As Matriarcas

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Mais um 5 na vida de Nicolas

Isaac me levou até outra caverna sobre a montanha.
      Eu e ele não trocamos nenhuma palavra desde a caminhada até aqui, apenas nos entreolhamos. Acho que o feiticeiro iniciante não gosta de mim. Rosnei para ele? Rosnei. Mas eu não queria. Às vezes, não tenho controle sobre isso. Não irei pedir desculpas, não fiz nada de errado.
      Helena e Cecília nos esperavam na porta de outra caverna.
      — Onde estão os outros? — perguntei ao não encontrar minha fada e Amélia.
      — Não possuem autorização de entrarem — disse Helena. — Como sou a feiticeira responsável por você, então entrarei. A minha tia levará Isaac para relatar as coisas.
      Estou quase fingindo alguma dor para poupar de entrar em outra caverna com um bando de Matriarcas querendo saber cada coisa que aconteceu com a Oráculo.
      — Venha, Nicolas — chamou Cecília, já se encaminhando para dentro da caverna.
      — Seja educado — pediu Helena. Ela dá palminhas na minha cabeça, tentando arrumar meus cabelos. Quando viu que é quase impossível de fazer isso, desistiu. — Não se esqueça que posso transformá-lo em um inseto.
      Levantei as mãos em rendição. 
      — Eu ainda nem fiz nada — me defendi. Olhei para Helena de braços cruzados. — E nem vou fazer — completei, dando um leve sorriso tranquilizador.
      — Só fale quando elas mandarem — pediu Helena, antes de seguir a tia caverna adentro.
      O corredor estreito nos leva para outra grande caverna iluminada. Dessa vez, a iluminação não é feita por diamantes brilhantes, e sim por tochas fincadas nas rochas e espalhadas sobre o lugar.
      Na minha frente, uma cumprida banca foi posta. E sentadas em seus devidos lugares, as Matriarcas se encontram com olhares ferozes e observadores, analisando todos que entraram no mesmo ambiente que elas. Todas as Matriarcas usam capas pretas, deixando apenas seus rostos como identificação.
      A mulher da ponta direita possui cabelo rosa, e aparenta ter 40 anos. A outra, sentada do seu lado, tem cabelos castanhos, mas parece ser mais jovem do que a anterior. Eu daria 30 anos para essa, embora nenhuma ruga seja vista ou traços de velhice. As duas primeiras cadeiras da ponta esquerda estão vazias. 
      Aquela que ocupa o centro da mesa possui cabelos brancos e os traços do rosto com algumas linhas enrugadas, assim como manchas na pele, mostrando a sua velhice mais avançada do que as demais. Possui olheiras profundas e o olhar preto penetrante, e eu podia sentir a pressão do poder dessa mulher apenas com cada inspirava de ar.
      Pergunto-me quantos anos essa mulher deve realmente ter, já que feiticeiros envelhecem devagar, e a senhora ali sentada já consegue aparentar ter 70 anos. Então, para alguém demonstrar essa idade, deve já ter nascido há muito, muito tempo.
      Ainda não parei para pensar que envelhecerei devagar também. Bom, não adiantará nada envelhecer devagar se a Árvore não for curada. Mesmo que a Árvore estivesse saudável, eu não pararia para pensar sobre isso. Saber que verei meus irmãos envelhecerem e morerem não me faz sentir bem. É um pouco inacreditável que Kaio terá uma aparência mais envelhecida do que a minha em vida.
      — Matriarcas — saudou Helena, colocando a capa para frente até sobre o coração e abaixando a cabeça.
      — Matriarcas — saudou Isaac, fazendo o mesmo gesto.
      Helena me beliscou. Isso doeu, mas me segurei para não reclamar.
      — Matriarcas — saudei. Como não tenho nenhuma capa, então eu imito ter uma invisível e faço o mesmo gesto de Helena e Isaac.
      Helena me beliscou em protesto.
      — Ela quer que a gente faça o quê? — indagou Zenny.
      — Saudação, Matriarcas — saudei de novo, sem imitar ter capa.
      Helena batei a mão no rosto, decepcionada.
      A senhora deixa sua risada com tosse seca soar pela caverna. Quando as outras mulheres percebem que a senhora rir, imitam a mulher, aumentando o coral de risadas. Não zombam de mim, parecem se divertirem com minha confusão.
      — É uma honra receber o filho da Deusa do Fogo — falou a senhora gentilmente. — Sou a Chefe-Matriarca, líder central das Matriarcas. Agrade minhas Matriarcas, que então me agradará. Eu poderei vetar ou concordar com elas. A decisão final será minha. Então, escolhido como portador, diga o que faz aqui.
      Cecília me oferece um sorriso de conforto, já seguindo caminho para a banca com as demais mulheres. Antes de sentar-se na cadeira da ponta esquerda, ela beija a mão da Chefe-Matriarca. A senhora faz algum símbolo invisível na testa da tia de Helena, fazendo-a juntar as mãos e abaixar a cabeça em respeito. 
      Agora quatro Matriarcas me observam atentamente, aguardando a minha fala. Ser observado assim, me faz ficar nervoso. Limpo a garganta para começar.
      — Como já devem saber, a Árvore da Vida morre cada vez mais a cada minuto. Vim aqui para tentar encontrar respostas.
      — Encontrou as respostas? — perguntou a Matriarca de cabelo rosa.
      — Não, só mais perguntas.
      Elas se entreolharam, não compreendendo.
      Prosseguir sem jeito:
      — Que dizer, eu que pedi as perguntas por não ter as perguntas certas que a Oráculo disse. Então a Oráculo fez as perguntas para eu responder. Eu não tenho as respostas, mas tenho perguntas das respostas certas. Só que ainda não sei as respostas.
      — O quê? — perguntou a Matriarca de cabelo castanho, confusa.
      Helena bate a mão no rosto mais uma vez, decepcionada.
      Eu nunca fui bom em explicar algo. Se eu soubesse que teria que explicar as coisas, pediria para decorar antes um discurso, que não ia adiantar nada também: sou ruim de memorizar coisas desse tipo. Meu cérebro apenas comporta coisas que não me ajudam em nada, e muitas das vezes descarta a função de armazenar dados básicos.
      — Isaac — chama Cecília. — Relate o que aconteceu lá dentro.
      Encaro Isaac. Imploro silenciosamente que ele mantenha a boca fechada. Se ele contar para as Matriarcas sobre Ethan e Ember terem um filho, elas irão espalhar a notícia para os quatro Reinos Elementares. Miguel quer manter sigilo porque o próprio parlamento do Reino do Fogo possui corruptos que fariam de tudo para encontrar a criança perdida e dá um fim na vida dele, podendo tomar o trono pela força. Meu amigo mal dorme a noite querendo desmascarar os alfas que já o querem morto. O irmão mais velho não quer que o irmão mais novo sente em um trono cercado por místicos que o querem a cabeça.
      Eu me xingo mentalmente, por não ter prestado mais atenção que Isaac só estava lá para relatar tudo. Ele é feiticeiro iniciante, então deve a sua lealdade as Matriarcas, ao seu lar, e não a um místico que nem explicar algo simples consegue.
      Isaac me olhou discretamente. Ele sabe que não quero que diga algo. O feiticeiro iniciante arruma a postura e relata:
      — Nicolas fez uma proposta interessante a Oráculo. O ser sagrado fez as perguntas certas, algo que os sábios não estavam conseguindo. Agora possuímos três perguntas certas que levam, no final, apenas a uma palavra, a forma de como a Árvore da Vida será salva.
      — Só isso? — perguntou a Chefe-Matriarca.
      — Não, Matriarca. — Isaac me lançou um olhar discreto antes de voltar a sua atenção para as mulheres. Suspiro derrotado. Não possuo direito de cobrar nada de Isaac. — A Oráculo deu um conselho ao místico, isso porque gostou da proposta dele. O conselho é para ele não se comparar aos outros. Isso, Matriarcas, é tudo que foi dito na caverna da Oráculo.
      Seguro a surpresa dele não ter dito nada. Tento me manter sério na frente das mulheres, senão elas podem desconfiarem de algo. Por dentro, meu coração está acelerado, tanto de nervoso, quanto de alívio. Isaac não me deve nada, e mesmo assim mentiu para as mulheres mais importantes das Montanhas Enfeitiçadas, onde deve sua verdadeira lealdade. Anoto mentalmente que antes de sair das montanhas, preciso agradecer a Isaac.
      — As perguntas — pediu a Chefe-Matriarca.
      Isaac ditou as três perguntas para as mulheres. Todas elas ficaram pensativas. A todo momento, tentam encontrar uma resposta para as três perguntas. Não sou tão inteligente quanto os sábios, mas pela cara das Matriarcas, elas também não entendem como as três perguntas possuem um caminho para uma única palavra da salvação. Nenhuma das perguntas parece ter alguma ligação. Não faz sentido.
      — Matriarcas — saudou alguém.
      Paraliso no lugar por reconhecer essa voz.
      Viro-me com cuidado, como se um animal selvagem estivesse prestes a dar o bote em mim. A sutileza foi tanta que os pelos da minha nuca se arrepiaram, e tudo de mim está alerta para uma batalha com o oponente.
      Uma bela mulher de pele negra e cabelos ondulados usa uma capa preta. Minha atenção passa rapidamente dela para outra pessoa do seu lado.
      O rapaz era sem dúvida belíssimo, alguém de apenas aparência demonstra ser perigoso e misterioso. A capa roxa cobre todo o seu corpo musculoso. A pele negra dele dá uma bela combinação com seus olhos roxos intensos e o cabelo verde com mexas roxas.
      Lucas, um dos soldados infernais, sorrir para mim de uma forma convencida.
      Rosno para o 5.  Quando Lucas abre mais o sorriso dele, avanço para atacá-lo. No mesmo momento, Helena se coloca em minha frente.
      — Nicolas, aqui não! — disse ela, nervosa. — Por favor, aqui não.
      — Ele é um 5! — acusei, irritado. — Prenda-o. Melhor, o mate!
      — Não sobre as montanhas — disse Helena, tentando me acalmar a todo momento. Enquanto minha raiva aumenta pelo 5, ele apenas sorrir contente. — Lucas é o protegido de Nathalia, a Matriarca do seu lado.
      — Pouco me importa — falei, raivoso. — O mate!
      — Se pedir para matar Lucas, ou dizer que o que é das minhas Matriarcas não importa, então será inimigo das Montanhas Enfeitiçadas. Assim, dou a minha benção para Lucas matá-lo por desobediência perante as Matriarcas — disse a Chefe-Matriarca com uma severidade ameaçadora. — Helena, se não consegue controlar o seu protegido, então não merece a capa que usa, e muito menos a capa que deseja usar. Devo cuidar do que não consegue, jovem feiticeira?
      — Nicolas, depois eu explico. Agora fique quieto! Senão eu o transformo em inseto aqui na frente de todos e o esmago sobre meus pés — ameaçou Helena, autoritária e raivosa, com os olhos brilhosos e as mãos com magia, mostrando a todos nessa caverna que não precisa que ninguém cuide do que é responsabilidade dela.
      Sou apenas um peso para ela, um que apenas traz problemas. Respiro fundo, tentando me acalmar. Não sei o que Lucas faz aqui, mas parece que ninguém se importa de tê-lo entre todos.
      — Perdoe o místico, Chefe-Matriarca — pediu Lucas com a voz aveludada e sendo gentil. — As leis selvagens dos dragões não se comparam com as leis sábias e justas das Montanhas Enfeitiçadas.
      — A vontade de tacar fogo é grande, mas a de bater nele é maior — disse Zenny, segurando-se para não fazer nada devido a Helena.
      Lucas me lança um pequeno aceno de cabeça.
      — Fico contente em vê-lo. Aqui não é hora de conversarmos, mas eu e você temos assuntos pendentes.
      — Não temos nenhum assunto — falei, ríspido.
      — Sim, nós temos — disse Lucas, massageando o pulso direito discretamente, sinalizando a tatuagem do meu. A alma da irmã dele. — Me clamaram, Matriarcas, atendo o chamado de vocês, mas em troca dos meus serviços, quero proteção, não só minha, dos meus irmãos também.
      — Não abuse de nossa boa vontade — pediu a Chefe-Matriarca. — Mas a Árvore da Vida é extremamente importante. Você e seus irmãos possuem minha proteção em troca de seus serviços, caso sejam bons o que veio aqui oferecer.
      — E que tipo de serviços são esses? — perguntei.
      Helena me beliscou para ficar quieto.
      — Não cresci aqui, Nicolas. Fui ensinado as artimanhas do Inferno, feitiços poderosos e inimagináveis. A Árvore morre, e nenhum veneno nesse mundo faria isso. Nada nesse mundo nasceu para machucar a Árvore, então tudo indica que o culpado não é desse mundo — explicou Lucas.
      — O que não nos garante que foi você e seus irmãos assassinos que envenenaram a Árvore. Já que sabe tanta coisa do outro mundo. Aliás, não eram vocês que queriam destruir esse mundo? — Fiz-me de sonso.
      Lucas riu.
      — E como vamos destruir esse mundo se estivermos mortos? — perguntou ele, se aproximando de mim. — Pode me chamar de tudo, até de demônio se quiser. Mas eu e meus irmãos temos uma raiz naquela maldita Árvore.  Então, Nicolas, nem eu e meus irmãos estamos por trás disso.
      — Não confio em você — falei, me aproximando dele também. — Tudo que você e seus irmãos tocam, tendem a destruírem.
      — Não nos diminua! Diga logo a verdade. Tendemos a destruir até tudo que não tocamos. Esse talento não é para qualquer um.
      — Já acabaram de se alfinetarem? — perguntou a Chefe-Matriarca.
      — Matriarca, vim aqui com um acordo para lhe oferecer — disse Lucas como se discursasse. Quando percebeu que as mulheres esperam que diga o que quer, ele prossegue: — Eu e meus irmãos queremos nos redimir. Deixe a Árvore em nossos domínios. Descobriremos o que está de errado e salvaremos a todos. Matamos muitos, mas não exterminamos nenhuma espé... Que dizer, matamos muitos, mas não matamos todos.
      — Matriarcas, vim aqui oferecer a minha ajuda — falei igual Lucas. Não deixarei que os 5 tomem posse disso. — Eu e meus amigos queremos encontrar a solução para salvar o mundo. Como filho de Foog, quero mostrar o meu valor perante a todos. A própria Anciã veio ao meu encontro, como já devem saber. Consegui as três perguntas, então deixe que eu encontre as respostas. Clamo que não deixe essa responsabilidade com os 5, que só ocasionaram destruição.
      — Matriarcas — Lucas tomou a fala. — Fizermos coisas erradas, mas digo que nenhuma foi por querermos. Ter os 5 como aliados é algo inexplicável. Eu sei de tantas coisas que nunca sonharam em saberem. No Inferno, sei ditar cada língua demônio e sei com detalhes sobre as diplomacias. Meus irmãos sabem tanto quanto eu. Estamos dispostos a passar o conhecimento se aceitarem o meu acordo.
      — Especifique o seu acordo — pediu Cecília.
      — Eu e meus irmãos salvaremos a todos e ficaremos honrados em informar tudo do Inferno a vocês. Em troca, queremos os nossos crimes perdoados.
      Dessa vez tive que rir.
      — Peça o perdão daqueles que estão mortos. Espera, não pode pedir, porque eles estão mortos! Vá até as famílias deles, peça perdão a eles. Claro, se ainda estiverem vivos.
      — Matriarcas, não querem o conhecimento do outro mundo? Digo que só conseguirão por meio de mim e meus irmãos.
      — Eu as ofereço o conhecimento — garanto-lhes, determinado.
      — Cresceu no Inferno, Nicolas? — perguntou Lucas, fingindo curiosidade.
      — Para quer ir até o Inferno se ele já veio até mim. E você mesmo que me proporcionou isso. — Olhei para as Matriarcas, que me observam intrigadas. — Eu tenho o meu inferno particular, e estou disposto a dividi-lo com vocês. Alasca, a soldado infernal, é o meu inferno pessoal. Sabe o que é mais interessante? — Sorri convencido para Lucas. — É que posso controlar esse inferno. Agradeçam a Lucas, que prende um dos seus irmãos que tanto protege com seus inimigos. Como confiar nele?
      — Estou achando tudo muito empolgante — falou Zenny, animado.
      Não sei explicar as coisas direito, mas discurso tão bem quanto qualquer governante quando quero ou quando estou disputando com outros. Não deixarei que Lucas e seus irmãos matem a Árvore mais do que ela já morre. Todos estão desesperados para encontrar uma solução, mas deixar os 5 tomarem conta disso, porque já viveram no Inferno, não é uma boa solução.
     — Nicolas possui pontos positivos ao seu favor. Apoio em cada palavra dele — disse Lucas, exaltado. — Mas, chame Alasca aqui. A ordene a falar sobre as magias infernais, as diplomacias. Minha irmã não saberá de nada disso. A única coisa que conseguirão são línguas infernais, sendo que ela mesma não nasceu para ensinar ninguém. Alasca não sabe escrever a língua em papel, aprendeu apenas observando e ditando. Então, descartem o alfabeto. Alasca ficou inclusa apenas nos domínios de Vannir, já eu tive livre acesso de vasculhar outros reinos. Sentei e comi na mesma mesa daqueles que vocês não fazem ideia que existem. Ou seja, não conseguirão quase nada dela. A não ser que queiram saber como matar uma pessoa mais dolorosamente, ou torturar alguém.
      — Tenho certeza que Frank saiba muito bem fazer outra coisa além de matar alguém ou torturar, talvez fazer biscoitos amanteigados. Kalias é outro que dizem ser mais animal do que místico, mas já que Lucas o defende tanto, estou achando que o 5 não passa de uma lagartixa raivosa. Não direi nada de Ryan, vai que ele se infiltrou aqui com outra carne. Talvez seja um mosquito, já senti me picarem três vezes — debochei, batendo no meu braço para matar um mosquito invisível. 
      Isaac não conseguiu segurar a risada, assim como as Matriarcas.
      — Lagartixa raivosa — disse a Chefe-Matriarca entre os risos e tosses secas.
      — Vá lá fora e enfrente a lagartixa raivosa — desafiou Lucas, furioso.
      — Seria uma perda de tempo — bufei. — Ordenarei que Alasca jogue um osso para ele. Vamos ver se late igual cachorro como uma vez Ryan disse.
      Lucas empalideceu-se.
      — Então realmente estava nos espian... Os Grists. — Lucas andou com passos firmes até mim. — Seu espião desgraçado. Vou transformá-lo em...
      — Lucas, que falta de respeito na frente das Matriarcas. — Desaprovei a atitude do mago, negando com a cabeça. Virei-me para as mulheres. — Perdoe o mago. As leis selvagens dos soldados infernais não se comparam com as leis sábias e justas das Montanhas Enfeitiçadas. — Fiz ajustes no que Lucas me disse antes.
      A Chefe-Matriarca volta a sua postura de severidade.
      — Quero as opiniões das minhas Matriarcas — pediu ela.
      — Contemplamos a sabedoria. É um risco ter os 5 conosco, mas a sabedoria nunca é fácil de obtê-la. Vannir conseguiu atacar, quem não garante que seremos atacados de novo? Os 5 parecem ter total certeza sobre o que possuem. Redenção, o perdão das crianças uma vez levadas a força para o outro mundo. Escolho Lucas e seus irmãos — falou a Matriarca de cabelo castanho.
      Lucas sorriu e saudou a mulher com um aceno de cabeça.
      — As crianças cresceram e viraram o próprio inferno sobre nós. Não me lembro de nenhum 5 derramando lágrimas pelas vidas mortas, mas já os ouvi dando gargalhadas sobre a destruição. A Última Guerra foi horrível, mas superamos ela sem precisar de nenhuma ajuda do Inferno. Escolho a ajuda de Nicolas e seus amigos — falou a Matriarca de cabelo rosa.
      Sorri para ela. A mulher retribuiu o sorriso, sendo discreta e profissional.
      — As crianças cresceram e se tornaram letais e potentes. Nicolas mesmo disse que pode ordenar um deles, assim como Vannir podia. Nunca tiveram escolhas, sempre necessitando obedecer sem questionar. Convido qualquer um aqui a passar um dia no Inferno, se uma voltar sem estar louca ou igual como entrou, então entregarei o meu cargo de Matriarca e queimo a minha capa. Redenção, para aqueles que pedem segunda chance, já que tiramos a oportunidade de ter a primeira. Escolho Lucas e seus irmãos — disse a mulher que trouxe Lucas.
      — Exato! As crianças cresceram e se tornaram letais e potentes. Mas, letais e potentes para quem? Não sei vocês, mas não quero conviver no mesmo teto com deles. Nicolas pode controlar um, e ele está errado em ordenar? Lucas mesmo queria Alasca para ordenar. Se os 5 querem redenção, então façam por sentirem culpa e arrependimento. Lucas veio com uma proposta, em nenhum momento ofereceu a ajuda por bom grato. Que redenção é essa que se não aceitarmos o seu acordo, ele não ajudará? Os 5 não querem redenção, e muito menos o perdão. Cada um deles apenas querem proteção enquanto armam seus próximos planos. — Cecília me encarou e sorriu. — Eu escolho a ajuda de Nicolas e seus amigos.
      Duas Matriarcas ao favor de Lucas, e duas ao meu favor. Todos nós agora esperamos a decisão final da Chefe-Matriarca. Do meu lado, Helena começa a roer a unha, e Isaac não sabia para quem olhar. Eu e Lucas nos entreolhamos para nos afrontarmos em silêncio.
      — Todos são pontos bons — concordou a líder. — Reconheço tudo que Lucas nos disse. — A senhora olhou para ele e acenou com a cabeça. — Reconheço tudo que Nicolas disse. — Ela voltou a sua atenção para mim. — Vai aqui minha decisão final.  — A mulher suspirou e arrumou a postura. — Lucas ajudará retaliando a morte da Árvore da Vida, já que possui conhecimento mágicos do outro mundo. Em troca, oferecerei a minha proteção com ele e seus irmãos no tempo que estarão ajudando. Deixarei as duas Matriarcas que o defendeu como responsáveis, já que a acreditam nele. Nicolas e seus amigos possui a missão de encontrar as respostas da Oráculo para salvarem a Árvore da Vida, e as duas Matriarcas que o defendeu serão responsáveis pelas suas ações. Estão de acordo, ou tenho que reformular o que eu disse?
      Sou contra deixar Lucas aqui, sou contra dele ir até a Árvore. Quero Lucas e seus irmãos presos em celas tão escuras quanto a própria noite. Eu também queria ajudar diretamente a Árvore da Vida, mas não ser o responsável principal de encontrar uma forma de ajudar.
      Começo a ficar nervoso. Serei o responsável das mortes se eu falhar. Ainda citei meus amigos para ajudar. Coloquei pesos neles, sem eles saberem. Eu sei que todos os meus amigos querem ajudar, isso está nítido. Também sei que cada um deles me acompanharão nessa trágica jornada. Senão posso mudar a cabeça da Chefe-Matriarca, então focarei em apenas encontrar as respostas das perguntas e ajudar a todos. As duas Matriarcas que defenderam Lucas, que tomem as dores. Não ficarei me doendo por decisões erradas dos outros.
      — Estou de acordo — disse Lucas, por fim.
      — Estou de acordo — falei.
      — Então vão. Cada segundo a mais, é um a menos de vida — disse a Chefe-Matriarca. — Os verei novamente, se tudo dê certo no final. Boa sorte, jovens rapazes.
      — Nos veremos novamente, Matriarca — garanti antes de seguir Helena para fora dessa caverna.
      Assim que o ar fresco foi jogado em meu rosto, consegui respirar melhor. Dentro da caverna com todas as Matriarcas e as demais pessoas, ficava abafado e sufocante.
      Olhei para Helena. A feiticeira está com as sobrancelhas juntas e as bochechas vermelhas de irritação. Xingo-me mentalmente por ter sido um peso hoje para ela. Tudo que ela pediu que eu fizesse, fiz ao contrário. Helena deve estar pensando em qual inseto me transformar, assim pode pisar em mim como castigo pelo o que a fiz passar.
      — Nicolas...
      — Helena, foi mal — falei a interrompendo. — Não me transforma em um inseto rastejante. Aceito qualquer um com asas. 
      A feiticeira sorriu alegremente e me abraçou apertado. Ela dá pulinhos ainda me abraçando. Eu, sem entender nada, começo a pular junto com ela. É melhor do que virar inseto.
      — Você fez Zaya rir duas vezes. Aquela mulher é mais seca do que um deserto. Nicolas, ela olhou para mim orgulhosa de eu ter o trago aqui. Quando você queria tacar fogo em Lucas, eu me coloquei em sua frente, e a Matriarca viu isso. Ela sabe que o filho de Foog me escuta — dizia ela, empolgada. O sorriso de Helena fez com que eu abrisse o meu. — Lá dentro foi incrível, você inverteu o jogo. Nossa, aquilo foi...
      — Continua elétrica, Helena? — perguntou Lucas. Nós viramos para ele. O 5 tinha um sorriso forçado no rosto. Do lado dele, a Matriarca que estava com ele antes o espera. — Já falei para parar de tomar os cafés.
      — Ainda sente amargura de eu ter feito tomar banho com cafés quentes? — provocou Helena. 
      — Eu sinto muitas coisas por você, e amargura não é uma delas — disse ele tranquilamente, a observando dos pés à cabeça com gestos graciosos. — A feiticeira que nunca erra ainda errará, e eu estarei lá apontando seus erros. Assim para de ser convencida.
      — Não posso fazer nada se sou perfeita — vangloriou-se Helena.
      — São as mais perfeitas que possuem mais erros. — Lucas sorriu quando Helena desmanchou o sorriso dela de convencida para irritá-lo. — Eu e você vamos trabalhar juntos, como os velhos tempos. Vejo-a em breve, Caféticeira.
      Lucas não esperou que Helena respondesse a afronta dele. O mago saiu andando junto com a Matriarca, sei lá para onde.
      — Não suporto apelidos idiotas — reclamou Helena.
      — Nem me fale — disse, a entendendo como é sofrer com isso. — Pelos menos ele fala o seu nome, o meu nem está perto de ser dito.
      — Não vamos perder a cabeça com esses apelidos.
      — Como você ganhou o seu? — perguntei, curioso.
      Querendo ou não admitir, possui a ver com o momento.
      — Eu e Lucas éramos melhores amigos quando criança. Sempre dizíamos que faríamos os testes juntos para nos tornar magos. E se um não passasse direto em alguma disciplina, então o outro repetiria a matéria para esperar. Quando tínhamos 10 anos, eu resolvi beber muito café, porque eu via minha mãe tomando toda hora. Fiquei elétrica demais e acabei derramando uma mesa de cafés quentes em Lucas. Ele saiu correndo pelas Montanhas Enfeitiçadas até o rio lá embaixo para se lavar, enquanto gritava que a pele dele estava queimando. Depois daquele dia, insistia em me chama de “Caféticeira”. — Helena fez aspas no apelido.
      — Eu não sabia que eram amigos — admiti.
      Helena olhou para as montanhas, querendo o alívio desse lugar agradável, que só agora percebi que tudo ao redor são lembranças dolorosas do passado, de quando ela tinha a mãe e o melhor amigo no mesmo lugar. Embora tenha dois irmãos e amigos leais, ela precisa viver aqui, rodeada de memórias boas que nunca serão as mesmas, enquanto tenta de tudo ser maga.
      — Nas férias, eu ia para o Reino de Fogo, e ele para o castelo visitar o tio. Eu e Lucas dizemos que nós veríamos daqui a pouco, que só seria dez dias longe um do outro, como anos anteriores. Só que quando cheguei aqui, Lucas não respirava nesse mundo. Na época, eu não entendia o que tinha acontecido, então sempre o esperava no alto da montanha com o pico maior, que costumávamos brincar, por ser o melhor lugar de ver tudo abaixo. Mas eu usava aquela montanha pra ser a primeira que o veria chegar. Ele nunca apareceu. Quando o vi, anos depois, já não era mais o meu amigo. — Helena tinha tristeza na voz. — Lucas voltou para as Montanhas Enfeitiçadas com outro nome, outra aparência, para treinar e ser mago. Não existia os soldados infernais. Foi na mesma época que Alasca estava no Reino de Fogo. Uma vez, os dois se encontraram e agiram como se nunca tivessem vistos. Eu, como uma idiota, não reconheci o meu amigo de infância. As ações não eram mais do antigo, mas, mesmo assim, peguei amizade novamente. O ajudei a estudar enquanto estava aqui. Nos divertimos bastante. Mentiras, tudo foi uma mentira. Lucas era tão bom no que ele fazia que conseguiu o título de mago em dois anos, isso porque o poder dele era muito avançado. Assim que conseguiu o título, ele partiu. Só o vi quando Vannir apresentou os 5 soldados infernais ao mundo.
      Fico impressionado com a história dela com Lucas. Não pensei que os dois tivessem esse tipo de ligação. Uma amizade de infância, outra diferente, mas com a mesma pessoa depois de anos. Sempre que citávamos o mago, Helena odiava. Agora, com ela falando sobre ele quando eram amigos, vejo que sente falta do que teve há muito tempo. Helena é boa demais para Lucas.
      — Lucas é um otário, isso sim — o xinguei. — Que tal um Otáriceiro? 
      Helena sorriu.
      — É um bom apelido — concordou ela. —  E você, como conseguiu o novo apelido?
      — A prensei na parede a enforcando e dizendo o quanto a odeio — falei, sem devaneio. — Não é uma história tão grande.
      — Pelo menos Alasca agora acertou no apelido.
      — Ei! — protestei, a empurrando de leve no ombro. — Lucas também acertou, Caféticeira.
      — Não me chame assim, Esquentadinho.
      Fiz uma careta. Esse apelido soa estranho quando outros dizem em voz alta. Eu e Helena nos entreolhamos com nossas caretas de estranhamento. Prometemos sem dizer uma palavra em voz alta que nunca mais esses apelidos idiotas sairão de nossas bocas. Não aguentamos e rimos da nossa desgraça.
      Helena me levou para uma casa sobre as rochas das montanhas. A ponte de madeira leva para várias estadias construídas no desfiladeiro. Muitos feiticeiros pegam água no rio.
      A filha de Dulce abre a porta da casa. Na sala, Amélia está com um prato de sopa em mãos, dando para uma mulher sentada em uma cadeira no meio da sala. No canto da boca da mulher, um pouco de baba escorre, a qual Amélia limpa gentilmente com um pano. O cabelo preto está bagunçado e preso em um rabo de cavalo mal feito.
      — Heloisa — saudou Helena carinhosamente. — Como ela está?
      — Apenas fica resmungando e não quer falar com ninguém — disse Amélia, desanimada. — Estou tentando dá sopa para ela, mas Heloisa gosta de comer com Isaac.
      A mulher na cadeira de balanço ficava balançando a perna repetidamente e resmungando tão baixo que nem minha boa audição consegue compreendê-la. O olhar dela era desconfiado. Olhava para Amélia, para mim e Helena de uma forma nada amigável, querendo nos afastar.
      — Quem é ela? — perguntei.
      — Heloisa foi a maga que entrou na cabeça de Frank para estudá-lo e coletar informação do Inferno. A mulher nunca mais foi a mesma depois que ficou apenas 5 minutos com sua magia no soldado infernal — disse Helena. — Heloisa é mãe de Isaac. A mulher esbanjava poder, tinha potencial de se tornar uma Matriarca. Por isso, recebeu o trabalho de trazer para as Montanhas as informações do outro mundo. Isaac é cobrado dia e noite para ser feiticeiro igual a mãe. Meu amigo nunca conseguiu passar da primeira fase, e isso faz anos. Isaac não é um feiticeiro com poderes igual Heloisa, mas acha que só dará orgulho a mãe se ser tornar um mago como ela foi.
      Tenho uma dívida com o feiticeiro iniciante. Isaac treina para passar da primeira fase há anos, e agora nem consiga mais por ter mentido para todas as Matriarcas. Admiro o feiticeiro, pois eu mesmo já teria desistido de tudo há muito tempo.
      — Tinha dor, depois escuridão. Mais dor e sofrimento — dizia Heloisa para Amélia, explicando. — Gritos, muitos gritos ao redor. Purificação para outra carne por ter sentido o sentimento proibido. — Heloisa chegou mais perto de Amélia, como se fosse contar um segredo. — Não conte a ninguém, mas dois deles foram purificados. Tinha dor fisicamente e dor de ver outro sentir tanto sofrimento quanto.
      — O que ela está dizendo? — perguntei.
      — Ela me contou a mesma coisa umas três vezes — disse Mad, já se sentando em meus cabelos. — Heloisa não gostou de mim. Ela disse que não gosta de nada que vem do fogo.
      — Por quê?
      — Ela só diz que não gosta — disse Mad.
      A porta da casa é aberta mais uma vez.
      — Mãe — cumprimentou Isaac, indo até sua mãe e beijando-a na testa.
      Amélia dá um sorriso de conforto ao feiticeiro iniciante. Isaac pega o prato de sopa das mãos de Amélia e senta onde uma vez a curandeira estava.
      — Meu filho, onde esteve? — perguntou Heloisa.
      — Trabalhando — disse Isaac com carinho. — Como você está?
      — Tinha dor, depois escuridão. Mais dor e sofrimento — explicou ela para o filho. — Gritos, muitos gritos ao redor. Purificação para outra carne por ter sentido o sentimento proibido. — Heloisa chegou mais perto, para contar o segredo dito para todos que ela ver. — Não conte a ninguém, mas dois deles foram purificados. Tinha dor fisicamente e dor de ver outro sentir tanto sofrimento quanto.
      — Já me contou isso. Agora tome um pouco de sopa. — Isaac levou uma colher cheia de sopa a boca de Heloisa, a qual abriu a boca e tomou. Isaac sorrir satisfeito. — Essa é a minha mulher guerreira.
      — Você é uma benção. — Heloisa alisou o rosto do filho com carinho. — Irei protegê-lo de todo o mal que querem fazer com você. Bom demais para esse mundo perverso. Bom demais para mim.
      — Mãe, já disse que sou um homem grande. Não posso ser alto, mas já sou adulto.
      Isaac fala com carinho. O sorriso do filho direcionado para mãe faz com que ela sorria e comesse a sopa devagar.
      Me pego parado admirando o feiticeiro iniciante cuidar da mulher da vida dele. Já dei sopa para minha avó quando ela ficava doente. Eu sei que não é a mesma coisa, mas do jeito que Isaac interage com Heloisa era igual como interagia com Aurora. Sempre simpático em cada palavra, não forçadamente, e sim por estarmos tão confortáveis com a nossa companhia que não ligamos para as pessoas ao redor.
      Peguei um banquinho de madeira que estava na sala e me sentei do lado de Isaac, enquanto ele alimenta a sua mãe. Heloisa voltou a resmungar, mas sempre sorria para o filho e comia quando ele levava a colher cheia de sopa para ela.
      — Obrigado por não ter dito nada — agradeci, sincero.
      — Não sei se fiz certo ou errado — admitiu ele. — Mas agora já é tarde para voltar a trás.
      — Por que não contou?
      — Gosto um pouco das Montanhas Enfeitiçadas, mas admito que algumas Matriarcas não me agradam. Tipo as duas que ficaram do lado de Lucas. Elas me dão medo e não gostam de mim. Para falar a verdade, ninguém gosta de mim. — Isaac levou mais uma colher de sopa para Heloisa. — Aqui, ninguém fala muito comigo. Dizem que dou má sorte porque estou anos com a mesma capa. Não me sinto em casa.
      — Se não gosta daqui, então por que deixou o lugar que morava pelas Montanhas? — perguntei.
      — Eu morava no Reino do Ar em uma pequena comunidade, apenas com humanos. É bem isolada e tranquila, poucos sabem como chegar lá. Cresci com minha avó e meu avô enquanto minha mãe vivia aqui nas Montanhas, mas sempre voltava para casa a noite. Lá também não me sentia em casa, as pessoas sempre me julgavam, me davam apelidos ofensivos. — Isaac deu mais sopa a mãe. Percebo que ele não gosta de falar sobre ele mesmo. — Quando minha mãe ficou assim, convenci aos meus avós de me deixarem vir e treinar para ser mago. Quero ser mago pela minha mãe, pois será eu que encontrará a cura disso. Então escuto me criticarem e me humilharem. Finjo que não machuca, sendo que dói muito. Só não desisto porque tudo que faço é por ela.
      A cada palavra que sai de Isaac, só me deixa mais admirado pela força do feiticeiro iniciante. Entendo ele. Ouvi os outros o criticando dia e noite é algo horrível, mas a partir do momento que você não luta apenas por si mesmo, as coisas ficam complicadas. Isaac luta pela mãe dele.
      — Você e Helena ainda terão uma capa preta no lugar daquelas duas que ficaram do lado de Lucas — falei, confiante. — Será um dia Grão-Mago.
      — Grão-Mago? Hum, gostei disso.
      Apertei o ombro dele, em conforto.
      — Isaac, se um dia eu poder te ajudar em algo, farei o meu melhor. Obrigado por não ter dito nada.
      — Vá salvar a Árvore, Nicolas. Isso já é o suficiente para mim. Salve todos que eu salvarei a minha mãe.
      Assenti antes de me levantar do banquinho. Sorri para Isaac, oferecendo-lhe conforto e força com todos que ousam o criticar. Apontar o dedo é fácil, mas duvido muito que quem o critica possui um terço da força do feiticeiro iniciante. Outro motivo para enfrentar tudo que virá pela frente é para viver o suficiente para ver Isaac e Helena com uma capa preta e sentados nos lugares das duas Matriarcas que preferem os 5.
      Quando eu ia sair, a mãe de Isaac segurou o meu pulso direito bem apertado.
      — Quem é você? — perguntou ela, me encarando seriamente com seus olhos azuis.
      — Mãe, o solte! — pediu Isaac.
      Heloisa girou o meu pulso, observando a tatuagem de luas presas com fitas. A mulher colocou o ouvido perto da tatuagem, depois arregalou os olhos. Heloisa agitou-se.
      — A morte será uma benção para você — pregou Heloisa. — Você está errado. Tudo dentro de você está errado. Isso não estava nos planos. Algo deu errado. — Heloisa ficou pensativa. — Você está errado. Não consegue sentir isso? O errado dá história é você. Coisas erradas tendem a trazer destruição.
      — Como assim? — perguntei, confuso.
      — O plano deu errado, e isso não deveria acontecer. — Heloisa largou o meu pulso e começou a resmungar consigo mesma. — Será que eu conto? Não posso fazer isso. Mas se eu não contar ele continuará errado. Mentiras, isso sim que está acontecendo. O plano deu errado, e agora? O dragão e o místico não possuem a verdade.
      — O que ela está falando? — perguntei a Isaac.
      — Eu não sei. — O feiticeiro está tão confuso quanto eu. — Mãe, o que quer dizer com isso?
      Heloisa levantou-se em um pulo rápido de seu assento e segurou-me pela gola da camisa, me encarando, com os olhos arregalados.
      — Descubra o que está errado — pediu ela seriamente. — Você precisa se permitir sentir e deixar fluir. Pare de conter! Quando finalmente admitir o que sente, estará pronto para ser tornar aquilo que foi escrito no seu destino. Seja a esperança, portador. Seja finalmente o primeiro da sua espécie.
      — O que quer dizer com isso? — perguntei.
      A mulher olhou para Isaac e sorriu alegremente, voltando a se sentar na cadeira dela.
      — Meu filho, minha benção — disse ela com carinho. — Eu não o mereço. Você foi um presente para mim. Sua mãe apenas é um peso.
      — Mãe, não se lamente — pediu Isaac.
      O feiticeiro me pede desculpas com o olhar.
      Meu coração está acelerado. Tudo que Heloisa me falou se passa pela minha cabeça. Não estou errado, me sinto tão certo como nunca estive antes. Saio da casa ainda sem saber como reagir com o que aconteceu aqui dentro. Mad, que estava em meus cabelos presenciando tudo que aconteceu, tenta me confortar dizendo que a mulher não sabe o que está falando. A mãe de Isaac não parece compreender muita coisa, mas suas palavras pareciam as coisas mais compreensivas que ela já disse a alguém, mesmo que sejam sem sentido.
      Vou até uma proteção na frente da casa e me acomodo nela, tendo a visão perfeita de todos os feiticeiros abaixo. Eles estão agitados, sempre lendo livros e ditando magias.
      — Eu acho que você não tem nada de errado — falou Amélia, se acomodando do meu lado e observando todos embaixo comigo.
      — Então sou certo? — perguntei.
      — O mais certo possível.
      Sorri pelo o que ela disse. Minha amiga sabe que não tenho nada de errado, e ouvi-la dizer isso me faz ficar melhor. Amélia é curandeira e já examinou cada cantinho de mim e nunca encontrou algo de errado. Se a curandeira me acha certo, então não irei discordar.
      — Você anda tão ocupada que não conseguimos mais nos falar por mais de dois minutos — comentei.
      — Então me convide para sair — disse ela, corando um pouco.
      Nunca chamei Amélia para sair como um encontro. Sempre vou até ela na Ala-médica, ou ela vem até mim nos treinos e nos estábulos. Já até a ensinei a andar de cavalo, sendo que eu nunca tinha andado antes — tive que aprender a montar um nos tempos livres de Oliver, assim, ensinei a curandeira a cavalgar.
      Há uma semana que Zenny enche a minha paciência para acasalar, então não quis ficar perto de Amélia para não rosnar para ela com raiva como rosnava para todos. Meu prazer estava sendo convertido em raiva porque não tínhamos ninguém para acasalar. Agora o que mais tenho é raiva, apenas quero brigar sem motivo algum. A minha noite de diversão se tornou um pesadelo, e foi ampliada para mais dias com o meu mais novo inferno pessoal. Ainda quero ficar com alguém, mas não tenho tempo para isso. Não estou muito no clima de ficar com alguém enquanto outros morrem.
      Gostaria de sair com Amélia para um lugar legal. Conversar e se divertir por algum tempo. Sinto atração nela, isso está nítido, mas realmente gostaria de sair para se divertir com ela como bons amigos.
      — Amélia Monteiro, aceita sair comigo? — perguntei.
      — Nicolas Flames, eu aceito — disse ela.
      — Já aceitou, não pode voltar atrás — falei, fingindo estar exaltado, ocasionando risos dela. — Prometo que assim que der, a levarei para sair.
      Amélia segurou a minha mão e a apertou, me oferecendo conforto.
      — Helena contou que você é o responsável das respostas. Nicolas, estou aqui para te apoiar, e seus outros amigos também.
      Apertei a mão dela e puxei para mim, a beijando na testa.
      — Obrigada — agradeci, sincero.
      Ela repousou a cabeça em meu ombro e colocou seu braço entorno da minha cintura. Descanso minha cabeça sobre a dela.
      Não sinto nada de errado agora. Tudo parece tão certo. Amélia parece certa, certa demais para mim. Tenho amigos leias, uma família incrível. Agora tudo está desmoronando, mas não sinto nada de errado... Tudo está tão certo que parece errado. Algo me incomoda e isso vai além da Árvore da Vida. Certo demais, tudo a minha volta está certo demais para mim.
      — Há algo de errado — disse Zenny.
      Falta algo, e não sei dizer o que. No fundo eu sinto que falta algo para me completar, me deixar certo. Embora eu não saiba bem o que eu quero.
      As palavras de Heloisa se passam em minha cabeça.
      O errado da história sou eu.


A Árvore da Vida - Parte 1 ( Volume 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora