Maya

5 0 0
                                    

Uma irmã é capaz de destruir o mundo para ter a outra viva. E a outra irmã é capaz de salvá-lo para ter sua irmã respirando.

Sem reação.
      Não tenho expressão enquanto observo o castelo do Reino da Terra.
      Helena nos levou para a grande entrada do castelo. Estamos caminhando uns cinco minutos no pátio do palácio para chegar até o portão que nos leva para dentro. Ao nosso redor, só se ver jardins cheios de flores de várias cores vívidas. Já tropecei duas vezes de tanto que olho para cima, querendo ver a altura toda do castelo, mas não passo de uma formiga perto de todas as enormes rochas de pedras que formam o belíssimo palacete. Estamos chegando perto de um portão com guardas da terra usando uniformes marrons da cor do tronco de árvore.
      Vejo que há muitos soldados reunidos, e todos fazem a guarda de alguém... não alguém qualquer, do rei. Quanto mais chego perto, mais vejo Alan perfeitamente. Não me aguento de curiosidade: forço meus olhos, ampliando minha visão.
      Alan usa um belíssimo terno verde — o tecido parece folha —, com uma árvore entalhada no tecido com dourado brilhante feito com ouro em pó. O cinto preto prende bem as calças marrons no corpo do rei. O cabelo castanho escuro está bem alinhado em sua cabeça, sem nenhum fio fora do lugar. Alan não parece um soldado como o seu marido Kristof, que já foi general. O rei que possui o sangue puro dos primeiros governantes desse mundo parece mais calmo, de certa forma. Enquanto Kristof me recebeu com um olhar sério e a cara carrancuda, o seu marido agora me recebe com um sorriso simpático.
      — A Anciã me informou que viriam — a voz do rei soou em uma leveza surpreendente. — Nicolas, soube um pouco da sua história, e admito que não acreditei. Vendo em minha frente, acho que tudo que contaram é verdade.
      Helena e Oliver fizeram uma reverência ao rei como cumprimento. Eu repeti a mesma ação que eles, mostrando respeito ao homem que muitas vezes foi questão na minha prova quando eu era criança e precisava aprender sobre os reinos. Alasca cruzou os braços e não se curvou. Só não a ordeno a se curvar porque eu sei que vamos brigar, e não quero que o rei Alan me ache uma pessoa estressada, até porque sou calmíssimo.
      — Espero que o que saiba sobre mim sejam coisas boas — falei para descontrair.
      — Depende de quem contou a história. Ouvi tantas coisas boas, quantos ruins. Não irei julgá-lo em nada, deixarei eu mesmo tirar minhas conclusões o conhecendo pessoalmente. Já que está aqui e trouxe a 5, então possui pontos positivos comigo.
      — Fico feliz. — Sorri.
      — Helena — saudou Alan. — Oliver — o saudou. — Mad, fico feliz em recebê-la novamente. — Alan olhou para Alasca. Esperei que ele mudasse a expressão, mas continuou intacta na suavidade de suas maçãs do rosto e o olhar cativante. — Lembra-se de mim? Porque lembro-me perfeitamente de você.
      — Claro que me lembro de você. Como eu poderia esquecer o rei na sala da minha casa me vendo ser arrastada com Vannir até o Inferno — disse Alasca friamente. Pelo o abaixar dos olhos em lamento de Alan, não era essa bem a lembrança que ele falava.
      — Continua com a língua afiada de sempre — falou o rei. — Venham comigo, não temos tempo de jogar conversa fora.
      O rei se virou e começou a andar para além do portão com os guardas. Seguimos o rei. Há no mínimo dez soldados que andavam com as mãos nas espadas enquanto encaravam Alasca caminhando entre eles. Cada soldado está pronto para matar a 5 se ela respirar errado. Pouco me importo se tenho que me intrometer em alguma luta. A vida de Alasca é minha, e nenhum soldado do Reino da Terra tirará esse poder de mim.
      Arregalo os olhos assim que passei pelo portão.
      Os jardins por essa parte não hão mais nada vivo. Vigas espinhosas tomam conta do lugar. O colorido que se via, agora foi substituído pelo cinza. Agradeço que não comi muito no café da manhã para não colocar nada para fora do meu corpo, porque agora ao invés de caminhar entre rosas, caminho entre corpos. No chão, há corpos cobertos com pano branco. Curandeiros correm de um lado para o outro tentando ajudar quem ainda está vivo. Tosses secas é ouvido a todo momento. Estou espantado com tudo que presencio.
      O reino que mais conserva a vida, agora morre.
      Um dos soldados que nos escoltavam começou a tossir e cuspir sangue no chão. Alan sinaliza que dois soldados levem o guerreiro para um curandeiro. O soldado estava bem, ele nem demonstrava estar passando mal. Simplesmente começou a tossir do nada. Qualquer um, em qualquer lugar e qualquer momento pode morrer em um piscar de olhos. Isso é um pesadelo.
      Entramos no palácio. Só não fico admirando a arquitetura belíssima do lugar porque minha atenção sempre vai para curandeiros correndo de um lado para o outro. Vejo feiticeiros lendo livros enquanto andam, e pelos seus olhos cansados cheios de olheiras sinaliza que não estão dormindo à noite. Ver de perto tudo que está acontecendo é mil vezes mais aterrorizante.
      — Queria ter tempo para sentar e conversamos sobre o que aconteceu em Odrianna, mas ter Maya saudável e disposta a nos dizer como ajudar a Árvore da Vida é mais importante — disse Alan em um lamento profundo. — Além do meu povo morrer em menos de minutos, meu marido adoece a cada segundo. Os que ficam doentes espalhados no reino, eu os trago para ter assistência médica. Infelizmente, está tendo mais doentes do que curandeiros. Sem curar a Árvore da Vida, todos irão morrer.
      Alan possui toda razão. Não é hora de jogarmos conversa fora. A cada segundo que se passa, pessoas morrem do nada. Até agora parece que o Reino da Terra que sofre mais com mortes frequentes, não sei dizer se é por causa da árvore está plantada aqui e seus seres mágicos serem mais ligados a ela.
      Às cegas. Estamos às cegas correndo contra o tempo que não temos.
      O rei parou em frente a uma grande porta. Maya está atrás dela.
      — Alasca...
      — Não precisa me ordenar para falar com Maya — disse ela, me interrompendo. — Não quero minha ninfa morta. Alan, deixe-me ir até Maya.
      O rei assentiu.
      Os guardas abriram a grande porta de madeira. Mais uma vez, fico boquiaberto. O lugar é enorme. Em todos os lugares possui árvores e plantas variadas além de flores. Uma floresta dentro do próprio castelo. Os pássaros cantam das árvores uma melodia sincronizada e tranquilizadora, como se cantassem para alguém em desolação: cantam para Maya. Acima possui um teto de vidro que deixa a luz do sol entrar para fornecer nutrientes necessários para a floresta do castelo. O chão é a própria terra, cheia de folhas e gravetos secos espalhadas. O lugar é úmido e reconfortante.
      Realmente é uma floresta particular.
      Algo me diz que esse lugar foi feito justamente para Maya, já que os reis desse território queriam a ninfa junto a eles, protegendo-a de cada arranhão. E mesmo com toda a proteção, não foi o suficiente para proteger Maya de se ferir.
      Seguimos Alan até uma árvore com troncos grossos em giratória. Ele parou e olhou para o chão perto da árvore. O grosso tronco não deixa ver o que o rei encara, mas eu sei que ele olha Maya.
      — Maya — chama o rei com carinho. — Alguém veio te ver. — A ninfa nada responde. — Maya, ela veio aqui por você.
      Alan sinaliza para ir até ele. Caminho até o rei, e quando olho para baixo, meu coração derreteu-se inteiro, ocasionando dor interna ao ver a pobre ninfa.
      Bastante folhas foram postas no chão para a pequena ninfa se deitar no conforto que a natureza fornece. Maya está encolhida abraçada com o caderno que um dia foi de Alasca. Os cifres de galhos não possui nenhuma flor, e um deles está quebrado. A pele, igual casca de árvore, agora possui furos pretos, como se cupins tivessem roído a pele da ninfa, transformando-a em pó. O vestido feito de folha está completamente cinza. Os cabelos de cipós, que eram verde musgo, agora estão ficando negros.
      A ninfa gentil e simpática não existe mais. Maya morre a cada segundo.
      — Maya — chama Alasca, a voz presa no fundo da garganta, querendo ter forças de falar enquanto observa o estado doentio da ninfa.
      Maya se vira aos poucos, querendo encontrar a dona da voz e ter a certeza que não é coisa da sua cabeça. Os olhos de Maya agora estão sem o brilho admirável de antes. Ao observar Alasca, lágrimas surgiram, um alívio libertador de ver a irmã realmente lá tão perto de si.
      — Alasca — a voz da ninfa agora está falha, repleta de emoções.
      A soldado se ajoelhou do lado da ninfa.
      — Eu tô aqui, Maya — disse Alasca docilmente, segurando a mão de Maya e beijando os dedos da ninfa. — Eu tô aqui, minha ninfa radical.
      — Você não me quer — falou Maya, triste, encolhendo-se mais em si mesma. — Disse que não temos mais nenhuma ligação. Você se foi... Você se foi porque eu briguei com você.
      Alasca negava com a cabeça.
      — Eu não te mereço, por isso disse que estava livre de mim. Te deixar presa comigo seria cruel demais. Eu mereci cada palavra sua, e adorei a minha ninfa radical me dando bronca. Maya, você é a única que pode brigar comigo o quanto quiser.
      — Então, não foi embora por minha culpa? — perguntou Maya, confusa. 
      — Nunca teve culpa de nada. Maya, você não merece viver presa a mim. Eu não mereço o seu amor, a sua proteção. A minha ninfa radical merece ser feliz com amigos que a façam sorrir, não a alguém que faz derramar lágrimas.
      — Mas eu quero viver para todo o sempre com você.
      — Maya, viver presa a mim é pedir para sofrer. Tudo que toco tende a ser destruído. Não importa o tempo, uma hora será tomado de mim da pior forma possível ou eu mesmo estragarei com um tempo.
      Cada palavra de Alasca é gentil enquanto fala com Maya.
      A 5 não passa de uma destruidora. O que ela toca tende a ser destruído, e tudo isso é culpa dela mesma. A soldado consegue convencer todos com palavras simpáticas e olhares preocupados. Alasca mente para Maya, e a ninfa acredita em cada palavra. Mentira... Cada palavra que sai da boca da soldado são planejadas e mentirosas. Eu nunca acreditarei em nada que venha dela.
      — Mas você fala que eu sou uma ninfa radical. Ninfas radicais aguentam tudo. Uma vez você falou que seria nós duas contra o mundo. — Maya tossiu. Um pouco da pele da ninfa se desfarelou. Meu coração aperta com isso. — Eu sou uma ninfa que aguenta desafios. Vamos ser nós duas contra o mundo. Para te provar que sou forte, pega aqui. — A ninfa ergue o caderno que abraçava para Alasca. A 5 pega o caderno que uma vez foi dela, e fica pasma. — Deixei ninguém tocar.
      — Você guardou — sussurrou Alasca, surpresa.
      — Ninguém merece tocar nesse caderno. As pessoas são fracas e perversas. Só não o queimei porque eu queria te encontrar para devolver, assim você lembraria que um dia conseguiu... — Maya olhou ao redor. Quando ela viu que não estava sozinha com a irmã, parou de falar. Maya me encarou com os seus olhos cansados, e os arregalou como se algo tivesse surgido em sua cabeça. Então voltou a olhar para a irmã. — O portador conseguiu quebrar o colar. Você está livre. Está livre. — Maya abriu um pequeno sorriso. — Livre. 
      Alasca senta do lado de Maya, colocando a cabeça da ninfa no colo, e delicadamente alisa os cabelos da irmã. A soldado suspira. Antes de voltar a sua atenção para a ninfa, me olha discretamente.
      Quebrei o colar, mas Alasca não está livre. Nunca quis ordená-la, e em nenhum momento contribui para ter a alma dela. Lucas, o seu próprio irmão, que é o responsável. O mago me prendeu segurando o colar enquanto ele explodia ao meu redor, me fazendo absorver aquela magia azul gelada: a alma dela.
      — Maya, não vou menti para você — disse Alasca. — O idiota ali... — Apontou para mim. Engulo a intensa vontade de mostrar o que o “idiota” aqui pode fazer. — ... agora pode me ordenar.
      Maya lançou-me um olhar de lamentação.
      — Vai machucá-lo para ser livre? — perguntou Maya, encolhendo-se com as próprias palavras. — Vai começar tudo de novo. Isso nunca termina.
      — As coisas agora estão diferentes. Estou presa, mas não é com Vannir ou com Ira. Pouco me importa de... enfim. — Eu sei que ela não falou que foi machucada por mim para não preocupar Maya. — Maya, eu vi o pôr do sol do alto de uma colina. Depois corri na floresta até cansar, o mais longe que eu consegui. Ira e nem Vannir estavam lá me vigiando, e nem ninguém. Estou presa, mas eu consegui respirar depois de anos. — Alasca alisou a bochecha de Maya delicadamente. — Eu tinha um plano. Queria voltar para você quando eu fosse livre. Então sim, eu pensei em machucá-lo fortemente, e ainda penso. Achei que você estivesse bem, feliz. Maya, sem você eu não tenho mais nada.
      — Sou verdadeiramente feliz do seu lado, irmã.
      — E você é o meu viver, Maya. E se você desistir, eu também vou. — Alasca fez Maya encarar bem seus olhos, para a ninfa ver o quão sério era o seu dizer. — Pensei em você todos os dias enquanto estava com Ira, porque era o que me dava forças para continuar viva. Saber que aquele príncipe vivia no mesmo mundo que você, era o meu pior pesadelo. Luto por você. Luto por você e não por mim. Então lute também, minha ninfa radical, porque se você partir desse mundo, eu estarei sozinha e não terei mais nada para lutar.
      Maya arregalou os olhos.
      — Não pode desistir! — protestou a ninfa.
      — Então você também não. Aqui, pegue isto. — A 5 devolveu o caderno. — Só não fico com isso porque um tal místico que pode me ordenar é curioso e pode me ordenar para ler.
      Alasca olha para mim. Reviro os olhos. A 5 está certa. Se ela ficasse com o caderno, pediria para ler. Maya enforcou Mathias por causa desse caderno, e minha curiosidade de saber o que tem escrito me consome desde que Caleb e Ravi me contaram que Maya é mais poderosa do que demonstra. Zenny é outro curioso que se mesclou comigo e fez tudo em mim se multiplicar.
      — Maya — continuou Alasca —, para proteger isso, você precisa estar saudável e forte. Essa, minha ninfa radical, é a sua missão. Proteger esse caderno. Se alguém lê-lo, lá se vai minha pose de menina má que venho preservando até agora. Não posso correr o risco, tenho que manter o título.
      Maya abriu um sorriso.
      — Pode deixar. Eu sou uma ninfa radical — disse Maya, determinada. — Sou uma ninfa radical que protegerá o caderno. Ninguém... — Maya olha para mim e aperta os olhos como se quisesse me afastar apenas com esse gesto — Ninguém curioso irá lê-lo.
      — Isso aí! — empoderou-se Alasca. — Vamos, coma algo. Nunca vi uma ninfa mais decaída como você.
      — Aqui — uma curandeira ninfa entrega uma bandeja com frutas frescas para Alasca.
      — Coma, Maya — pede Alasca, colocando as frutas no colo da ninfa.
      Maya senta-se com dificuldade, mas consegue encostar as costas no tronco da árvore. A ninfa pega uma uva e começa a comê-la bem devagar, como se cada mastigada doesse.
      — Posso falar com Selene depois? — perguntou Maya.
      — Ela te ouve — falou Alasca. — Selene está tão contente com você comendo. Ela disse que faz muito tempo que você não toca nas nuvens, então talvez um dia te leve para voar novamente.
      Selene.
      O nome da dragão de Alasca é Selene.
      — Dragão mal-educada, nem se apresentar quis — reclamou Zenny. — Eu sei que não estávamos abertos para diálogos ou apresentações aceitáveis, mas falar o nome não mataria ninguém.
      Zenny ainda não entendeu que Alasca não possui educação, e a dragão também não. Minha mãe me ensinou a ser educado, então sou o mais possível — às vezes nem tanto. Com ou sem nome, em breve morrerá do mesmo jeito.
      Alan se agacha até Maya.
      — Maya, eu sei que está bastante doente, mas precisamos da sua ajuda. A Árvore da Vida morre, e as raízes também, matando a vida daquela raiz. A Anciã disse que Trera chama o seu nome. Você sabe como ajudar? — perguntou Alan gentilmente.
      Maya virou a cabeça como se não estivesse compreendido.
      — A Árvore morre? — perguntou ela, confusa. — A Árvore não devia morrer, ela dá vida. Isso é ruim.
      — Sabemos disso — falei. — Mas ela morre e mata todos com ela. Sabe como ajudar?
      Maya ficou pensativa.
      — Como é que ela morre? — perguntou Maya.
      — Não sabemos — disse Alan.
      — E como querem que eu ajude se não sabem de nada? — perguntou a ninfa, mais confusa ainda.
      Maya possui razão. Ninguém sabe se a Árvore foi envenenada ou qualquer outra coisa. Achar a cura para algo que ainda não identificamos é quase impossível. A ninfa estava doente esse tempo todo — ainda está —, ela não deve saber nada que acontece no mundo externo dessa pequena floresta dentro do castelo. A Anciã disse que Maya talvez saiba como ajudar, e não que ela sabia o que mata a Árvore. Arregalo os olhos de leve agora entendendo o motivo de estarmos aqui.
      — Maya precisa saber como a Árvore morre — falei para eles. — Temos que descobrir isso e falar para a ninfa. Se descobrirmos, talvez Maya saiba como ajudar melhor.
      Maya não pode morrer porque ela deve ser a única ninfa que saiba como ajudar. Mas, Maya não pode pensar em nada cabível se não tiver conhecimento sobre o que ocasiona tal adoecimento da planta. A ninfa não possui respostas, nós temos que procurar para ela.
      Alan e os demais arregalaram os olhos, chegando na mesma conclusão do que eu. Nossos problemas parecem acumular ainda mais.
      — Vamos falar com a Oráculo — falou Helena. — A Anciã disse para irmos vê-la.
      — Ela está aqui? — perguntei.
      Helena negou.
      — Nas Montanhas Enfeitiçadas. Temos que ir lá.
      — Hoje não será possível — informou Alan.
      — Por quê? — perguntei.
      — Porque a Oráculo recebe apenas um por dia, e hoje um dos meus pensadores mais experientes foi visitar o ser sagrado para conseguir respostas com tudo isso.
      — Isso é um caso sério, a Oráculo precisa abrir uma exceção — falei.
      — Se ver o futuro fosse tão fácil assim, então todos iriam ver a Oráculo — disse Alan, querendo que eu compreenda a situação melhor. — A Oráculo não abre exceção, nem a Última Guerra ela deixava que dois entrassem para encontrar respostas. Mandarei uma carta para as Matriarcas, nas Montanhas Enfeitiçadas, pedindo que ninguém visite a Oráculo amanhã. Como o meu pensador foi antes do sol nascer vê a Oráculo, tentem chegar nesse mesmo horário.
      — Então ficaremos parados até amanhã enquanto a Árvore morre? — perguntei, perplexo.
      — Não podemos fazer nada — lamentou Alan. — Mas se querem ajudar, então fiquem e ajudem os curandeiros com os doentes. Meu povo não consegue ver sangue, isso os afetam bastante. Poucos ajudantes disponíveis para ajudar os curandeiros se voluntariaram.
      — Ficaremos — garantiu Oliver, determinado.
      Ficar e ajudar será melhor do que ir para a mansão e esperar sentados que um de nós caia morto no chão. Alan nos direcionou para a saída da sua floresta particular. Fiquei receoso em deixar Alasca com Maya e Mad aqui, mas a ordenei que não machucasse ninguém; além disso, dez soldados armados até os dentes ficaram vigiando a 5.
      Deixando o palacete, a confusão só multiplica. Alan nos apresenta os curandeiros chefes: um sátiro de meia idade com a barbicha já branca e uma ninfa que perde flor no cifre a cada paciente que ela corre para socorrer — se continuar assim, em poucos dias o chifre florido não terá mais nenhuma flor.
      Helena ajuda abrindo portais e trazendo os pacientes de outras partes do reino para o castelo. Eu e Oliver não somos curandeiros e não sabemos como ajudar direito, então ficamos correndo de um lado para o outro pegando plantas medicinais perfeitas para fazer chás — agradeço ao meu bom olfato que me ajuda a identificar o cheiro das plantas que pra mim parecem iguais. Vejo Alan de vez em quando ajudando os curandeiros aqui fora, mas também vejo o rei conversando mais com outros que possuem livros nas mãos.
      Descobri que Alan e Kristof são elementares, ou seja, apenas dominam seus elementos e não podem transfigurar para outra carne como os místicos. Também descobri que o rei Alan possui uma sabedoria exuberante. Não me admira que seja o sangue puro da terra. O rei geral deve dá jus ao título do reino mais inteligente entre os quatro continentes.
      Ficamos no Reino da Terra até o sol se pôr, depois disso, nos despedimos de Alan e voltamos para casa.
      Maya não quis ficar longe da irmã, e deixar Alasca no reino não é uma opção. O rei Alan disse que tudo que Alasca fazer, recairá sobre minha responsabilidade, já que eu posso ordená-la e ela não está presa pelos seus crimes. Helena e Oliver não discordaram, apenas balançaram a cabeça concordando. Não quero começar uma guerra com o continente porque Alasca matou mais um rei ou destruiu o reino. Eu mal sei cuidar de mim, agora preciso tomar as dores de uma assassina que mata sem aviso prévio.
      — Maya — chama Thomas assim que passamos pela porta da frente da mansão e guardávamos os casacos nos cabides do hall da entrada.
      Maya sorrir para o amigo dela. A ninfa corre até o meu irmão de braços abertos. Thomas se agacha para ficar quase do tamanho da ninfa e a abraça assim que Maya chega nele. Não consegui conter um sorriso entre os lábios quando vi meu irmão alegre pela amiga.
      — Obrigada por ter ido me visitar — disse Maya, contente.
      — Maya, não precisa me agradecer — disse Thomas, sorrindo. — Estou tão feliz em te ter aqui.
      — Então lave o cabelo e faça os seus cachos — pediu Maya, bagunçando mais os cabelos ruivos do meu irmão, ocasionando risos nele. — Você disse que iria hidratá-los novamente e tocar algo legal para mim, enquanto eu canto. Tô aqui agora, e eu sou uma ninfa radical que vai voltar a ajudar as pessoas.
      Imploro silenciosamente que Thomas faça exatamente isso. Nunca pensei que sentiria falta dos cabelos dele com cheiro de babosa e com cachos bem formados, o deixando mais belo do que já é. Meu coração pareceu errar batidas só de imaginar escutar o meu irmão tocando mais um instrumento musical.
      O sorriso do meu irmão se desmancha quando ele ver Alasca parada ao meu lado, o olhando junto com a ninfa. Thomas se levanta e coloca Maya atrás dele, querendo a proteger.
      — Nicolas, tira ela daqui! — pede ele com os dentes trincados. — Aproveita que sabe controlar o fogo e a incendeie.
      Alasca revirou os olhos.
      — Esquentadinho Júnior, abaixa a bola — pediu Alasca.
      — Do que você me chamou? — perguntou ele com raiva.
      — Ótimo! — bufou ela — Outro surdo.
      — Deixe o meu irmão em paz! — protestei.
      — Deixem vocês a minha irmã em paz — fala Maya, emburrada.
      — O quê? — perguntou Thomas, piscando confuso. — Do que você a chamou?
      Maya sai de trás de Thomas e vem para perto de Alasca, segurando-lhe a mão. Thomas recua um passo com espanto devido a atitude da ninfa.
      — Alasca é a minha irmã — revelou Maya orgulhosamente. — Eu falei que tinha uma irmã.
      Thomas abre a boca, então a fecha como se nenhuma frase se formasse em sua cabeça. Meu irmão olha pra mim. Quando ele percebe que minha cara não é de surpresa igual a dele, franze as sobrancelhas irritado. Sem dizer nada, Thomas descobriu toda a verdade. Meu irmão sabe que eu sempre soube sobre Maya ser a irmã da assassina de Sophia. Me culpo silenciosamente por não ter contado, mas agora é tarde demais.
      — Sua irmã que matou Sophia. —  Raiva, agora Thomas está com raiva da ninfa que antes estava preocupado. — Sua irmã é a responsável de ter me arruinado. Sua irmã é o pior monstr...
      — Não é! — Maya bate o pé no piso de mármore. — Ela fez coisas erradas, mas a culpa não é dela.
      Thomas nega freneticamente com a cabeça. Vou até o meu irmão, tentando o acalmar.
      — Thomas...
      — Não toca em mim! — gritou ele, raivoso. Thomas aponta o dedo na minha cara e me fuzila com os olhos castanhos. — Você sabia e não me contou a verdade. Me deixou perto da ninfa, enquanto ela falava da irmã dela. E eu, como idiota, dizia que Maya estava certa em protegê-la.
      — Não queria que piorasse. — Tentei me defender. — Eu nunca consegui te ajudar. Maya, sim. Eu não podia deixar que piorasse mais do...
      — Cala a boca! — gritou ele. — Tudo que sai de você só é mentiras. Nicolas, eu não confio mais em você. Mas pelo menos uma vez na sua vida faça algo certo. Mate Alasca, agora. Por mim. Pelo o seu irmão.
      Começo a respirar ofegante. Minhas mãos suam ao decorrer que meu corpo esquenta de tensão.
      Não estou com raiva de Thomas por me mandar calar a boca — mesmo que quando ele disse, eu quisesse cortar a língua dele fora. O errado sou eu e reconheço isso. Não posso matar Alasca por causa de Maya. Também não posso falar abertamente agora que irei fazer o que ele quer depois devido a mesma ninfa que precisa da soldado respirando. Sem a irmã, Maya se entregará a solidão, e nem que eu e meus amigos encontrassem todas as respostas sobre a Árvore da Vida, adiantaria alguma coisa se Maya realmente for a única que sabe como ajudar.
      — Thomas, hoje o dia foi complicado — disse Oliver, tentando acalmar as coisas. — Venha comigo tomar um pouco de ar. Quando estiver melhor, então todos poderemos conversar com mais tranquilidade.
      — Não vão matá-la? — perguntou ele, perplexo.
      — Ninguém vai tocar na minha irmã — diz Maya, abrindo os braços na frente de Alasca, como se fosse um escudo contra toda o mal que quer atingir a irmã. — Thomas, eu sei que está triste, mas vamos conv...
      — Cala a boca, Maya! — disse Thomas grosseiramente.
      Maya encolheu os braços e abaixou o olhar tristemente. Alasca rosnou para o meu irmão. A 5 colocou Maya atrás dela e encarou Thomas mortalmente.
      — Vou matá-lo por isso — anunciou a 5, caminhando até Thomas, já com garras nas mãos.
      Me coloco na frente de Thomas e rosno para a 5. Encaro Alasca com pura raiva. A soldado não tocará no meu irmão, nem que eu tenha que destroçá-la na frente de Maya.
      — Mais um passo e vamos ver quem vai matar quem — digo em ameaça.
      Oliver se coloca em nossa frente de braços abertos, querendo impedir que eu e Alasca andasse até o outro.
      — Já chega! — gritou Oliver.
      — Seu Esquentadinho de meia tigela que não serve para nada — xinga-me Alasca —, controle a língua do seu irmão, caso contrário, eu farei isso a cortando fora para nunca mais falar.
      — O “Esquentadinho” aqui — fiz aspas no apelido idiota —, tem poder sobre você. Meio pensamento e te faço comer terra ou se tacar do penhasco mais alto.
      — Vou estripá-lo e dá sua carne para cachorros comerem.
      — Alasca, pare de ameaçar os outros! — protesta Maya. — Eles vão pensar que você é ruim.
      — Sua irmã é ruim por natureza — critica Thomas.
      Maya se encolhe. Alasca tenta olhar por cima do meu ombro e rosna para Thomas mais uma vez. Viro o rosto de leve com raiva da audácia dela de rosnar de novo para o meu irmão. Rosno para a soldado infernal.
      — Pelo amor de Foog — suplica Oliver —, parem de se alfinetarem. Estamos do mesmo lado. Temos problemas maiores do que isso.
      — Todos nós somos amigos — disse Maya gentilmente. — Vamos pedir desculpas e tudo se...
      — Sua ninfa enganadora — acusou Thomas. — Nunca me disse o nome da sua irmã porque sabia que eu odiaria você.
      Maya se encolhe mais uma vez, enxugando as lágrimas que a dor das palavras de Thomas ocasionaram nos seus sentimentos. Maya não nasceu para ser odiada, e ela agora sente a tristeza de novo que falhou com mais alguém, com Thomas.
      — Agora passou dos limites — diz Alasca, entorpecida de fúria e instintos preditivos.
      A soldado infernal tenta passar por Oliver, mas ele se vira para ela e a segura nos seus braços, impedindo-a de chegar em Thomas.
      — Não vai tocar em Thomas! — gritei, furioso.
      Tento bater de frente com a soldado. Oliver agora segura tanto Alasca, quanto a mim. Maya tenta acalmar as coisas, mas Thomas sempre a interrompe, a criticando. Eu e Alasca começamos a nos xingar com todos os palavrões que existe e que não existe. Quando nosso repertório acabou, começamos inventar xingamentos.
      — Você e merda, é a mesma coisa — disse ela.
      — Entre você e ser torturado, eu prefiro ser torturado — falei, o tom de voz alto. — Na verdade, já estou sendo torturado por sua existência, sua filha da put...
      — Gente, já chega! — pediu Helena, me interrompendo.
      Mad começa a me defender, e no final de todo xingamento, solta um: “Maya, nada pessoal com você”.
      — Que gritaria é essa? — Minha mãe perguntou, chegando no cômodo junto com Caleb. Quando ela ver a cena a sua frente, fica pasma.
      Sua atenção vai para Alasca. É a segunda vez que minha mãe vê a soldado, porque a primeira foi quando a 5 estava cortando as gargantas dos aldeões. Mas o que a deixou mais espantada foi ver que Oliver abraça a cintura de Alasca, tirando seus pés do chão e fazendo-a se debater no ar para ela não enfiar as garras no meu pescoço. Érika presencia Alasca querendo me matar novamente. Depois de olhar para a soldado, ela me lança a atenção preocupada, e coloca a mão no coração espantada ao ver o filho dela como um animal sedento por sangue.
      O que me impede de destroçar Alasca é Helena e Maya que estão na minha frente. Meus caninos alongaram, me deixando com a boca entreaberta para não cortar o meu lábio e mostrar quer estou pronto para rasgar carne. Meus olhos transmitem irritação pura. Respiro ofegante, o corpo tenso, os sentidos apurados.
      — Filho... — a voz da minha mãe soou distante.
      Sinto-me sufocado por dentro, mas não me deixo abalar. Não enquanto estou assim para proteger minha família. Sou tão delicado com minha mãe que me vendo assim a deixa embriagada de passar mal, fazendo se abanar com o pano de prato que estava repousando em seu ombro, e abraçada de lado por Caleb.
      Como se nada poderia piorar, elas pioram quando Marta e Miranda descem as grandes escadas, querendo também saber o que está acontecendo. As duas analisaram a situação com precisão, e paralisaram quando souberam o que acontece.
      Ficamos cinco segundos encarando-os antes de voltar a gritaria. Maya agora abraça a cintura de Alasca para ela parar de tentar passar por Oliver. Thomas fica empurrando o meu ombro para que eu consiga logo passar pelo o meu amigo e queimar Alasca viva. As coisas depois disso só pioraram. Agora Caleb ajuda o seu marido a separar a briga. Zenny não para de falar xingamentos como se Alasca fosse ouvi-lo. Já estou ficando com dor de cabeça.
      A porta da frente é aberta. A gritaria sessou para vermos quem entrou. Miguel e Ravi entram já com caras de preocupados. Posso apostar que escutaram a briga ainda quando estavam do lado de fora.
      — Parem! — ordenou Miguel. — Os funcionários estão assustados. O que aconteceu?
      — O idiota do irmão do seu amigo imbecil não sabe como calar a boca — disse Alasca.
      — A 5 escravizada desgraçada não sabe se comportar. Apenas quero ensinar modos — falei.
      — Disse o místico educado — zombou ela. — Esquentadinho de merda, vai se fod...
      — Já chega! — ordenou Miguel novamente.
      — Seu alfa fraco, não tem autoridade aqui — disse Alasca.
      — Vou cortar a sua língua fora — disse Miguel, caminhando até Alasca.
      Ravi se coloca na frente de Miguel, o impedindo de chegar até a 5.
      — Miguel, você está estressado desde que saiu do castelo — falou Ravi. — Não desconte a raiva nela.
      Miguel pode ser alfa, príncipe do não sei o que, mas não vai tirar o que é meu. Miguel já teve a chance dele de matá-la — não conseguiu. Mostrarei como se mata alguém.
      — Ela é minha! — Não me importei de soar possessivo.
      A gritaria e os xingamentos começaram novamente. Ravi segura Miguel. Oliver e Caleb seguram Alasca e eu. Os demais pedem calma e paciência. Quando Maya sentou no chão, tampando os ouvidos, enquanto chorava horrores, aí que Alasca não se importava mais com nada. Ela distribuía socos em Oliver para sair da frente dela. Quero arrancar a cabeça de Caleb que fica me abraçando apertado, me impedindo de matá-la por machucar Oliver.
      Rosnados eram soltos tanto por mim, quanto pelos meus amigos e pela 5. Só não tacamos fogo uns nos outros porque minha família e meus outros amigos estão aqui, e se o fogo sair tão rápido quanto saiu no escritório, então se queimarão.
      — Farto — rosna Zenny. — Estou farto disso!
      Empurro Caleb de perto de mim com força. O cozinheiro cambaleia quase caindo para trás. Quando Oliver viu o que eu fiz, rosnou para mim e só faltou voar no meu pescoço.
      — Não preciso tocar em você para fazê-la sofrer — falei com a voz de Zenny para Alasca, tão grave que a potência do meu timbre rasgou o ar com tanta dominância que saiu em poucas palavras. Sinto meus olhos pegarem fogo. — Eu odeio tudo que venha de você! — Todos pararam de gritar para observarem o meu ódio aumentar a cada segundo pela saldado infernal. — Não queria essa tatuagem maldita que te prende a mim. — Levanto o meu pulso direito que a tatuagem está gravada. Faço garras crescerem em minha mão esquerda. Eu e Alasca nos encaramos com maldade. Não há fogo saindo de mim, mas a temperatura aumentou nesse cômodo por tanto que pressões invisíveis ardentes saem de mim. — Vou tirá-la a força de mim. Não te quero perto da minha família e amigos.  Eu não te quero comigo.
      Arranhei a tatuagem profundamente com minhas garras até perfurar a pele e romper uma veia, fazendo meu sangue pingar no chão como cascatas de cachoeiras.
      Os gritos que esse cômodo presencia agora é apenas da soldado infernal. Mutilo cada lua presa com as fitas, só fazendo Alasca gritar mais de dor. Ela se contorce no chão, chorando em gritos desesperadores. Algo dentro de mim se agita — a alma dela. A dor que Alasca sente não é na pele, e sim, na alma.
      Maya se agacha até a irmã e chora mais ainda me implorando para parar. Marta, Miranda e Érika tampam a boca com a mão, espantadas com a cena que veem. Meus três amigos místicos intercalam os olhares de mim para a soldado. Caleb esconde o seu rosto no peito de Oliver e tampa os ouvidos, odiando o som que estar no ar.
      Thomas mantém o olhar firme, mas está incomodado vendo a assassina de Sophia ser torturada ali no chão, como se algo dentro de si tivesse despertado e mostrado a ele que não é assassino e não possui estômago para fazer o que eu faço.
      Mesmo agoniado por dentro, eu continuo. Não mais por mim, por Thomas. Porque ele mesmo incomodado, será um alívio no fundo do seu ser que Alasca sofreu, e ainda sofrerá mais.
      Por Thomas... Por Thomas... Faço isso por Thomas, dizia mentalmente para mim enquanto me mutilo mais e mais, morrendo por dentro e ocasionado mais gritos de dor em Alasca.
      Paro de arranhar as luas.
      Abaixo as mãos e deixo-a pingando sangue no chão de mármore da mansão. Respiro ofegante. Me sinto estranho, completamente tonto e enjoado. Sinto tantas dores diferentes que me deixa em um estase obscuro de solidão e culpa. Zenny se encolheu em um canto de mim. Algo molhado desce pelo meu nariz. Levo minha mão até ele, o limpando — meu nariz e meus dois ouvidos sangram.
      Então percebo que minhas bochechas estão peguentas. Sem perceber, chorei sem expressar feições faciais, enquanto torturava a soldado infernal, mas não lágrimas líquidas salgadas. O que saiu dos meus olhos foram sangue.
      — Por sol — lamentou Helena, vendo meu estado desprezível.
      Meu corpo perde o controle, fazendo-me cambalear igual bêbado na calada da noite sem rumo.
      — Nicolas — a voz de Oliver saiu distante. — Ele vai desmaiar.
      Minhas pernas falham, mas antes de tocar o chão, Miguel e Oliver me seguram.
      — Chamem Amélia — pediu Ravi a alguém.
      Meu pulso queima e arde. Os gritos de Alasca foram substituídos por gruídos de dor. Como se ela ainda sofresse silenciosamente.
      Sinto-me estranho.
      — Zenny — o chamo em voz alta.
      Meu outro eu, não me responde. Sinto Zenny em mim, mas ele não quer falar comigo. O dragão se encolheu em um canto e não quer sair. Sinto-me estranho. Dentro de mim, as coisas estão bagunçadas e desconsertadas.
      — Eu tô aqui — fala uma voz tão distante. 
      — Coloquem ele deitado — pede alguém.
      Pisco várias vezes, querendo ver as coisas melhores. Fui colocado deitado em algo macio, não sei dizer o que seja.
      — O que está sentindo? — perguntou a pessoa. Pisco mais um pouco. Amélia olha para mim, preocupada.
      — Errado — falo, apenas, a garganta seca e a voz neutra, como se eu não tivesse sentimentos ou emoções para colocar nas sílabas. De certa forma, agora estou tão vazio que apenas existo.
      Me sinto errado.
      Não desmaio, não sinto dor, não sinto nada além de saber que estou errado. Olhando o teto da mansão, sem sentidos, sou examinado por Amélia.

A Árvore da Vida - Parte 1 ( Volume 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora