Um almoço conflituoso

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"Pega o sal pra mim?"

Estou com fome.
      Não quero sair para caçar algo, a minha fome pode ser saciada com a deliciosa comida de Caleb. Fico feliz que já esteja na hora do almoço, o que quer dizer que o cozinheiro já deve ter feito alguns pratos saborosos. Minha boca já se enche d'água só de imaginar comer a carne mal passada entre os meus dentes.
      — Quero comer e dormir — pediu Zenny.
      Bocejo de sono.
      Não dormi a noite, e antes do amanhecer eu já estava me estressando e indo para as Montanhas Enfeitiçadas — o que aconteceu lá consumiu todas as minhas energias. Necessito de uma boa refeição, um banho refrescante e uma cama confortável. Dormir depois de tudo que aconteceu não é recomendável, mas não adianta nada ir atrás das respostas se eu desmaiar de sono.
      Entro na mansão com Helena e Amélia. As duas também parecem abaladas. As Montanhas são belíssimas, mas hoje se tornou um lugar horrível de se estar. Digo a mim mesmo que quando tudo isso acabar, ficarei perturbando Helena para visitar as Montanhas Enfeitiçadas mais uma vez.
      Sou guiado pelo delicioso cheiro de comida que vem da cozinha de Caleb.
      Entro na cozinha e fico pasmo com o que vejo.
      Caleb rir alegremente com algo. Na mesa, sentada ao lado de Maya, Alasca se encontra com um sorriso convencido direcionado para Oliver. Meu amigo está com a cara fechada, e do lado dele, Ravi fica pedindo para Oliver se acalmar.
      — Você precisa convencer Oliver — pediu Caleb, risonho. — Quanto mais, melhor.
      — Caleb! — repreendeu Oliver. — Pare de dizer absurdos.
      Caleb levantou as mãos, se rendendo.
      — É brincadeira. — O cozinheiro se defendeu.
      — Nada disso, Caleb — protestou Alasca. — Você teve a ideia, então sustente. Vamos lá, Oliver. Se aceitar um relacionamento a três, eu descarto a possibilidade de jogá-lo da escada.
      — O que está acontecendo aqui? — perguntei, adentrando mais na cozinha.
      Os risos de Caleb desapareceram. Meus amigos ficam ansiosos, querendo saber como foi nas Montanhas, mas agora não é um bom momento de discutir sobre isso.
      — Nicolas, pelo amor de Foog — suplicou Oliver. — Vamos cortar a língua. Apenas a língua.
      — Oliver! — repreendeu Maya. — Já falei que não pode cortar a língua dela.
      — Brigue com sua irmã — pediu Oliver. — Fica insinuando absurdos.
      — Corte minha língua — falou Alasca, como se não ligasse. — Tenho outros meios de dar prazer. — Ela levantou as mãos. — Amaria ser tocado por...
      — Corte a língua e as mãos! — suplicou Oliver para mim.
      — Cortarei a cabeça — garanti.
      Alasca bufou e revirou os olhos, entediada comigo.
      — Acabou a minha paz — murmurou ela.
      — Não se preocupa, ele não vai fazer nada com você. Eu tô aqui — disse Maya gentilmente. A ninfa me encarou, com os olhos apertados, querendo me afastar assim. — Vou cuidar de você, Alasca.
      A 5 sorriu para a ninfa.
      Maya ainda parece bastante doente, mas está melhor do que quando estava no castelo. Sua pele ainda possui alguns buracos roídos. O vestido com folhas mortas foi substituído por outro com folhas verdes — se parece com folha de bananeira. O cabelo de cipós ainda há lugares pretos e os chifres de galho não possui nenhuma flor nele. Maya pode ainda estar com aparecia de doente, mas percebo que se esforça para melhorar. Um prato com legumes e frutas está na sua frente. A ninfa come aos poucos, como se a cada mastigada doesse em sua mandíbula.
      — O que ela está fazendo aqui? — perguntei, perplexo. — Ela deveria estar presa e não aqui sentada na mesa.
      — Já falei que em minha casa ninguém morre de fome — falou Caleb. — Maya e Alasca estavam famintas, então as convidei para almoçarem. Oliver e Ravi estão aqui. Não há perigo.
      — Sou uma santa. Até agora não tentei fugir, estou aqui por bom grato. Caleb irá me alimentar, então não tenho motivos de arrumar um cadáv... Que dizer, uma discussão. — Alasca não errou na fala, ela mesma não quis completar a palavra "cadáver" para me provocar. — Pare de admirar a minha beleza e sente na mesa ou saia da cozinha. Parece uma estátua em pé.
      Encaro Ravi. Que belo guarda ele é. Meu amigo está prestando mais atenção no seu almoço do que em Alasca. O único que merece o meu respeito é Oliver que está a um segundo de voar no pescoço da soldado infernal. Alasca pisca para ele, o provocando. Está nítido que ela não deseja Caleb e nem Oliver, mas faz isso para desestabilizar o meu amigo.
      Helena se senta do lado de Maya, já Amélia do lado da irmã. Quando Mad sai voando do meu cabelo, eu a repreendo.
      — Se não pode com eles, junte-se a eles — disse a fada antes de ir conversar com Maya e comer as frutas junto com a ninfa.
      Cruzo os braços igual uma criança emburrada.
      — Esse povo não possui consciência — reclamei para Zenny.
      —  Deixa ela aproveitar a comida, porque depois irá colocar para fora — disse o dragão maleficamente. — Que tal fazê-la ser pisoteada pelos cavalos? Ou girar entorno de si mesma até vomitar? Melhor, vamos fazer ela beijar nossos pés e depois limpar o chão com a língua.
      Sorri com as brilhantes ideias de Zenny. O dragão sim é um gênio. É com um sorriso no rosto que me sento do lado do meu inferno particular. Alasca levantou uma sobrancelha, como se quisesse saber o que penso. Amaria que ela lesse mentes para saber o que estou planejando. Já que não pode ser nada mortal, então será algo humilhante.
      — Coma, está mais pálido do que um fantasma — disse Caleb, colocando um prato de comida em minha frente.
      Só não sai da cadeira e abracei Caleb por uma vez ter feito isso e quase ser morto por Oliver. Até eu explicar que foi impulso de felicidade e não estava agarrando o marido dele, recebi xingamentos que eu nem sabia que meu amigo usava.
      Pego o garfo e a faca, misturo o feijão com o arroz junto com a farofa de bacon. Os dois grandes bifes suculentos estão mal passados, que até consigo ver o sangue escorrendo e a carne vermelha. Encho o garfo de tudo um pouco e levo até a boca. Delicioso como sempre. Mastigo rápido e enfio goela abaixo para poder comer outra garfada.
      — Espero que se engasgue e morra sem ar — murmurou Alasca.
      — Será que tem um segundo que não pensa em minha morte? — perguntei.
      Alasca parece confusa.
      — Como você escutou? — perguntou ela.
      — Tenho ouvidos, não sei se percebeu — falei, ignorante.
      Alasca olhou para Ravi e Oliver como se quisesse uma explicação mais coerente. Não sei que merda ela espera que eles falem.
      — A audição dele é melhor do que a dos demais místicos — disse Oliver. — Então até murmurar perto dele é complicado.
      Minha audição foi um problema de início. Não tinha um dia que não ficava com dor de cabeça — ela ampliou de uma forma inexplicável. Eu não conseguia focar em apenas um som. Enquanto meus amigos falavam comigo, escutava outro som ao mesmo tempo. Quando fui para a Cidade Flamejante pela primeira vez, só faltei surtar. Todos falavam ao mesmo tempo e estava muito alto.
      Depois da minha audição, foi o meu olfato que não focava em apenas um cheiro. Quando comecei a diferenciar os cheiros, tudo ficou mais fácil. Se eu não tiver fazendo nada de importante, consigo sentir o cheiro de quem entrou nas proteções desse terreno. Meus amigos ficaram surpresos com isso. O olfato deles é normal, o meu que é ampliado demais.
      Mad possui cheiro de amoras, o que não me deixar surpreso já que a minha fada ama se enterrar na fruta e se sujar toda. Maya tem cheiro de terra molhada, é bem agradável de senti. Alasca, sem o cheiro de cavalos, possui cheiro de...
      Agora estou confuso.
      — Cheire de novo — pediu Zenny.
      Inclino-me para o lado e inspiro o ar perto de seus cabelos brancos. Franzo as sobrancelhas. Chego mais perto e inspiro novamente mais profundamente. Isso é estranho.
      — Que merda você está fazendo? — perguntou ela, irritada. — Vou socar a sua cara se não parar.
      Só então percebo que estou praticamente em cima dela, a cheirando. A 5 se inclinou para o lado de Maya, querendo distância de mim. Ravi e Oliver possuem confusão pura. Até Amélia e Helena pararam de comer para me verem passar essa vergonha.
      Volto para o meu assento com toda a velocidade. Me sinto um idiota por ter feito isso.
      — Você não tem cheiro de nada — expliquei. — Meu olfato é bom, mas não sinto o seu cheiro.
      Ravi e Oliver inspiraram o ar, como se agora a fixa deles também tivessem caído que Alasca não possui cheiro. Estamos frequentemente sentido cheiros variados, então não prestamos atenção em um específico.
      — É uma barreira — explicou Alasca, revirando os olhos. — Nosso cheiro nos denunciam, e sem ele nos tornamos quase invisíveis. Aprendi a montar essa barreira quando tinha 14 anos.
      — Eu também não lembro de sentir o seu cheiro quando nos conhecemos. Nunca parei para pensar sobre isso — comentou Ravi. — Como faz isso?
      — Leva anos para aprender. Aprendi com 14 anos, mas tentei desde que tinha 10 anos. Com místicos adultos é mais difícil, por isso é mais recomendável aprender quando criança.
      — Podemos aprender — falou Ravi.
      — Não sou boa ensinando. Lucas sabe explicar melhor. Eu apenas sei fazer e colocar em prática. Não nasci para ensinar ninguém.
      Lucas estava certo hoje mais cedo quando disse que Alasca não possui práticas de ensinar. Por isso arrebentava Miguel e não o ensinava a treinar — ela não sabe ensinar da forma certa. Meu amigo teve que aprender na marra, senão apanhava. Alasca nunca modelou Miguel, meu amigo que se modelou sozinho. O alfa nunca foi ensinado pela 5, foi forte por si só. Miguel não deve nada a Alasca. As conquistas do meu amigo é apenas mérito dele. 
      — Não possui motivos de esconder o seu cheiro — falei.
      — Não ligarei o meu cheiro agora. Se quiser senti-lo, então espere alguns dias — disse ela.
      — Por quê? — perguntei.
      — Porque não faz nem uma semana que vocês foram na casa de festa de Pablo para aliviarem a pressão do desejo de vocês. E como tudo deu ruim, não conseguiram o que queriam. Nessa casa existe um alfa, um beta e um que sente cheiros mais apurados do que todos.
      — Não precisa explicar, já entendi — disse Oliver.
      — Eu não — admiti. — Ninguém vai se mudar daqui a alguns dias, então qual é a diferença de ligar agora ou depois?
      — Místico novo — reclamou Alasca. — O coloquem em uma escola de crianças para aprender sobre a espécie dele.
      Continuo com cara de paisagem.
      — Nicolas, falei para você sobre cheiros atrativos — disse Oliver.
      — Alasca nem cheiro tem — falei ainda sem entender nada.
      — Estou no cio, Esquentadinho! — disse Alasca, exaltada. — A barreira impede que o cheiro do meu cio se espalhe. Como aqui não tem machos que interesse Selene e nem a mim. E quem eu quero é um cozinheiro que não sente cheiro e um místico ranzinza que não aceita a três, então não tenho motivos de ligar. Concentro o meu desejo em raiva, assim suporto vocês. Espere alguns dias para sentir o meu doce aroma.
      A missão de me explicar sobre o cio das fêmeas ficou com Oliver. O meu amigo falou que elas distribuem cheiros atrativos para machos em certos dias do mês, dias antes do sangramento e dias depois do sangramento, quando o útero está modelado para receber a fecundação e os hormônios estão na flor da pele. Isso acontece porque elas querem engravidar ou algo do tipo, mas não necessariamente precisam entrarem no cio para querer ter filho. Muitas fêmeas apenas possuem desejos extravagantes.
      Hoje em dia existe vários tônicos que impede a fêmea de engravidar. O macho não possui cio, mas o cheiro da fêmea é tão forte que ele acaba se interessando por ela. Algumas são mais atrativas para o seu dragão do que outros, tudo depende da mística e do nível de desejo do macho por ela; por isso, na festa de Pablo, alguns cheiros me chamavam mais do que outros, e meu desejo ia tão rápido quanto tinha. Zenny precisa escolher a fêmea que mais o agrade. Admito que fiquei constrangido quando Oliver precisou me explicar sobre os desejos dos dragões.
      Eu nunca precisei que me explicassem sobre desejo e essas coisas. Já estive com outras pessoas para saber como é ter desejo, mas parece que as coisas mudam um pouco para místicos. Além de alguém me agradar, precisa agradar Zenny. Assim, quando nós dois estivermos satisfeitos com alguém, podemos chegar no nosso clímax. Se apenas eu estiver com desejo, meu corpo não responde bem, devido à falta de interesse de Zenny. E se ele sentir prazer em alguém e eu não, também não chegaremos ao clímax. Oliver falou que na carne mística é mais prazeroso as ações, mas na carne dragônica existe o acasalamento — assim é mais rápido e sem afeto. Ao menos, eu não achei afetuoso morder o pescoço da fêmea por trás enquanto o macho a penetra. Zenny achou interessante e bem prazeroso ter uma presa de acasalamento embaixo dele à sua mercê.
      No ato de acasalamento o macho e a fêmea podem marcar o parceiro, colocando seu cheiro sobre o outro, sinalizando que já possui um pretendente. Não gosto de usar a palavra "dono", mas é uma forma de dizer que o místico ou a mística possui dono ou dona. Aí também entra a parte de beber sangue. Oliver disse que o sangue é outra forma de saber se alguém sente prazer além do cheiro. O sangue aumenta mais o desejo.
      Se Alasca deixasse seu cheiro solto, muito provável que atiçaria interesse em algum macho. Ou seja, apenas em Miguel. Com cheiro ou sem cheiro, eu não me envolvo com esse tipo de gente.  
      — Não nos afetaria — disse Zenny.
      Oliver ama o seu marido, então não se interessa em nenhum cheiro que qualquer garota chegue perto. Meu amigo sabe que a fêmea está no cio, mas não sente atração. Assim é outra prova de fidelidade entre os casais. Quando um começa a se interessar por outra, então que dizer que apenas a sua parceira não o agrada, ou até ela mesma quando não sente mais desejo no seu parceiro, não fica tão meiga. Parece que quando a fêmea sente desejo em alguém, fica mais sensível e dengosa.
      Ravi já ficou com tantas místicas que nem se lembra delas. Quando estava com ele na Cidade Flamejante, três místicas vieram tirar satisfação com ele, sendo que meu amigo apenas escutava as garotas falarem querendo a todo momento se lembrar nem que fosse onde ficaram. Mesmo assim, Ravi não parece um dragão que queira uma soldado infernal, embora eu saiba que seria uma transa nova para ele, e Ravi adora coisas novas prazerosas.
      Apenas Miguel, entre todos, parece ser interessar e colocar sentimentos por quem não presta. Não sei o que o meu amigo viu na 5. Alasca não possui nada de interessante. Miguel realmente gostava de apanhar, isso sim.
      Encaro a soldado infernal.
      A odeio com todo o meu ser, mas a 5 está longe de ser feia de aparência, em compensação, de caráter é horrível. Mesmo a odiando, gostei de seus olhos mesmo antes de conhecê-la quem ela realmente é — parecem duas luas se congelando sem parar. Se a soldado não fosse quem ela é, talvez, muito talvez, eu até simpatizasse com a cara dela. Alasca é perfeita para prensar sobre a parede e ergue-la para colocar as pernas entrelaçadas sobre a minha cintura, depois apertar o seu pescoço com minhas mãos enquanto distribuo mordidas sedutoras, a fazendo arfar. Meu apelido idiota em um gemido seu sairia mais aceitável. Vê-la implorar por mim parece mais desejoso. E beber o seu sangue enquanto a penetro fortemente, ouvindo-a dizer coisas sujas de sua boca deliciosa e seduto...
      — Você parece que vai me atacar — disse Alasca, interrompendo meus pensamentos. — No que está pensando?
      Pisco duas vezes seguidas.
      — Em como te matar — falei, um pouco nervoso.
      Desvio o olhar do dela e massageio minha cabeça para que meus pensamentos mudem. Minha imaginação nunca está ao meu favor. Zenny precisa acasalar e fica confundindo seus malditos pensamentos em mim.
      — Eu não fiz nada. Apenas pensei em um pensamento rápido e você o transformou em um grande pensando — se defendeu.
      Eu odeio os pensamentos rápidos de Zenny. Como eu e o dragão estamos mesclados formando um só, então os míseros pensamentos contrários se fundem com os meus, se transformando em um só. Absurdos inimagináveis saem de mim. Tipo quando uma farpa de madeira entrou no dedo de Marta. Eu estava a ajudando a tirar, do nada já fiquei imaginando que teria que chamar Amélia para amputar a mão da minha irmã, porque o pensamento rápido de Zenny, que me fez pensar mais profundamente, foi que a farpa poderia ter algum tipo de veneno perigoso, que poderia infecionar e custar a vida dela, podendo a salvar apenas se amputasse.
      Volto a comer com raiva. Fico até confuso por sentir raiva. Alasca. A culpa é dela, toda dela. Eu poderia estar esbanjando felicidade, mas não, tenho que ser obrigado a frequentar o mesmo ambiente que ela, a mesma mesa de almoço como se ela não fosse um monstro.
      Balanço o pé debaixo da mesa e olho para o lado, irritado. A desgraçada da soldado fica comendo tranquilamente e conversando com Maya, pedindo que ela coma mais. Mad, a minha fada, a minha amiga, fica jogando conversa fora com a 5. Sinto mais raiva disso, porque Mad não é amiga dela, é a minha amiga e de mais ninguém. Caleb é outro que não colabora, fica rindo das provocações que a soldado faz a Oliver como se fossem amigos, como se ela não tivesse o enganado. Fico pasmo com Ravi que deixa o riso sair solto a cada provocação da 5, voltando ao normal quando Oliver o ameaça de morte.
      Errado. Tudo isso está errado.
      Não cairei na conversa dela. Não cometerei os mesmos erros do que eles. Meus amigos idiotas precisam que um não se iluda com o teatro fingido de Alasca. No final, não precisarei dizer um “Eu avisei”, até porque não deixarei que a soldado faça algo para eu ter que usar essa frase.
      A comida em minha boca começou a ficar sem gosto. A carne parece sem tempero. Seria muito melhor se tivesse mais sangue sobre ela, ou até mesmo que estive totalmente crua. Não quero caçar, mas quero sangue e carne. Preciso temperar essa carne, isso sim.
      Pego um pouco de pimenta em um pequeno frasco e o nevo por cima da carne. Experimento a comida. Não sou cozinheiro, mas a carne um pouco apimentada está maravilhosa. Pego outro frasco com azeite e coloco em cima. Experimento a comida mais uma vez. O arroz e o feijão com linguiça, e a minha mais nova carne temperada está esplêndida. Direi a Caleb que além da carne mal passada, também gosto dela um pouco mais crua e apimentada só para dá um contraste bom na boca. Agora só falta um pouquinho de...
      — Pega o sal pra mim — peço a Alasca.
      A soldado é a que está mais perto do saleiro. A 5 olha para o sal, depois para mim.
      — Você alcança. Então pegue você! — disse ela, voltando a comer.
      — O que te custa pegar a droga do sal? — perguntei, irritado.
      — Eu pego — voluntariou-se Ravi, já se estirando e pegando o sal, colocando na minha frente.
      Olhei para o sal já na minha frente, depois olhei Alasca. Peguei o sal e me inclinei para frente, o colocando no mesmo lugar que Ravi o pegou.
      — Eu pedi para Alasca pegar — falei secamente. — Pegue o sal. Ou eu preciso ordená-la?
      Alasca revirou os olhos.
      — Você vai me ordenar a pegar um sal? — perguntou ela, incrédula.
      Ajeitei a minha postura e ordenei:
      — Alasca, a ordeno que pegue o sal para mim.
      Ela revirou os olhos mais uma vez. A 5 se inclinou para pegar o sal.
      — Anos no Inferno criando uma reputação temida para ser ordenada a pegar um sal. Não mereço passar por essa humilhação — resmungava ela enquanto pegava o sal.
      Alasca colocou o sal na minha frente e abriu um sorriso forçado.
      — O sal — disse ela, fingindo ser simpática. — Deseja mais alguma coisa? Já sei! Que tal me ordenar para te dá comida na boca como uma criança? Porque está agindo como uma.
      Aperto o frasco de sal na mão, quase o quebrando. Encarei Alasca e fingi empolgação, como uma criança.
      — Aceito ser alimentado por você, já que eu sou uma criança e você a única adulta aqui — falei, colocando meu prato perto dela e minha cadeira. — Vamos, Alasca, me alimente. Eu preciso ordená-la?
      Alasca encarou meus amigos como se quisesse que eles resolvessem isso. Oliver ia falar algo, mas eu o encarei, então meu amigo mudou o olhar para qualquer lugar menos para mim. Encarei Ravi, esperando que fizesse algo, mas ele encheu a boca com a comida para não dizer nada. Levei minha atenção para Helena e Amélia que desviaram o olhar de mim e voltaram a conversar. Maya e Mad nada disseram, mas estavam comendo seus legumes e frutas nos encarando atentas, como se estivessem gostando do entretenimento que eu e Alasca proporcionamos.
      Maya não se intromete, até porque a ordem não machuca Alasca, além do orgulho dela — a ninfa sabe que Alasca fez coisas ruins, e sabe que precisa ser contrariada. Maya pode ser boa, mas não é burra. Caleb voltou para perto das panelas, mexendo-as, sendo que o fogo todo já estava apagado.
      Ninguém irá me contrariar e nem ajudar Alasca. Todos sabem que faço isso como um mísero castigo pelo o que ela realmente merece, mas como Maya está aqui, não pode ser nada muito mortal.
      Ajeitei minha postura e encarei Alasca, esperando que ela comece a me dá comida. Não sou uma criança que precisa de outros para me alimentar. Eu sou apenas um místico que quer fazer de tudo para que a soldado infernal pare de ser convencida e se tocar que não estou caindo na conversa dela.
      A 5 aperta os punhos sobre a mesa, se segurando para não me acertar um soco. Se ela ousar em me machucar, aí não responderei pelos meus atos. Direi a Maya que foi autodefesa, e pouco me importo se a ninfa irá chorar — peço para chorar mais um pouco para o funeral da irmã. Dou as cinzas de Alasca como presente a Maya.
      Alasca coloca a cadeira mais para perto de mim, ficando ombro a ombro comigo. Pega o meu prato e começa a misturar as coisas. Ela corta a carne, depois coloca feijão e arroz no garfo. Alasca olha para mim, dá outro sorriso forçado e traz até a minha boca a comida no garfo. Ofereço-lhe um sorriso forçado também e abro a boca, comendo a comida que ela trouxe até mim. Mastigo a comida com um sorriso entre os lábios.
      Ouvi histórias sobre os 5 soldados infernais a minha vida toda, e agora um senta do meu lado enquanto alimenta-me. O poder que tenho em mãos, apenas o rei e o príncipe do Inferno tiveram, e agora esse poder é meu.
      — Cadê Miguel? — perguntei aos meus amigos.
      — Com o seu irmão no castelo — respondeu Oliver. — Miguel me dispensou hoje, disse que precisava resolver algumas coisas. Pediu para levar Thomas até ele depois de duas horas que eu chegasse em casa.
      Quando terminei de engolir a comida que Alasca trouxe, eu disse:
      —  Meu irmão não ficará lá.
      — Miguel irá trazê-lo de volta, não se preocupe — garantiu Oliver.
      — O que aconteceu nas Montanhas Enfeitiçadas? — perguntou Ravi, curioso. — Conseguiu alguma coisa?
      — A Oráculo fez três perguntas certas, agora precisamos encontrar as respostas — falei.
      — A Oráculo fez perguntas? — Oliver agora está confuso.
      Quando eu ia respondê-lo, Alasca enfia mais uma garfada com comida na minha boca, de uma forma não muito delicada.
      — Explique, Helena — pediu Alasca. — Não suporto mais ouvir a voz dele.
      Quando abri a boca para falar algo com ela cheia mesmo, a soldado enfiou mais comida, me impedindo de dizer.
      — Nicolas pediu que a Oráculo fizesse as perguntas, então o trabalho de encontrar as respostas fica com a gente — explicou Helena. — Depois formos até as Matriarcas e teve um debate sobre isso. — Helena olhou para Alasca. — Lucas estava lá oferecendo ajuda. O 5 pode ajudar?
      — Os assuntos de Lucas e de meus outros irmãos não me interessa. Mas sim, Lucas pode ajudar. Meu irmão é o que mais sabe sobre magias infernais, e se for algo do Inferno, Lucas descobrirá com um tempo — responde Alasca.
      — Não sabia que queriam o perdão — falei.
      — Meus irmãos estão livres, mas são caçados dia e noite. Se para ajudar uma árvore garantirá o perdão de frequentarem os reinos sem se preocupar que serão reconhecidos, então vale a pena passar por uma humilhação de pedir perdão a um bando de Matriarcas que se acham. 
      — Respeite as Matriarcas, Alasca — repreendeu Helena em um tom de voz nada amigável.
      — Pouco me importa para elas. E se quiser discutir, então vamos. Quem pede o perdão são meus irmãos, não eu — disse Alasca, sustentando o olhar de Helena.
      A feiticeira está preste a transformar a 5 em inseto.
      — Não deseja o perdão, Alasca? — perguntou Oliver. — O perdão é algo valioso, e seus irmãos lutam para isso.
      — Nem que eu nasça de novo serei perdoada por tudo que eu fiz, então perderei o meu tempo — bufou ela. — Aliás, se for para pedir perdão, então que seja quando eu for livre. Não adianta pedi agora e depois matar o Esquentadinho aqui e ser caçada pelo assassinato. Quando eu o matar, aí eu englobo junto com a morte dele como um pacote só.
      — Alasca! — repreendeu Maya. — Você prometeu não dizer isso. Ele vai te achar uma mística ruim.
      — Que ache, não estou aqui para agradá-lo — reclamou Alasca. — Aiiii! — gritou de dor. Alasca agora massageia o braço. — Maya, você me beliscou?
      — Belisquei! — afirmou Maya, com a cabeça erguida. — E belisco de novo se estiver sendo indelicada. Você é a minha irmã, mas eles são os meus amigos. Protegerei a todos.
      — Maya...
      Alasca colocou mais comida na minha boca, me impedindo de falar.
      — Já disse que estou farta do som da sua voz — reclamou a 5. — Aiii! — gritou de novo de dor. — Maya, pare com isso!
      — Você foi indelicada nas palavras. Deixe Nicolas falar — pediu Maya. — Todos aqui podem falar. É ruim quando quer dizer algo e ninguém te ouve.
      Maya passou anos querendo falar, mas ninguém a escutava. A ninfa já sofreu na pele a necessidade de querer falar e não ser ouvida. Tudo seria mais fácil se tivéssemos ouvido a ninfa, pois Maya sempre soube de tudo antes mesmo dos meus amigos. Ela sabia sobre o colar, sobre Ethan, sobre Dulce ter aprisionado Zenny, sobre tudo. Escutar possui tantas vantagens do que falar.
      — Quais são as perguntas? — perguntou Oliver.
      Eu disse a ele as três perguntas da Oráculo. Ravi e Oliver tentam encaixar apenas uma resposta para isso. As perguntas não parecem ter ligação agora, mas de algum modo levam as respostas que no final será apenas uma palavra.
      — A Floresta Encantada é perigosa — orientou Maya.
      — Já ouvi histórias não tão legais de lá.  — Fiz uma careta ao lembrar das expressões aterrorizadas dos mercadores, no Lixão, que contavam histórias assustadoras de como é ruim viajar naquela floresta.
      — Eu já morei lá — confessou Maya. — É aterrorizante a noite. E de dia, é assustador. Todo lugar tinha coisas perigosas. Já vi tanta coisa que me dão pesadelos até hoje.
      Maya tinha uma expressão de aterrorizada quanto falava.
      — Sabe como chegar no meio da floresta? — perguntou Helena.
      — Você não pode nos teletransportar pra lá? — perguntei-lhe.
      Helena negou.
      — A floresta é literalmente encantada. Minha magia se confunde no meio de tantas outras — explicou ela.
      — Então é só ir voando até o meio dela por cima — falei o óbvio.
      — Qual a parte da floresta ser encantada que você não entendeu? — perguntou Alasca.
      — Qual a parte de me alimentar que você não entendeu? — devolvi outra pergunta.
      Alasca pensa que não reparei que pousou os talheres para escutar a conversa. Não a ordenei, então usa isso ao favor dela para tentar me enrolar e se safar. A 5 revira os olhos e me traz mais uma garfada de comida.
      — A floresta confunde você, até mesmo do alto. Pensamos que estamos no meio dela, mas quando pousamos, estamos nem na metade. As árvores mudam frequentemente, o caminho some. Ninguém possui um mapa da Floresta Encantada — explicou Helena. — O melhor jeito é entrar no início dela, e sair voando. Mas se forem se transformar lá dentro e sair voando, não encontrarão mais o mesmo lugar que estavam.
      — Temos que ir para a Floresta Encantada até o meio dela a pé, e apenas sair de lá quando chegarmos no centro e ver o que nasceu. Se transformar apenas uma vez, então — concluiu Oliver.
      — Maya, você disse que morou lá. Sabe como chegar no meio dela? — perguntou Helena.
      Maya assentiu.
      — Eu sei, mas é perigoso. Posso ajudá-los a chegar no centro dela, só que precisam me escutarem e fazer tudo certinho, senão coisas ruins acontecem — disse Maya, a voz assombrosa. 
      Por isso Maya não podia morrer. A ninfa é o nosso guia pela Floresta Encantada, até a nossa resposta.
      — Maya não vai para aquele lugar — protestou Alasca. — Maya está doente.
      — Entendo a sua preocupação com Maya, mas sem ela será impossível de chegar no centro da Floresta Encantada — disse Oliver. — Alasca, precisamos de Maya.
      — Não vão levá-la para aquele lugar — insistiu a 5.
      — Prefere que Maya morra do nada? — perguntei. — Precisamos saber o que nasceu no meio da floresta, e o nosso guia é a ninfa. Se a Árvore morrer por completo, aí sim Maya ficará mais do que doente.
      Antes que alguém mais protestasse, risadas são ouvidas.
      Miguel e Thomas entram na cozinha como duas hienas rindo sem parar.
      Ver o meu irmão se divertindo me faz sentir bem. Thomas está com o rosto um pouco vermelho, só não sei dizer se pelas gargalhadas, o sol lá fora ou qualquer outra coisa.
      Miguel e Thomas estão manchados com tinta verde pelo corpo, como se estivessem pintando algo antes de vir aqui.
      — Caleb, o cheiro está maravilh... — Thomas para de falar assim que ver todos na mesa.
      O sorriso do meu irmão se desmanchou em seu rosto, dando lugar para uma cara amargurada quanto olhava para a cena na sua frente. Xingo-me mentalmente por ele ver esse absurdo: Alasca está próxima de mim, erguendo o garfo com comida para a minha boca. Eu parei próximo ao garfo, paralisado.
      Está nítido para o meu irmão que a assassina da namorada dele me dá comida na boca. Não só para ele, como para Miguel também. Meu amigo franze o cenho.
      — Só nos ferramos — lamentou-se Zenny.
      Sentei-me ereto na cadeira, com o coração a mil. Meu irmão esperava uma explicação. Como explico isso a ele? Devo dizer: Oi, Thomas, é que ela não quis me passar o sal, então invés de tacar fogo por ter matado Sophia e não ter me passado o sal, a obriguei a me dá comida.
      — Oi, Thomas — comecei a dizer, sem graça. Pensa... pensa... — É que ela não quis me passar o sal...
      Paro de falar. Sinto-me um completo idiota.
      — Seu irmão é uma criança. Tinha que ver como ele me pediu carinhosamente para alimentá-lo — disse Alasca para Thomas. — O Esquentadinho aqui não parece mais se importar com o que eu fiz. Thomas, sabia que o seu irmão me perdoou?
      — O quê? — perguntou Thomas, incrédulo.
      — Thomas, nem em mil anos a perdoaria — falei, exaltado. — Não acredita nela. Sabe que tudo que sai da boca dela é mentira.
      — É mentira que me pediu para alimentá-lo? — perguntou Alasca. — Seus amigos aqui estão de prova. Eu também não tenho nenhuma ordem para isso, faço porque você pediu. Thomas, seu irmão não sabe usar as mãos.
      — Cala a boca, Alasca! — gritei, irritado.
      — Cale-se você, Nicolas — pediu Thomas. — Alasca parece dizer a verdade, e ninguém discordou. Falarei com nossa mãe sobre isso, para ensiná-lo a usar as mãos, já que precisa ser alimentado na boca.
      — Thomas, não posso matá-la, então isso é um jeito de... Aiii! — reclamei de dor.
      — Minha irmã vai te achar um místico ruim — disse Maya, em pé do meu lado.
      A ninfa me beliscou. Maya cruza os braços e ergue a cabeça para mim.
      — Meu apetite se foi — disse Thomas, se virando e saindo da cozinha.
      Apoio os cotovelos na mesa e coloco as mãos no rosto.
      Quero gritar para aliviar a pressão da raiva.
      Meu irmão está certo em me odiar, está certo em não me querer por perto. Sem dizer uma mísera palavra, fiz Thomas parar de sorrir. Meu irmão e eu nos separamos nos últimos tempos. Antes, ele estava se recuperando e aceitando a morte de Sophia e da nossa avó, então depois se preocupou com Maya. Eu estava tão confuso e perdido que não podia fazer nada além de me isolar.
      No Lixão, eu e Thomas tínhamos nossas intrigas de irmãos, mas sempre estávamos perto um do outro. Mesmo eu não percebendo na época, era os melhores momentos com ele. Meu irmão sempre que escutava alguma novidade que me interessava, largava seu trabalho e corria para me contar no lixão. Não reparei antes, mas agora eu sei porque ele fazia isso: era uma forma de não me deixar sozinho, já que todos me ignoravam.
      Sinto falta da nossa infância. Tenho mais histórias com Thomas do que com Marta ou Kaio. Minha irmã sempre gostou de fazer amizades variadas, mas não impedia de ela fazer palhaçadas comigo e com Thomas. Kaio ainda era  muito novo, mas sempre mostrávamos a ele algumas brincadeiras que eu e meus irmãos brincávamos com a idade dele; infelizmente, quase sempre não tínhamos tempo por causa do trabalho.
      De cabeça baixa e apoiando meu rosto nas minhas mãos, enquanto meus dedos estão entre os meus fios de cabelo, começo a me lembrar de boas lembranças com Thomas. E cada lembrança, apertava mais meus fios com os dedos — não por estar nervoso, e sim para machucar. Eu preciso sentir dor fisicamente para a dor interna amenizar.
      Lembro-me que decidimos fugir de casa porque nossa mãe brigou conosco por causa de algo. Eu e Thomas levamos nossos cobertores para o galinheiro no quintal e arrumamos o lugar para ficarmos. De noite, quando estava tudo escuro e com barulho das galinhas, voltamos para casa. Também me lembro quando entramos na floresta com nossa avó para catar castanhas. Eu e ele subimos em uma árvore, e eu comecei a fazer medo em Thomas, dizendo que tinha um demônio lá embaixo, e se descêssemos seriamos comidos. Fiquei falando isso por um tempo, até eu mesmo acreditar em minha própria mentira. Eu e Thomas gritamos pela a nossa avó, e só descemos de lá quando ela apareceu, caso contrário, estaríamos até agora em cima da árvore assustados.
      Não sei se sorrio ou choro com as lembranças. Sorrir pelos momentos bons que tínhamos juntos sem nos preocupar com nada, presos em nossa bolha de diversão que minha mãe e minha avó nos proporcionavam. Ou chorar por saber que nunca mais as coisas serão as mesmas, que meu irmão agora não me quer mais por perto.
      Aperto meus fios de cabelo. Respiro pesadamente. Meu corpo esquenta. Meus olhos pegam fogo. Sinto que posso explodir em chamas.
      — Nicolas — chama Oliver.
      Levanto o olhar para ele.
      Meu amigo arregala os olhos para mim. Percebo que rachaduras vermelhas estão em todo o meu corpo enquanto fogo sai por elas, dançando em minha pele. Respiro fundo e tento contê-las. Aos poucos, as rachaduras vão se fechando, como se cicatrizassem.
      Não irei explodi aqui na mesa com meus amigos perto. Me recuso a destruir outro cômodo dessa casa, me recuso ser mais um motivo de destruição desse lugar.
      Limpo a garganta e falo:
      — Amanhã irei para a Floresta Encantada. — Minha garganta está seca. As rachaduras podem ter sumido, mas o fogo está passeando sem parar dentro de mim. Acho que conter isso não é uma boa escolha. 
      — Preciso de ajuda — peço. — Quem irá comigo encontrar as respostas da Oráculo?
      Meus amigos sabem não quero falar sobre como estou me sentindo com tudo isso, então mudam suas expressões de preocupados e tentam focar no que eu falei.
      — O que tem a Floresta Encantada? — perguntou Miguel, curioso.
      O alfa senta do lado de Ravi, esperando uma explicação. Agradeço a Helena por começar a explicar sobre tudo que aconteceu nas Montanhas. Quando a feiticeira finalizou, Miguel ficou pensativo.
      — Pouco me importa com os alfas babacas no castelo. Vou com Nicolas — disse Ravi, confiante. — Até aonde eu sei, ninguém chegou no meio dela, e se ninguém chegou, então a própria floresta não quer que alguém chegue.
      — Ravi tem razão — concordou Oliver. — Também irei com Nicolas.
      — Vou também — disse Miguel, determinado.
      — Você tem reuniões com os alfas — falei. Quero Miguel junto a mim, mas não quero que ele deixe de resolver seus problemas por minha causa.
      — Não adianta marcar reuniões se todos morrerem no final — disse Miguel. — Na verdade, não tenho mais reuniões para ir. Encerrei todos. O parlamento me deixou tirar algumas férias. Tenho um mês de folga, depois o inferno reina para mim.
      Conheço Miguel o suficiente para saber que esconde algo, até porque ele não falou nada sobre tirar férias antes; ao menos, não para mim. Pela cara de Ravi e Oliver, eles também não foram informados sobre isso.
      Sei que nenhum de nós é obrigado a contar as coisas, mas Miguel sempre que fala sobre a realeza e assuntos sobre o seu irmão perdido, ele é o primeiro a nos contar. Miguel queria Oliver com ele, e depois o dispensou. Eu sei que Miguel pediu para Oliver levar meu irmão para o castelo depois de duas horas que chegou, mas o que ele fez nesse período de tempo? Não sei nada sobre realeza, e fico até confuso se príncipes tiram férias, principalmente o herdeiro do trono.
      — Eu também vou — falou Alasca.
      — Não quero você perto de mim — falei, ríspido. — Vai estragar tudo.
      — Maya vai para aquele lugar, então eu vou junto — disse a soldado. — Vocês podem morrer que não me import... Aiii! — reclamou de dor. — Maya, pare de beliscar. Isso dói.
      — Seja gentil nas palavras — pediu Maya.
      — Vocês podem se machucar de uma forma não muito legal que eu, por não ter afinidade, não irei chorar por vocês. — Alasca reformulou a frase. — Maya é outra história. Não deixarei a minha ninfa radical lá sem proteção.
      Maya sorriu, como se amasse ser chamada de ninfa radical pela a irmã.
      — Quatro guerreiros treinados não é o suficiente para proteger Maya? — perguntou Amélia.
      — Os idiot... Os guerreiros não saberão cuidar de Maya — disse Alasca. — Alias, querem recusar a minha ajuda? A Floresta Encantada é cheia de demônios, e eu sou uma soldado infernal superior a eles. Sei me comunicar, sei como matá-los, sei de tudo. Sou tão boa quanto qualquer um dos quatros. Na verdade, sou melhor.
      — Continua a mesma convencida — murmurou Miguel para si mesmo.
      Ninguém pareceu escutá-lo além de mim.
      — Não confio em você — falei para Alasca. — Vai arrumar uma forma de estragar tudo como sempre faz.
      — Se minha irmã não for, eu também não vou — falou Maya, emburrada.
      — Maya, precisamos de você — falei.
      — Vocês precisam de mim, e eu preciso dela — disse Maya, abraçando o braço de Alasca. — Não ficarei mais longe da minha irmã.
      Alasca me direcionou um sorriso convencido. Bufei indignado já sabendo que não posso fazer nada. Não acredito que uma ninfa de meio metro consegue ter mais moral do que todos nessa cozinha, só porque precisamos dela.
      Mad andou pela mesa e parou em minha frente. Minha amiguinha olhou para mim e sorriu. Amo seus dentes separados.
      — Vou com você até ao infinito — disse ela, determinada.
      Sorri para a minha fada. Mad é a fada mais corajosa de todas, e nem preciso conhecer cada fada para ter total certeza disso. Minha amiga é incrível, perfeita em tudo. Eu sei que ir para a Floresta Encantada é perigoso, mas não quero ir para lá sem a minha amiga de coração. Até o silêncio com ela é a minha melhor companhia.
      — Eu posso ir e fazer o almoço para vocês — disse Caleb.
      — Se você for, quem irá fazer uma nova receita para nos induzir a voltar? — perguntou Oliver, com carinho.
      — Prepararei algo tão surpreendente que sentirão o cheiro de lá —garantiu Caleb.
      — Sou curandeira, então talvez eu possa ajudar — disse Amélia.
      Amélia é extremamente necessária. A curandeira que nos mantém vivos quando chegamos nela quase mortos, mas isso se conseguimos chegar até ela. Amélia é uma mulher forte, mas não gosta de se envolver em aventuras perigosas. Posso apostar que ela já viu tanto sangue quanto eu e meus amigos. A curandeira já me contou sobre alguns pacientes que teve que curar, e fiquei boquiaberto com tanta crueldade que presenciou. Amélia já teve que amputar membros, costurar pessoas inteiras, colocar tripas de alguém para dentro do corpo e muito mais. A filha de Dulce passa um ar agradável e simpático, mas dentro de uma Ala-médica, Amélia é tão boa no que faz que não importa o quanto se aparece doente fisicamente, ela sempre arrumará um jeito de ajudar.
      Sorri para Amélia. Admiro isso nela, a sua força. A curandeira sempre está disposta em ajudar, em resolver as coisas no diálogo. Eu e meus amigos só não morremos por causa dela, porque sempre está lá para nos costurar e nos deixar tão fortes quanto antes. A magia de cura dela esgota muito, mas quando ela ver que estamos bem, sorrir aliviada pelo amigo vivo e orgulhosa de si mesma.
      Gostaria de ter Amélia do lado a todo tempo, mas não a colocarei em risco dessa forma. Há vários doentes surgindo que precisa dela para serem cuidados. Amélia é mais necessária aqui.
      — Fique, Amélia, por favor — peço gentilmente.
      — Nicolas tem razão — disse Maya. — Não podem ir todos. Muitos já estão indo, e quanto mais, pior. Isso chama muita atenção. Vocês nem conseguem se fundir com uma árvore, terão que ficar expostos para aos perigos.
      Maya sobreviveu a floresta porque podia se fundir aos troncos de árvores. Por isso que ela conseguiu sair com vida da floresta — a ninfa se camufla.
      — Voltarei para as Montanhas Enfeitiçadas — disse Helena. — Vigiarei Lucas, não deixarei ele com a Árvore.
      Assentimos.
      Cinco místicos seguirão uma ninfa doente até o interior de uma das mais perigosas florestas que já existiu. Isso parece uma boa ideia? Não. O que pode dá errado? Tudo.
     — Vamos arrumar nossas coisas hoje — pedi a eles. — Amanhã de manhã vamos adentrar a Floresta Encantada até o seu centro.

A Árvore da Vida - Parte 1 ( Volume 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora