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Depois de nove dias, Teresa já ajeita a casa para o batizado do filho, Anástacio e a esposa surgem na varanda e são abraçados por ela... a carne assada, doces e muitas bebidas.
Os padrinhos da criança, Adelaide, Henriqueta, Rômulo, Ana e Mariano e o casal Anástacio e Dimira.
Todos entram na Igreja, Antero sorridente, o rosto bonito, ah aquele rosto....
Teresa tem o filho nos braços, o pequeno Miguel, agora dorme um sono sem preocupação, Antero recebe um aperto de mão dos futuros cumpadres Rômulo e Mariano, Teresa escuta a voz rouca de Moacir gritar – Se pensas que terás paz, estás enganado, Antero vira-se depressa, joga-se na frente de Teresa Moacir é certeiro, a mão esquerda sequer treme, a bala prateada, um mar de sangue lava o lenço branco, respinga  parte da manta do bebezinho, antige em cheio o peito de Antero, que cai no chão, sem muita resistência, Teresa se abaixa com o filho nos braços, Antero parece não ter forças para respirar,  o sangue surge em seus lábios, Teresa grita –Pelo amor de deus me ajudem... Antero não se entregue...
Anteros , seus olhos parecem extraviar aquele facho de  luz pelo imensidão do teto da igreja, Antero escuta ficar mais longe e mais perdido o choro do filho,  Antero revira os olhos...
Aquele grito de Teresa, estridente, parece ecoar em toda a cidade...
Antero desfalece bem no meio da Igreja, Teresa olha aquela sangria, pensa no fio de vida que corria ainda naquele homem que amava mais que sua vida, o filho choraminga, um anjo, um inocente que sequer entende da vida, já é alvo do ódio das duas famílias.
Rômulo examina Antero, lhe rasga parte da camisa, ele olha para Teresa...
-Não tenho o que fazer... a cirurgia será imensa... o caminho que a bala percorreu é um caminho de artérias... Eu vou levar ele para bagé, vou pedir o carro do doutor Ignácio, é só o que tem na cidade... aguarde aqui minhas notícias... certo?  procure ficar calma.
Teresa fica em total silêncio parece imóvel, em completo choque...
Teresa aperta a mão de Antero, se ajoelha no chão, abraçando-o, lhe beija os lábios, lhe toca no rosto, ajeita gola de sua camisa –Eu não posso ficar sem você... tens que viver, por mim, por Miguel... não me deixe...
-Amanhã cedo eu vou para Bagé...por favor não o deixe sozinho...  diz ela...
- Espere alguém vir avisar... diz Rômulo
-Mas porque ? eu quero estar com ele... Rômulo me diga... ele ficará bem? Não é?
- Eu lamento, mas não sei se ele vai sobreviver ... eu lamento...  minha querida... foi um tiro no peito... para matar... para não restar dúvidas do ódio...
Teresa sente uma ira subir em suas carnes, - a culpa é de minha família... que nunca foram capazes de perdoar... de ouvir... de ter piedade...  Porque permitisse isso... porque? (diz ela olhando a virgem Maria, ali naquele altar que agora guarda um peso de dor e de vingança)
Ana tenta acalma-la –Filha venha deixe.... Deus ajudará ele volta para ti... temos que ter fé...
Teresa grita - Fé? Mas eu menos um ano eu já estive com antero quase morto em cima de uma cama duas, três vezes... eu estive quase morta... tia ...
Antero aperta bem fraquinho a mão de Teresa, como quem diz que precisa ir...
-Teresa vamos levar ele... Tião vamos... diz Rômulo
Tião, Rômulo e Mariano levantam Antero do chão...
Teresa dá um grito desperado.... as mulheres a acolhem...
Depois de algum tempo, Ana e Adelaide, ao lado de Henriqueta levam Teresa para casa.
Teresa abatida -Dimira, sua neta Delfina, precisa chamar ela, para ser ama de leite de Miguel, meu leite secou... será que ela aceita... e tu Anástacio avisa na fazenda que Antero ... bom tu sabes o que dizer... diz que chamem um de seus irmãos, não sei... precisam se preparar...
A negra dimira se ajoelha nos pés dela –Eu vi menina tinha um anjo na volta de seu Antero... e era sua tia Teresa...
Teresa desaba num pranto que dá pena...
Aquela tarde, virou de silêncio, de oração, de penar...

 Amores Maragatos  - Série CaleidoscópioOnde histórias criam vida. Descubra agora