaetana. Sou como...

- Uma mãe? – questionou Noa, reconhecendo o carinho e o cuidado nos olhos verdes como campo.

Ela sorriu, assentindo, mas balançou a cabeça: - Amo Mani como a uma filha, mas jamais poderia substituir...

- Tive algumas mães desde que a minha se foi – confessou Noa, dando um passo à frente. – Pessoas que se importaram o bastante para cuidar de mim... Quando não havia mais ninguém. Posso me aproximar? Por favor.

- É claro, Meu Raj. Venha – disse Gaetana. – Mas devo alertá-lo de que Mani é bem vaidosa e vai ficar furiosa quando souber que a visitou quando estava tão vulnerável.

Noa riu e se sentou ao pé da cama, deixando seu olhar correr pelo corpo da jovem na cama, assimilando aqueles ferimentos que faziam seu coração doer. A coxa direita estava enfaixada, a perna bem apertada na atadura. O colo, ainda marcado pelas cicatrizes deixadas por Gunda, ostentava um novo ferimento, algo que ele jamais vira. As veias estavam enegrecidas, como se pintadas por tinta escura. Ela respirava tão baixinho, parecia tão pálida, tão fraca...

- Vaidosa? – repetiu Noa, tentando se apegar às várias afirmações que ouvira durante o dia de que ela ficaria bem. – Está há meses vivendo como uma criada e não encontrei quase nada na sua mala de Shailaja.

- Sim, e tenho certeza de que me xinga todos os dias... – riu Gaetana. – Apesar de ter perdido tudo, Hannah nunca deixou de ser uma rani... Trouxe algumas coisas para ela, de casa. Da Ilha.

O Portal III | Livro 3 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora