Miguel e Alasca
— Você não quer falar comigo — disse Miguel, o tom de voz baixo para não acordar ninguém.
Abro meus olhos, ainda com a queimação do sono de um despertar imediato.
— Não tenho nada para falar — disse Alasca, tão baixo quanto Miguel.
Ao perceber que Miguel e Alasca iniciam uma conversa, desperto mais um pouco, embora ainda esteja cansado.
Eu sei que bisbilhotar a conversa dos outros não é legal, mas não quero me levantar. Meu sono se foi, e mesmo que eu tente dormir, os escutarei falar. A culpa não é minha pela a audição mais ampliada.
— Acho que eu e você temos muita coisa a esclarecer — comentou Miguel. — Você sempre foge, não querendo conversar.
— Você vai falar de Ethan. Senão for dele, irá querer falar da gente. Não quero falar sobre nenhum dos dois. Tudo que eu disser, vai concluir que é mentira ou que estou te enganando.
— Apenas acho que não colocamos um ponto final em tudo isso — confessou Miguel. — Eu sei que você me iludi...
— Não diga isso — repreendeu Alasca. — Você quer um ponto final de algo que nunca teve início. Aceito que fale que sou uma assassina, uma mentirosa, uma sem sentimentos, qualquer coisa. A única coisa que não pode dizer é que eu te iludir. Você se iludiu sozinho.
— Você é impossível! — reclamou Miguel. — A culpa é minha agora?
— Diga-me uma vez que me joguei em seus braços. Qualquer coisa que sinalize que te iludir — pediu Alasca. — Eu queria distância de você, apenas fazia o meu trabalho e ia embora. Quem puxava assunto era você, quem insistia em tudo era você.
— Você correspondia.
— Eu cresci no Inferno, Miguel. Correspondia tudo que era novo para mim.
— Eu tinha bola de cristal, por acaso?
— Não, apenas era mimado demais para notar que eu só queria trepar com você e mais nada.
A soldado nunca será delicada nas palavras.
— Você não possui filtro — reclamou Miguel, notando a dureza vazia e curta de Alasca. — Mas já que quer falar nesse linguajar, então saiba que quando eu e você trepava, era mais do que um caso de uma noite. Porque diferente de você, eu tenho sentimentos.
O riso baixo de Alasca foi soado no ar, como se Miguel tivesse contado uma piada e ela não pode gargalhar devido ao silêncio que quer deixar intacto.
— Miguel, vamos ser honestos? — perguntou ela, a voz firme, pois a piada chegou ao fim. — Você apenas queria fod...
— Alasca, por sol, tenha modos! — reclamou Miguel mais uma vez.
— ...er comigo — continuou ela por cima da fala dele. — Viu só?
— Vi o que? — indagou Miguel, estressado.
Com uma péssima imitação da voz de Miguel, Alasca se pôs a falar frases feitas uma vez ditas pelo alfa:
— Kiara, tenha modos. Kiara, use isto. Kiara, faça isso. Kiara, coma isso. Kiara, quero você usando o que te dei. Kiara... Kiara... Kiara... Agh! Eu não aguentava mais suas autoridades.
— Você fala como se eu fosse um desgraçado controlador. — Miguel enfureceu-se. — Eu era o único que te aturava, os demais queriam te matar devido a sua língua afiada e palavras sem filtro.
— Uma vez eu te levei para um piquenique ao ar livre, um gesto simples, sem vestidos, sem joias, sem aturar formalidades. Eu e você, apenas. E o que aconteceu, Miguel?
— Comemos chocolate e fizemos sexo ao ar livre — respondeu o alfa, com palavras certas e apressadas.
— Ao seu ver, foi isso que aconteceu? Nada mais?
— Quer que eu fale o quê? — a voz do herdeiro saiu confusa, tentando compreender Alasca.
— Você reclamou das formigas, pois poderiam morder você. Não achou legais as comidas que levei pois eram muito doces. Disse que um piquenique era muito chato. Olhou para mim e me julgou por estar usando calças e não um de seus vestidos que escolheu. Ficamos mais em silêncio do que conversando, isso porque não tínhamos assunto, e eu não aturava ouvir você falando a mesma coisa. Para acabar com aquela tortura, fiz você comer chocolate para eu beijá-lo. Desejar sua boca pelo chocolate e não mais porque eu queria. Trepei com você ao ar livre para ter uma distração, e lembrar o porquê eu me deixei me envolver com o príncipe que apenas olhava para o próprio nariz. Nunca pelo sentimento. Sempre pelo seu fogo na pele, porque eu necessito desse contraste na minha, do jeito que causamos diferenças. Mas o que Selene quer, nunca veio de você ou Kalias.
Um silêncio sufocante engoliu a noite.
Miguel gosta de tomar o controle das coisas, mas não do jeito que Alasca falou: o descreveu como um controlador sem moral. Essa discussão se tornou impossível de trazer alguns pontos. Lembro-me de uma conversa na sauna com meus amigos. Oliver e Ravi já chegaram a comentar que não suportava o príncipe por ele ser mimado demais pelos pais, um cara que sempre queria as coisas do jeito dele.
— Miguel hoje parece outro místico. — Ravi tinha comentado.
Miguel criou amizade com Oliver porque sempre o via na cozinha, de olho no cozinheiro, que futuramente virou seu marido. E já que o alfa estava atrás da mística de cabelos brancos, e Alasca estava atrás de comida, que Caleb fornecia a ela, Miguel e Oliver passavam tempo demais sentados lado a lado na cadeira da mesa, fingindo fome para observar os dois amigos que viviam fofocando.
Ravi e Miguel começaram trocar conversa quando o herdeiro estava farto de apanhar para uma garota menor do que ele, e não queria mais passar a noite na Ala-médica todo arrebentado. Ravi o ensinava técnicas de luta, mesmo depois do príncipe ter negado proteção dele e de Oliver, antes de se tornarem a guarda pessoal do rei. Miguel as aperfeiçoava com Alasca, tornando-se um dos melhores guerreiros do exército do fogo.
— Eu te amava, Alasca — confessou Miguel depois de um tempo, a voz trêmula e baixa, transmitindo a dor de pronunciá-las.
Apertei os lençóis, sufocado com essa frase maldita. Zenny não suporta essa conversa, é torturante demais ouvi-la. Saber que os dois já se envolveram era algo que não queria aceitar. Agora, saindo de suas bocas que já estiveram juntos, compartilharam momentos íntimos, é como pontadas fortes no peito.
Tristeza e raiva me invadem.
Aquela palavra maldita grita como um golpe em minha cabeça, ocasionando dores insuportáveis e sentimentos confusos:
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Árvore da Vida - Parte 1 ( Volume 3)
FantasyQuatro meses de paz e tranquilidade na vida de Nicolas Flames fora necessários para ele se estabilizar com Zenny, e quando pensou poder viver como um cara normal, seu tempo acabou. O mais novo místico do fogo agora sofre na pele o peso de ser...