A Árvore da Vida

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Uma raiz, uma vida

Os olhos amendoados avermelhados de Mad brilham de felicidade quando me ver.     
      — Nicolas — chama Mad assim que entrei na sala de jogos.
      Mad veio voando até mim. Abri meus braços para receber um abraço da minha fada. Abraçar Mad é algo complicado, por ela ser pequena demais, então eu apenas entorno os braços em mim mesmo, enquanto ela fica de braços aberto sobre o meu peito. Mad usa seu vestido vermelho feito com folhas de bordo, e seus cabelos avermelhados agora estão sobre os ombros — ela cortou no mesmo dia que eu.
      Mad ficou mais linda do que já é.
      — Minha deusa de alguns centímetros — a elogiei como ela ama ser elogiada. — Senti falta, minha pequena lanterninha vermelha. — Eu também dou apelidos que ela não gosta, apenas para ver seu cabelo pegar fogo, como acontece agora.
      — Eu ainda vou furar o seu olho — diz, emburrada.
      Sorrio contente por ela continuar com a marra toda.
      Ter Mad fora por poucos dias me fez ficar incomodado, como se faltasse uma parte de mim. Eu e ela sempre estamos juntos — onde eu vou, ela vai. A única que possui autorização de entrar no meu quarto sem bater na porta é ela, até porque ela possui um cantinho só dela, mas a maioria das vezes ela dorme encolhida em cima do meu peito.
      Mad ama dormir ouvindo meu coração batendo. Tenho que tomar todo o cuidado do mundo para não me mexer e prensá-la no meio da noite. Geralmente, quando a minha amiga adormece, a coloco na sua caminha feita sob medida por Kiara, que fez questão de fazer coisas pequenas para Mad, em sua oficina.
      O sorriso de felicidade de Mad se vai quando percebe quem me acompanha junto com meus amigos. Ainda não sei sobre a história dela com a Anciã. Eu e Mad conversamos sobre tudo, mas ela sempre fica incomoda quando eu tentava citar sobre esse assunto, e como não quero deixá-la desconfortável quando está comigo, então não pergunto mais.
      Mad é minha amiga, mas isso não me impõe autoridade de obrigá-la a me contar tudo. Amigos não obrigam ninguém, e contar as coisas não tem que ser uma obrigação. Quando Mad se sentir confortável em falar sobre, então ela mesma me procurará e contará, e eu estarei a todos ouvidos para o ouvi-la. Mad sabe disso: sabe que pode contar comigo, então não há motivos de ficar a lembrando que estou aqui para ela.
      — Olá, Nicolas — cumprimenta Helena.
      Abro mais o sorriso para a feiticeira.
      — Olá, Helena. — Vou até a feiticeira e a abraço.
      Amo abraçar Helena. Um dos motivos é pelo seu corpo ser o mais liso e macio devido as gorduras em sua pele. O outro é pelo seu delicioso cheiro de identificação. A feiticeira tem cheiro de café, um bem passado logo quando você acorda, um despertar agradável e uma agitação emocional.
      Entre todas as garotas que já conheci, Helena é a única que sinto algo a mais em seu núcleo de poder. A feiticeira é super inteligente, poderosa, linda, oculta e misteriosa. A filha de Dulce passa sensações misturadas e intrigantes. Helena é certa, na medida perfeita de agir e falar.
      Helena está belíssima com seu cabelo roxo com mexas verdes em duas tranças raiz dividindo sua cabeça. As bochechas cheias estão levemente rosadas, e por dois copos de cafés estarem vazios do lado do assento que estava, tudo indica que o vapor a deixou assim, e por ter assoprado o líquido até conseguir tomá-los inteiros, não deixando uma gota sequer.
      Helena usa a sua capa, que vai até um pouco abaixo de seus joelhos, feita recentemente por Miranda, mas personalizada do jeito que a feiticeira pediu.
      A cor do tecido do lado de fora é um verde escuro intenso, já do lado de dentro é preto — com bolsos secretos. A bainha da capa possui furos e é repicada desorganizadamente com a coloração vermelha e amarela, enfeitiçada pela própria para que dê a impressão que o fogo está a todo momento queimando o tecido. A capa se fecha por um broche em formato de uma chama. Além disso, atrás da capa possui pequenos tecidos espalhados costurados com linha vermelha visível, com todos os nomes de seus amigos escrito com as próprias letras e costuradas por cima, por Miranda.
      De início, a feiticeira apenas pediu para Miranda, Oliver, Caleb, Miguel, Ravi, Flora, Kiara e Amélia escreverem com suas letras nos tecidos que seriam costurados.
      Helena não mora aqui, mas sempre que dá, ela vem nos visitar para jogar conversa fora, e eu e ela sempre conversamos, mas a feiticeira ainda não me deu nenhum tecido. Admito que gostaria de um, mas em quatro meses é pouco tempo para ter algo tão importante como isso. Claro, eu fiz uma grande tatuagem ontem em meu braço esquerdo com meus amigos místicos, mas é diferente.
      Como eu falei: Helena não mora aqui. Já os meus amigos, sim.
      Não faz nem um ano que conheço Ravi, Oliver e Miguel, mas parece que os conheço por uma vida. Não temos frescura, brincamos um com a cara do outro e podemos falar sobre tudo. Pode parecer melancólico, mas nós quatro parecemos que temos alguma ligação do além. Brigamos? Com toda certeza! E são brigas por bobagens. Que dizer... eles que brigam por bobagens, os meus protestos são todos aceitáveis.
      Ravi roubou em um dos jogos de cartas, e eu tenho a pura certeza que ele olhou as minhas, só por isso eu perdi. Eu o xinguei tanto que no final Miguel e Oliver tiveram que nos segurar para não entrarmos em socos. Os dois são outros que vivem para encher a minha paciência. Eu deixei um pedaço de carne na mesa enquanto ia no banheiro, quando eu voltei, o alfa desgraçado estava comendo o que é meu. Eu e ele só paramos de brigar porque Caleb partiu a briga nos batendo com uma frigideira por termos quase destruído a cozinha dele. Oliver parece tranquilo, mas ele não me engana. Oliver pensa que eu não sei que foi ele que sujou o chão que minha estava limpando, e o infeliz ainda colocou a culpa em mim, e minha mãe acreditou. Eu devia mudar de amigos, só servem para me estressarem. Sempre que brigamos, ficamos emburrados o dia todo como crianças birrentas, mas do nada estamos nos falando como se nada tivesse acontecido.
      A Anciã rodeia os olhos pela sala, analisando-a.
      Acho que uma sala de jogos não é um lugar digno de uma ser sagrado como ela. Para o seu azar, esse lugar é o único que não há risco de nenhum serviçal ou minha família ouvir o que ela tem para contar, já que disse que é secreto. A Anciã caminha até uma poltrona confortável e senta-se nela, cruzando as pernas. Meus amigos se acomodam nos sofás e cadeiras espalhadas pela sala. Eu vou até a mesa de sinuca e sento-me em cima dela, esperando a Anciã começar a falar.
      — Helena, fale o que sabe — pediu a Anciã.
      Helena concordou com a cabeça.
      — Não sabemos o que está de errado com a Árvore da Vida, mas ela está perdendo folha e se tornando cinza. Cada raiz dela é uma vida existente nesse mundo, e as raízes estão morrendo, e a vida daquela raiz morre no mesmo instante ou adoece. As raízes são involuntárias, qualquer um em qualquer lugar e momento pode morrer ou adoecer até à morte. — Helena dizia tudo com uma agonia entalada no fundo da garganta. — Nas Montanhas Enfeitiçadas, todos os magos, feiticeiros e bruxos estão desesperados procurando uma porção para curar a Árvore, mas o problema é que nem sabemos o que a Árvore tem. É isso o que eu sei. Na verdade, é isso que todos sabem.
      Fico boquiaberto. Se a Árvore morrer, todos morrerão também. Thomas falou sobre o castelo estar uma confusão. Por sol, Kristof está doente e pode morrer a qualquer momento; não só ele, como qualquer um existente no mundo.
      — Alguém envenenou a Árvore? — perguntei.
      — Quem envenenaria a Árvore da Vida? — perguntou Ravi, não acreditando nisso.
      — Melhor, qual veneno foi usada para isso? A Árvore da Vida é poderosa demais — disse Miguel.
      — Todas as perguntas que fazem, não possuem respostas — diz a Anciã. — Trera, a Deusa, está doente, e isso se deve pela a Árvore da Vida está morrendo. Ugaá, Foog e Ra fazem de tudo para mantê-la estável, mas a Árvore é muito conectada com a Deusa.
      — Os Deuses não podem curar a Árvore? — perguntei. Se são Deuses, os poderes podem ajudar. Foog criou o sol, curar uma árvore deve ser o de menos.
      — Nicolas, a única que poderia dá vida a Árvore da Vida é Trera, os demais não conseguem — explicou a Anciã.
      Eu apontei para mim mesmo.
      — Foog me deu vida — a lembrei.
      — Foog nunca te deu vida — revelou a Anciã. — Se trazer alguém dos mortos fosse fácil, muitos ainda continuariam vivos. Você nunca morreu, apenas sua carne humana que se transformou em cinzas, mas a sua alma continuou intacta e não foi para o Além-Mundo, e sim para os domínios de Foog. — Minha cara de perdido fez com que a Anciã me explicasse como eu respiro hoje em dia. — Foog fez acordos com os outros Deuses para ter isso. Sua essência vem de Foog, mas isso porque os outros Deuses o vigiaram atentamente desde que pegou a coroa. Trera concordou em deixar a sua raiz intacta, por isso ainda respira no Mundo Elementar.
      Lembro-me que antes de seguir a trilha de flores brancas, me sentia vigiado por olhos invisíveis. Não me sinto vigiado agora, então espero que ninguém fique me vendo 24 horas por dia.
      — Foog disse que sou uma nova criação dela, mas além do meu sangue, não tenho nada de diferente dos outros místicos. Então sou um místico com sangue dourado?
      — Não tenho autorização para falar sobre o que pode se tornar. Seu sangue diz muito sobre você, mas Foog não possui mais autonomia sobre a sua criação. Evolua por si só, só então saberá o que pode se tornar.
      — Não sei o que querem que eu evolua — resmunguei.
      — Disse que Foog nos clamou. O que quer dizer? — perguntou Miguel.
      — Cada Deus clamou por ajuda para salvar a Árvore da Vida. Eles se importam tanto com Trera, quanto com cada criação deles. Sou a mensageira que veio informá-los sobre os riscos que o mundo está passando.
      — Se nem os místicos mais inteligentes dos quatro reinos sabem os que acontece, como vamos poder ajudar? — perguntou Ravi.
      Ele possui razão. Os seres mágicos da terra são conhecidos como os mais inteligentes. Se eles não conseguem saber o que está errado, nós muito menos.
      — Então vocês vão descobri como ajudar — falou a Anciã, convicta. — E façam isso rápido. Não sabemos até quando a Árvore irá resistir. A cada dia que se passa mais ela adoece.
      — A Oráculo não sabe como ajudar? — perguntei. — Ela sabe sobre o futuro e tal, talvez saiba sobre algo.
      — Vá vê-la, então. Não possuo as respostas que procuram, vocês precisam caçá-las e conseguir ajudar — reforçou a Anciã.
      — Por que não foi vê-la antes de vir aqui? — perguntei, duvidoso. — Você nem parece preocupada com a Árvore, apenas está jogando essa responsabilidade para nós.
      A Anciã fala as coisas calmamente. Até aonde eu sei, a Anciã possui uma raiz naquela Árvore, e ela não parece ligar se vai morrer. A mulher nem se deu o trabalho de ver a Oráculo.
      — Não possuo autorização para falar com a Oráculo. — A Anciã me encara, os olhos agora castanhos. — Sou apenas uma porta-voz dos Deuses. Uma porta-voz com as palavras limitadas e ações contadas.
      — Por que está aqui? — perguntei, curioso. — Thomas falou que Helena já estava aqui para falar conosco. Ela iria falar sobre a Árvore da Vida, não seria preciso de você nos dizer.
      A Anciã suspirou. Com firmeza na voz, disse:
      — A ninfa, Maya, está doente. Aquela ninfa não pode morrer.
      — Gosto de Maya, mas por que ela não pode morrer? — perguntou Ravi, curioso.
      — Eu já falei para vocês que apenas um sabe a verdade. Maya é uma ninfa inteligente e astuta. Maya é uma ninfa especial. Ela... Ela foi um grande acerto ou erro de Trera. — A Anciã pensa nas palavras certas para não deixar escapar mais do que é autorizada a contar. — Maya sabe de algo, e isso nem eu sei. O que foi me passado é que ela pode saber como ajudar a Árvore da Vida. Trera está silenciosa e apenas repete o nome da ninfa sem parar.
      — Já perguntaram a Maya como ajudar? — quis saber, já chegando na conclusão do porquê a Anciã está aqui.
      — Maya não quer falar com ninguém. Não tivemos coragem de perguntar no estado que se encontra. Por isso levei Thomas e Mad para tentar deixá-la mais feliz, mas nada adianta — lamentou Helena.
      — A ninfa possui um coração puro. Ela apenas declarou Alasca como irmã porque Maya pensou que podia salvar a 5, então a protege. Quando Alasca disse que Maya estava livre dela, ela se perdeu em solidão e tristeza por se culpar por ter falhado. — A anciã fitou-me mais uma vez, agora com os olhos claros. Ajeito-me desconfortável na mesa de sinuca, porque os olhos que me estudam são os de Alasca. — Eu sabia que um dia o seu caminho se cruzaria com o da 5, e esse dia chegou. Leve Alasca para ver a irmã, mas tome cuidado. Pode ordená-la, mas a cada ordem só o prejudicará mais. Nicolas, isso é um veneno que vai te consumir se não saber como domar, e Ira e Vannir foram consumidos por isso, cegos pela ignorância de acharem com poder mais do que ela, mortos pela falta de atenção.
      — Eu posso fazê-la pular de um penhasco apenas com poucas palavras. Então, Anciã, eu acho que realmente tenho mais poder do que aquela miserável — falei, a raiva estampada na voz.
      — Contarei algo que tive autorização. Vannir não escolheu cada vida por sorte. O rei sabia a dedo quais ele queria.
      — Como ele sabia? — perguntou Miguel, intrigado.
      — Isso eu não possuo autorização para contar. Se desejam a verdade, vão procurá-las por conta própria. Não preciso falar que os 5 são fortes, já presenciaram isso. — A Anciã ajeitou a coluna, a delicadeza surpreendente de deixarmos atentos em seus pequenos gestos. — 15 vidas nasceram para serem esperanças, mas Vannir foi mais esperto, nos tirou cada esperança, as convertendo em nossa destruição. Poucos possuem a verdade, mas os que possuíam, fizeram de tudo para converter o jogo, como Ethan, Ember e Dulce. Alasca, entre todas as 15 vidas, foi um erro, e esse erro foi a que mais evoluiu. Nicolas, não sei o que pretende fazer com a 5, mas não a mate. Leve-a para ver a irmã, depois a use ao seu favor e não contra você. O que você tem, muitos querem ter, e muitos matarão para ter. Possui poder apenas em pensamentos, não desperdice isso. Por isso, vim aqui.
      — Para eu não matar Alasca e levá-la até Maya — concluí.
      — Exato! Vai aqui o meu conselho: Não a mate agora, a use como um trunfo. Quando a Árvore da Vida prevalecer, então faça o que quiser com a 5. Como eu falei: ela foi um erro entre as 15 vidas, então o destino dela não é interesse de ninguém. — O ser sagrado estudou-me de cima para baixo. — Apenas espero que você também não seja um erro.
      Assenti.
      Não me surpreende que Alasca seja um erro, está nítido que é um. O que me deixa surpreso é as 15 vidas serem classificados como esperança. O passado possui mais segredos do que imaginamos. Fico nervoso quando me lembro que o dríade me chamou de esperança antes mesmo de colocar a coroa na minha cabeça. As esperanças podem se tornar erros, e Foog disse que eu seria o maior acerto ou erro dela. Estou incomodado com tudo isso.
      — Oliver, Kiara fugiu do castigo. — Caleb abriu a porta nervosamente. Assim que o cozinheiro viu que a sala de jogos estava cheia, e a própria Anciã estava aqui, ele ficou sem reação. — Desculpe, eu não sabia que ainda estava aqui.
      A Anciã sorriu, simpática.
      — Estou de saída — informou ela, já se levantando. — Alan os esperam em seu castelo amanhã de manhã. O tempo é curto.
      — Até, Anciã. Acho que nós veremos novamente quando trazer notícias ruins — falei, sarcástico.
      — Se estiver vivo até lá, farei questão de informá-lo sua próxima aventura mortal.
      Revirei os olhos.
      — Espero que não — murmurei, baixinho.
      Quero está vivo no final, mas não quero a Anciã vindo trazer notícias ruins.
      O ser sagrado olhou para Caleb, e depois para Oliver. Nossas caras já sem emoção só pioraram quando sabíamos que a Anciã daria mais uma notícia não agradável.
      — Agradeçam e temam a teimosia da filha de vocês — disse a Anciã para Oliver e Caleb. Parecia lamentar algo, os olhos estavam vazios e envergonhados ao olhar para os pais de Kiara.
      — A teimosia de Kiara ainda irá salvar a todos, mas arruinará a si mesma — disse ela antes de sumir em magia dourada.
      A sala de jogos ficou silenciosa.
      Caleb abraçou Oliver, os olhos esbanjando a preocupação. Oliver sentiu a pressão das palavras, e agora se afoga em cada sílaba, o consumindo internamente em pavor de saber que Kiara possui uma sentença escrita no seu destino, já que a Anciã sabia exatamente no que dizer.
      Ninguém tinha palavras para dizer alguma coisa. A Árvore da Vida morre a cada segundo que ficamos apenas parados enquanto tentamos processar tudo que aconteceu. Eu e meus amigos nos entreolhamos, e sem dizer nada, nos levantamos e saímos da sala de jogos apressadamente.

A Árvore da Vida - Parte 1 ( Volume 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora