II 2.1 Saia

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Não consigo respirar. Fogo queimava tudo à sua volta. Fogo tirava o seu ar. Fogo e cinzas. As cinzas entravam pelas suas narinas, o fogo caía dos céus. Preciso respirar, alguém me ajude, não consigo respirar...

"Seu fogo não pode queimá-la."

A voz de Luc ecoou na sua mente, um ensinamento gravado desde a infância.

Luc, vou matá-lo, você vai me pagar, você vai ver...

Raiva e fogo se misturaram, ira e chamas eram tudo que existia, não havia mais nada, não havia ar.

Preciso respirar agora.

"Seu fogo não pode queimá-la."

Me leve, fogo, ela ordenou. Deixou a raiva entrar em ebulição, deixou a raiva tomar cada centímetro do seu corpo, queimar, queimar e queimar...

Luz. A luz queimou suas retinas, seus olhos arderam. Só havia silêncio, dor e luz. Raios pálidos entravam por uma cortina ricamente bordada. Tímidos e ainda fracos.

Ar entrou nos seus pulmões e, assim que eles se expandiram, ela sentiu a dor em todo o seu corpo de uma só vez.

Pelos deuses, estou quebrada. Estou destroçada.

Ela piscou, direcionando o queixo para baixo, tentando olhar para si mesma. Viu que usava uma camisola de algodão fino, tão linda, tão delicada, mas no meio do seu peito uma marca negra surgia, pintando as suas veias de tinta escura.

A dor incendiou a sua perna direita quando ela tentou erguê-la e ela percebeu que uma faixa cobria toda a sua coxa.

Estou ferida, estou fraca, estou inútil.

Não havia ninguém no quarto.

Estou sozinha. Há quantos dias estou aqui?

Apoiou os braços no colchão macio, erguendo o corpo com dificuldade e encarou o quarto à sua frente: era amplo e luxuoso, idêntico ao de Noa, mas não era o de Noa. Não, havia um tapete de estrelas... Havia uma cama pequena de criança. Havia um cavalo de pano e soldados de madeira... Uma lágrima escorreu quando ela se deu conta de que estava no quarto de Niall.

Niall, seu amigo de infância. Niall, o irmão de Noa que não sobrevivera.

Sua garganta estava seca, e ela olhou para o lado. Na mesa de cabeceira, havia uma jarra com água. Usando toda a força que restava despejou a água em um copo, mas o barulho chamou a atenção de uma pessoa que ela não tinha visto.

- Mani... – Christine estava na cadeira ao lado da cama, aparentemente cochilando. – Pelos deuses!

Ela se aproximou e terminou de servir a água. Hannah bebeu um copo inteiro. Depois outro e depois outro.

- Chris...

- O que quer? Como posso ajudar? Vou chamar Leila...

- Não – interrompeu Hannah. Não, Leila era muito tradicional... Leila não gostaria do que ela queria fazer, mas Chris... Sim, Christine poderia ajudá-la.

- Me ajude a sair dessa cama.

- Mas, Mani, pelos deuses, está muito fraca...

- Há quantos dias estou nessa cama?

- Dez dias...

- Vou sair. Hoje. Você vai me ajudar.

- Mani...

- Você. Vai. Me. Ajudar.

Christine assentiu diante da autoridade na sua voz, apesar de não passar de um sussurro fraco.

O Portal III | Livro 3 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora