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J U N G K O O K

Liberdade é uma parada sinistra, e não é de hoje que venho pensando nisso.

Acho que a primeira vez que pensei em liberdade — não literal e especificamente a primeira vez —, foi quando meu corpo estava se consumindo em hormônios, e eu ainda ia para a escola rezando a qualquer entidade bondosa o suficiente para que tivesse pena de mim e não me permitisse ficar de pau duro no meio da sala de aula.

Eram tempos diferentes, mas que carregavam suas dificuldades particulares. Notas, pressão familiar, vontade de bater umazinha toda noite antes de dormir... Os pequenos prazeres da minha adolescência, basicamente, se resumiram em me masturbar e em seguida ir dormir, exausto, ofegante, e me sentindo todo estranho. Na manhã seguinte, lembro de me sentir meio sujo, meio pecador, meio profano, como se tivesse cometido um crime na noite anterior e precisasse agir normalmente perante a sociedade, no atual.

Hoje, não me esforço pra tentar compreender o que pensava daquele tempo, mas acho que dá pra entender se analisar tudo que dizia respeito à mim.

Cresci com o peso nas costas de sempre, sem escapar nenhuma situação, me sentir uma sombra. Sempre me encolhendo, retorcendo, sumindo, pra conseguir caber ou me enfiar em um lugar que claramente não pertencia a mim, mas que eu não era capaz de enxergar. Tinha o dom de me retorcer, mutilar, diminuir e esmagar pra me enfiar em buracos mal feitos e errôneos, na tentativa desesperada de pertencer.

Durante a infância e parte da adolescência, me lembro de não ter amigos; me acostumei a ser a criança sozinha na aula de educação física, sentada num canto, observando as outras brincarem, ou de ser o último a ser escolhido para os grupos nas atividades. O Jungkook é estranho, ele não fala com ninguém, era o que eu ouvia das outras crianças quando passava por elas pelos corredores, quase como alguém invisível. Acho que crianças tem o poder de serem anjinhos, mas também podem ser verdadeiras pestes, já que não medem palavras, ofensas ou atitudes; ainda não existe um filtro de ações e falas, então tudo que sai, tanto pode ser bom, quanto pode ser ruim. No meu caso, eram sempre horríveis.

Foram em raros momentos que eu garanti companhia na escola, com amigos que se diziam amigos, mas não eram nada. Acho que concordar com tudo que eles diziam ou pensavam em fazer, copiosamente, como um cachorrinho obediente, foi a pior parte, porque foi fazendo e falando coisas que eu não queria, que eu comecei a me perder.

Não era como se eu tivesse deixado de ser o Jungkook, mas era como se o meu eu daquele tempo tivesse sido diluido em muitas, muitas outras personalidades, como camadas e mais camadas de peles de outras pessoas postas por cima da minha. Quando me dei conta, estava basicamente perdido, flutuando numa piscina de ácido que ia, pouco a pouco, derretendo o que e
restava de mim.

Vi Jimin pela primeira vez no ensino médio; éramos da mesma turma, mas nossos mundos eram completamente diferentes. Na minha cabeça, alguns meses depois, nosso encontro seria lembrado como um eclipse: o encontro do Sol e da Lua.

Jimin chamava atenção de tudo e de todos, sem sequer se esforçar para isso. Era quente; irradiava calor. Sua presença era como pregos na cadeira, que faziam com que você precisasse se remexer, e no meio do processo, aproveitasse pra olhar pra ele. Seus olhos felinos funcionavam como uma rede, prendendo todos os peixes que encontrava pelo caminho. E eu, poderia facilmente ser considerado a presa mais fácil de todas, porque estava me debatendo fora d'água, e para me pegar, ele sequer precisava ir até alto mar.

Passei o primeiro semestre sendo a mesma bosta que sempre fui: calado, tentando acompanhar o conteúdo das matérias, tentando não me meter em brigas, tentando não surtar, e enquanto via os meses mudarem no calendário pendurado na cozinha de casa, continuava a observar Jimin, de longe.

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⏰ Última atualização: Jul 08, 2022 ⏰

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