Prólogo

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Ele não poderia estar mais descrente.

Parecia surreal enquanto segurava o papel do diagnóstico em suas mãos ásperas, parecia absurdamente uma grande falta de sorte e todo o resto, mas principalmente porque algo inconforme estalou-se sob seu estômago, o fazendo sentir a bile amarga subir pela garganta. Will Graham não poderia crer que sua filha, Abigail, a mais doce, gentil e saudável, estava doente. E não doente como uma infecção ou algo que ele pudesse resolver com algumas ligações para sua melhor amiga, ela estava com um maldito câncer se espalhando sob seu cérebro da maneira mais rápida e agressiva possível e sequer sabia disso. Caberia ele dar a notícia, mas Will sequer fazia ideia de como o faria.

Will havia adotado Abigail quando a mesma possuía seis anos, desde então, ele não saberia dizer como era a vida sem o sorriso juvenil e as travessuras da garota. Ele ensinara ela a pescar, a caçar e de alguma forma, Abigail havia curado todas as lacunas sombrias do agente especial. Ela era como um dia ensolarado quando Graham era uma chuva inconstante e apenas pensar na possibilidade de perder seu pequeno ponto de paz e equilíbrio, ele delirava. No sentido literal da palavra.

Abigail tinha dezessete anos, estava frequentemente se queixando de dores de cabeça e ele resolveu a levar em um dos hospitais perto da pequena propriedade em que viviam em Wolftrap. As coisas começaram a ficar sérias quando o médico se recusou a entregar o laudo para ela e a mesma precisou ligar para o pai, ou se atrasaria para aula. Uma semana depois, entre a rotina corrida de ambos, ele conseguiu então buscar o resultado do exame o qual ela fizera e repentinamente todo seu brilho havia sumido. Não que Will tivesse muito.

Ele sabia que com seus privilégios do FBI seria capaz de conseguir os melhores médicos da Virgínia para que pudessem cuidar de sua garotinha, ele não se importava se fossem ficar eternamente endividados desde que Abigail se curasse, entretanto, naquele momento de desespero, era difícil raciocinar algo e em instantes sua primogênita estaria em casa. E o pior de tudo, Abigail iria questioná-lo sobre o exame e então ele teria de falar algo. Algo coerente e teria de ser a solidez de sua família e teria de dizer coisas genéricas, assegurando a garota de que ficaria bem — mesmo sabendo que Abigail era corajosa o suficiente para compreender a morte como um alívio e não uma punição.

O homem já estivera face a face com a morte algumas vezes e sabia o quão desesperador era desejar viver quando todos os dias tudo o que Graham implorava aos céus era uma bala em sua testa ou todos os analgésicos que costumava ingerir fizessem um efeito contrário. Mas aquilo? Aquilo era diferente.

Encostado sob a ilha da cozinha surrada e polida, Will soltou um suspiro e uma série de palavrões em tom alto e inconformado, fazendo com que seus cães latissem agitados. Ele sequer saberia por onde começar e a primeira coisa que fez ao soltar o papel sob o balcão de mármore, foi discar o número de Beverly Katz.

— Bev? — A voz dele estava claramente fora de tom e um tanto alarmada, ele não poderia disfarçar, era um bom ator mas não conseguia fingir nada, não dado o momento atual. — Recebemos o diagnóstico.

— Will? Está tudo bem? — Beverly era uma das peritas que se situavam na equipe especial de Jack Crawford. Will não era um homem social, mas ele adorava a mulher por seu jeito espontâneo e todas as piadas estúpidas que fazia quando estavam cara-a-cara com um cadáver desfigurado. — Você está me preocupando, William, ela está bem? É algo grave?

E Will não foi capaz de responder, não poderia mesmo se quisesse. Tudo o que Beverly recebeu foi o choro estrondoso enquanto o corpo dele deslizava até o chão, ela desejou estar lá para abraçar o amigo, entretanto, acreditava que duas horas de viagem não seriam o suficiente para remover a angústia de dentro dele. Bev não era mãe além de seus cinco gatos, não poderia oferecer algo como a compreensão, mas ela era a amiga mais próxima dele e faria de tudo para que a situação pudesse ter um desfecho positivo. Essa era ela, leal e fiel à aqueles que gostava e possuía apreço.

— Will, você ainda está aí? — Ela perguntou ao que pareciam ser cinco minutos depois e o choro havia se transformado em soluços baixos. Beverly poderia imaginar o quão sozinho ele deveria estar se sentindo agora, sem nenhum apoio referente a qualquer campo físico de sua vida. — Eu não sei ainda do que se trata, mas vamos dar um jeito, sim? Irei falar com Jack o mais rápido possível e conseguir uma consulta com aquele neurologista psiquiatra que traçou alguns perfis para nós no ano passado, lembra? Abigail vai sair dessa ilesa, eu prometo.

Abigail, talvez. Will, nem tanto.

State of Grace | HannigramOnde histórias criam vida. Descubra agora