Sina Certeira

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Após algumas horas já no final da tarde Teresa acorda, Antero dorme, o braço fora da cama, completamente desnudo,  Teresa o cobre... parece que a chuva está diminuindo, ela toca nele –Antero... temos que ir embora...
Ele ainda demora alguns instantes para despertar
–Ah Como queria ficar aqui contigo... (se espreguiça)
Ajeitam-se, Teresa e ele cavalgam depressa
-Tenho que ir a casa de Adelaide antes que sintam minha falta
Antero  pega de sua mão, beijando aquela mãozinha pequena –Vá com deus...
Teresa, pensa no que acabara de fazer, mas não conta a Adelaide, mal dormiu naquela noite, tinha se entregado de corpo e alma para um homem que era inimigo de sua família, tinha medo do que estava por vir....
Antero ainda que homem e muito mais livre para viver suas paixões, sentia um certo remorso, pois para a família tradicional como os Salles, isso era o cúmulo da desonra.
Das idas e vindas do Exército, Antero sempre se hospedava com seu amigo Rômulo, Médico recém formado, casado com a jovem Henriqueta, uma moça tímida, mas muito generosa, para eles Antero e Teresa eram perfeitos um para o outro, sem julgamentos ou penitências.
Em frente a praça da Igreja funciona a Escola normal, muitas meninas estudam ali, sempre uniformizadas, em tons muito discretos, Teresa anda com leveza na calçada, olha a praça, Antero de costas, fuma um cigarro, lhe espera, com um sorriso largo.
Ela vai depressa na direção dele, ele lhe recebe com um abraço que lhe arranca no chão, lhe beija na testa, as outras moçam ficam sorrindo.
-Que saudades senti...
-Então como estava o quartel...
- Foi promovido a Tenente Coronel
-Antero que boa notícia (Teresa o abraça)
-Eu lhe trouxe um presente, não sei se vais usar.... diz ele
Entregando um embrulho bonito, Teresa abre delicadamente, um diário em veludo vermelho...
-É maravilhoso Antero !
Nenhum deles sabia aquelas páginas em branco do diário, seriam o caminho de tantas palavras, a linha tênue entre o ódio e o amor...
Dona Ana era uma madrinha carinhosa e dedicada, mas seus filhos já estavam criados e ela não tinha todo cuidado que exigia Teresa.
Dona Ana leva as meninas para a reza do Terço, todos em silêncio, a Igreja cheia de senhoras, todas de cabeça coberta por véus, rezando no calor das velas.
Teresa acompanha sem tanto ânimo, olha para trás um tanto dispersa, sua madrinha lhe cutuca- Presta atenção no terço...
Teresa segue, olha para trás Antero a espia no canto da porta, sorri, aquele riso menino, os olhos pulsam como o úmido verde das matas.
Teresa sai cautelosa entra na sala de confissões
– Que fazes aqui? Estás louco?
-Estou louco, louco de saudade de ti Guria... dos teus beijos...
Antero tira o véu dela, lhe encosta na parede, lhe beija intensamente, Teresa tenta desviar-se, o beijo , que só termina quando a freira Bernaderte os surpreende – Misercórdia, minha nossa senhora, é o fogo do inferno queimando em ti Teresa...
-Pelo amor de deus irmã... não diga nada a minha tia...
-Não respeitam a casa de deus!  Previricadores! Sua tia vai saber e vai lhe castigar!
-Irmã eu prometo que se a senhora não falar nada, eu faço uma doação para ajudar na reforma... diz Antero.
-Sendo assim, que sirva para pagar sua penitência, mas terão de rezar duzentas Ave Maria.
-Rezarei quinhentas, já pelos pecados que ainda irei cometer ... sorri Antero
Teresa o olha feio...
-Eu vou lhe esperar hoje na noitinha na casa de Rômulo...
Ana diz a Teresa- Te arruma para irmos na casa da Zila tomar sopa, ela nos convidou...
-Mas madrinha hoje está calor para comer sopa....
-Deixa de besteira menina!
-Teresa pensando bem você não vai...
-Mas madrinha ? eu não entendo...
-Seu Alcebiades e a esposa vão estar lá... seria vergonha para ti depois de toda confusão você reve-los... fica e durma cedo... sem livros até tarde...
Pronto, Teresa não poderia ver Antero !
Teresa senta-se na janela baixa, aquele ar quente de verão, a noite estrelada, ela vê Palmira entrar pelos fundos para prosear com  Milinha, criada de sua madrinha, se soubesse teria chamado Adelaide para dormir lá... lhe restava a brisa da noite e depois dormir....
Teresa sente as mãos quentes lhe cobrir os olhos, se arrepia, Antero lhe beija o pescoço –Eu fiquei de tocaia e vi quando sua Madrinha saiu ...
-Antero pelo amor de deus, se madrinha lhe vê aqui...
-Eu não tenho mais medo de nada...
-Antero Milinha, a empregada ela vai nos ver...
-Eu mandei Palmira vir conversar com ela, assim ela não vai perceber ...
-Antero... eu odeio ter de mentir...
-Eu odeio, odeio mentir que não sinto tua falta...
Antero beija Teresa, ela fecha os olhos, ele a empurra sob a beira da Janela, lhe beija os ombros...
-Por mim eu te amava aqui mesmo... mas respeito a casa de Dona Ana... no sábado vai ter marcação lá na minha estância ... arrume um jeito de ir com a Adelaide para os avós dela... eu estarei te esperando...
-Antero e seu eu não pude ir?
-Eu sei que vais.. eu sei...
O final de semana chega, os jovens se organizam para ir à festa na casa de Antero.
Adelaide logo convenceu Dona Ana a permitir que Teresa lhe acompanhe na casa de seus avós... mas claro que a madrinha de Teresa nem sonha que a Estância da Pitangueira, propriedade de Antero seja vizinha aos avós de Adelaide.
Teresa chega sem jeito, alguns peões e suas esposas cumprem muitas tarefas, Teresa sente-se sufocada com aquele calor de fevereiro.
-Palmira traz um limonada para Teresa...
-Sim, e o senhor quer beber o que?
-Me serve uma canha, para mim e os peões...
No campo, toda a data virava festança,  Antero pega Teresa pelo braço, dançam um xote bem marcado, os corpos em perfeito compasso, ela lhe sorri discretamente como de costume, aqueles olhos de bicho acuádo, deixavam Antero completamente envolvido, ele já empoeirado pela lida do campo, os olhos dele lhe espiam o bonito decote... Teresa fica vermelha...
-Venha comigo...
Entram os dois na casa, o bonito sobrado... Antero pega Teresa no colo, sobe as escadas, entram no quarto de Lençóis alvos, ele a beija de pé no canto da porta, lhe pressiona contra a parede, lhe empurra em cima da cama, vai a desnudando, beijando entre as coxas, Teresa fecha os olhos, num misto de  vergonha e prazer, ele a toma para sí, são dois bonitos corpos agora em uma sintonia sobrenatural, anjos do pecado,  verdadeiros amantes ...
Antero e Tereza descem sorridentes, retornam ao meio dos empregados, Antero mira a porteira, vê se aproximar ao longe uma carruagem bonita, escoltada por dois ou três criados... de certo que é Rômulo e Henriqueta...

Antero corre atrás de Teresa na cozinha, brincam como duas levadas crianças...
-Antero a senhora sua mãe...  diz Palmira
-Bons dias meu filho...
Dona Clara sempre fora uma mulher muito fechada, bonita, mulher alta e magra, com olhos desconfiados...
-Mãe mas a senhora não avisou que viria...
- Essa moça bonita quem é?
-Essa é ...
-Eu sou filha de um dos peões, sou Teresa... se me permiti tenho meus afazares...
-Vim porque Leôncio, não está bem de saúde...
-Mas o que tem meu pai?
-Está de novo com aquele problema dos nervos...vim porque talvez nos mudemos para cá...
-Certo... se tivesse me avisado estaria com vocês lá em Bagé...
-Não filho, estás bem e isso que importa...
Antero fica ali envolvido com os animais recém castrados, sua mãe o chama na sala –Mãe estou virado em barro...
-Antero quem era a moça aquela que estava aqui...
-Teresa é...
-É uma moça rica... pelas vestes, pelo trato fino, é uma filha de algum dos conhecidos de seu Pai...
-Mãe eu não vou lhe mentir... Teresa é filha de Augusto Salles...
Clara, senta-se, quase cai no sofá... –Ai meu deus....
-Mãe calma, traga água para minha mãe Palmira...
-Antero... ai... o que pensas que fez...
Clara o sacode pela cola da camisa...
-O que estás dizendo?
-Eu vi a cama lá em cima, o sangue... de moça  manchando o lençol ...
-A tempos eu e ela nos acostamos no Galpão mãe...
-Essa moça é filha do homem que teu pai quer ver morto! Sabe que vão cobrar com sangue esta desonra... que vão lhe matar... como... como ...
Clara desmaia na sala... Antero a ampara... –Mãe..acorde !
Na estância dos pais de Teresa, Anástacio emparelha os tentos de couro nas mãos, trançando com destreza, Amadeu no meio da peonada exclama – Nástacio ? Ainda atira bem como naqueles tempos de guerra ?
-Ah o tempo tem seu preço, já não atiro bem assim, diz o velho Anastacio.
-Pois bem, o peão que melhor atirar ... terá de mim recompensa valiosa.... diz Amadeu
Muitos dos homens se oferecem... Mas todos sabem que Tomé um criado de confiança de Amadeu é exímio atirador...
-Eu dou um pedaço de terra povoado de gado e um guaiaca recheada de dinheiro... para o vulto que matar o Tenente Antero! Não estou brincando, o peão que fizer este favor... tem o prometido...
Anastácio teme pela vida do jovem Tenente Antero.

Teresa aproveita o domingo ensolarado para rever sua mãe, ela e Adelaide comem Laranjas, Teresa abraça a mãe – estava com saudade ...
Mariana a abraça – só queria te ter aqui debaixo de minha asa... te cuida filha!
Adelaide e Teresa voltam para casa, no meio do caminho Antero espera debruçado no arame, Teresa e ele vão na direção do Galpão... Banham-se na cachoeira ... Na sombra das árvores... Antero dorme deitado no colo dela... ela o afaga os cabelos...o cachorro '' Canção'' late na direção do mato, está furioso – Tem algo errado Antero o cachorro tá  dando sinal !
Anástacio surge na beira da água, o rosto parece triste –Anástacio! Que fazes aqui... foi papai que lhe mandou aqui...
Antero levanta-se depressa – Que passa?
-Eu segui a menina Teresa até aqui... já desconfiava que ela estaria por aqui...
- Porque? Tu não vais dizer que estou aqui... vais?
Anástacio senta-se na sombra... Antero fica com olhos presos nele... como um bicho...
-Eu vim como amigo... o pode afrouxar o revólver da cintura... diz Anástacio
O semblante do velho se enrubesce – Meus filhos eu vim aqui... por que um homem pode ser tudo menos covarde... eu quero lhes dizer que uma barbaridade está para acontecer! Que bom seria se Teresa voltasse para casa ... e tu filho ( olhando para Antero) fosse para a Bagé!
-Não entendo... porque está aqui? Meu pai o mandou? Indaga Teresa
Teresa tem os olhos trêmulos, morde o lábio inferior...
-Temos que ir embora daqui! podes nos dar cobertura Anástacio? Diz Antero...
-Julgam que vão fugir ? o pai de Teresa vai por cachorros atrás de vocês! Por favor Teresa não arrisquem a mocidade de vocês!
-Porque dizes isso?
''Eu já vi isso acontecer e não fiz nada... para evitar!  Eu era peão na casa de Seu Pai, como sempre! Ele era jovem alegre cheio de vida, e seu melhor amigo era o Leôncio pai de Antero, eram como irmãos... as famílias amigas ... seu Pai nunca lhe disse porque tu te chamas Teresa?
-Não, não sei ...
-Era Irmã de teu pai a mais nova, Maria Teresa, ela se apaixonou pelo irmão de Leôncio, Antônio... ela era moça educada, cheia de jeitos, e o Antônio ah, ele era como olhar para Antero, mui parecidos! Se enamoraram... mas quando veio a guerra... as famílias tomaram rumos diferentes! Mas Teresa seguiu vendo Antonio... o seu avô era um homem muito bom, mas quando queria ser ruim... lembro como hoje quando ele surrou de cinta sua tia... chegava estalar...
E Amadeu sempre ciumento, vingativo...mandou que um dos peões matam-se Antonio...
-E mataram Anástacio...
-Não... mas deixaram o rapaz em cima de uma cama aleijado!
-Eu lembro que meu pai falava que um tio meu era paralítico ...  diz Antero
-E a irmã de meu pai o que foi feito dela?
-Enlouqueceu, Teresa ... ela morreu ... morreu de desgosto... ninguém sabe! Entendem agora porque ... tenho tanto medo? ... Dimira minha esposa sabe de tudo... sofremos muito...
Sua tia Teresa e o jovem Antônio, tio de Antero viveram o mesmo amor proibido !
-Porque justo hoje nos contou isso ? Pergunta Antero
- Hoje mesmo Teresa! Seu  tio Amadeu... homem distinto de teu pai... teu pai nunca foi covarde! Amadeu prometeu um campo e muitas cabeças de boi... para o homem que por fim na vida de Antero! Eu não quero que isso se repita...

Antero ampara Teresa que chora um choro desesperado... –Ah Anástacio... que sina ... que tristeza... eu nunca soube de minha tia... eu nunca pude sequer levar flores para ela...
Antero agradece Anástacio –Passe lá dentro beba algo... coma carne assada! Saiba que sou grato por tu vires me alertar...
-E quanto a menina? Pobrezinha está em prantos...
-Eu vou cuidar dela...
Teresa reza na capelinha da Estância ... Antero a envolve em seu abraço...
-Deus vai nos abençoar... fica calma...
A mãe de Antero entra depressa -Não quero essa mulher aqui Antero! Diz Clara ...

 Amores Maragatos  - Série CaleidoscópioOnde histórias criam vida. Descubra agora