1. Eu não faço nada sem meus óculos

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CINCO MESES ANTES

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A verdade era que Adora queria sair correndo, pelada, pela rua. Talvez até gritando.

Meu Deus, como era horrível a sensação de ser a aluna nova, para piorar em uma cidade nova, logo no último ano do ensino médio: quando toda a turma já se conhece há tempos e você fica sendo a esquisita intrusa.

— Chegamos, Senhorita Grayskull — o motorista falou, e Adora permaneceu encarando o lado de fora do carro pela janela.

A jovem de dezessete anos observou o pequeno movimento externo da instituição federal e lembrou de quando fez a transferência da sua matrícula do If de outra cidade para o de Lua Clara. Gostava da dinâmica das instituições federais, apesar dos pesares. Os alunos eram mais inclusivos do que os colegas que teve em escolas particulares, e o ensino era mais caprichado em relação às escolas estaduais que esteve. Parecia um bom equilíbrio.

Mas a parte de conhecer gente nova nunca era agradável.

— Podemos voltar para casa, Seu José? — choramingou um pouco, desviando o foco da janela e colocando as mãos na parte de trás do banco do motorista.

— Ô minha fia, se for a sua vontade... — Deu de ombros. — Mas você não é o tipo de menina que falta à escola e já faltou dois dias.

Adora curvou o canto dos lábios para baixo e se aproximou do banco da frente para conversar com o motorista mais de perto. Aquela acusação era verídica, logo no primeiro dia de aula Adora resolveu faltar, e no segundo outra vez.

— É que eu to com medo, Seu José. Jovens e adolescentes podem ser bem maldosos quando querem.

O homem de setenta e poucos anos a olhou pelo espelho da frente e levou o punho na frente do rosto de um jeito engraçado, para dizer:

— Se eles mexerem contigo, mande virem falar com meu amigo aqui. — E então bateu com a outra mão no punho, dando tapinhas consecutivos.

Adora soltou uma risadinha e balançou a cabeça, antes de se achegar depressa do banco do motorista pela brecha entre os bancos e despejar um beijo na têmpora de Seu José.

— Vou lá enfrentar esse cavaleiro do apocalipse que se chama escola. Me deseje sorte!

— Boa sorte! — respondeu com um sorriso no rosto, enquanto Adora abria a porta de trás do Audi A3 e colocava o corpo para fora.

Ao fechar a porta e apertar forte as alças da mochila marrom nas costas, sentiu necessidade de empurrar a armação de óculos quadrada e estreita contra o nariz antes de se apresentar para o guarda que ficava no portão da escola, dando um bom dia educado e finalmente entrando.

Havia jovens para todos os lados e em todos os corredores, em seus próprios grupinhos sociais, tagarelando a toa, enquanto ela nem sabia para que sala deveria ir.

Aproximou-se de um dos guardas, dessa vez um próximo ao final do pátio enorme e com um certo receio e timidez, perguntou:

— Bom dia, o senhor sabe me dizer onde fica a sala do terceiro ano?

O guarda que parecia ter em média cinquenta anos, enrugou as sobrancelhas e coçou uma barba para fazer.

— Oh, minha filha, há vários terceiros-anos aqui. Mas acho que essa informação você pode conseguir perguntando para algum aluno ou na secretaria.

A simples ideia de perguntar para um aluno lhe dava calafrios. Um arrepio subiu na sua espinha por simplesmente cogitá-la.

— Onde fica a secretaria? — preferiu indagar. Lidar com adultos? Péssimo, mas lidar com pessoas da sua idade? Três mil vezes pior.

Hey Bebê - Catradora🏳️‍⚧️Onde histórias criam vida. Descubra agora