2 - Ferreiro

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Para Albo, sair de casa significava estar desesperado, na maior parte do tempo. Sempre que o fazia, estava desesperado em vender, comprar algum mantimento, pagar alguma dívida ou estava fugindo dos escaravelhos do diabo, besouros com carapaça negra obsidiana e uma mandíbula protuberante, espinhosa. Seu voo era aterrorizante, uma mancha preta veloz que quando combinada ao zumbido de baixo tom e volume alto, assustava até mesmo o maior dos guerreiros desprevenidos.

Agora, estava em pé na sua porta de casa, fitando o pátio central da cidade, no já escaldante sol das 9 horas da manhã de Bornacte.

A única movimentação presente na paisagem era a poeira varrendo o chão da praça. A estátua erguida ao seu centro era de Lorgruth, um prodígio ex-chefe de guerra anão paladino, icônico por carregar um escudo maior que ele em suas costas e capaz de torná-lo efetivo em combate. Ele era um perfeito ícone de demonstração de solidariedade e honra, empunhando uma ferramenta puramente defensiva, trajado em sua armadura pesada prateada.

Albo sempre esquecia que os curandeiros de sua cidade eram de uma empresa criada por ele.

- O que ele fez por nós, de qualquer forma? - Ele murmurou com a voz seca, dando um passo a frente, enrolando os panos em sua cabeça. - No fim, ele nos vê apenas como maneira de lucrar.

Enquanto caminhava até o ferreiro, ele pensava nos preços das poções revigorantes, e se deveria levar algumas consigo em sua viagem. Por ora, ele não via necessidade, iria apenas comprar seus equipamentos e voltar à sua casa preparar-se para o dia de amanhã, no qual viajaria cedo.

Chegou ao ferreiro e adentrou seu recinto, abrindo a porta e escutando um pequeno sino anunciar sua chegada. Na maioria das vezes o sino era ineficiente em seu trabalho de alertar fregueses, já que os sons das batidas do martelo moldando o aço contra a bigorna superavam o alerta. Dessa vez, escutava-se apenas o som de um raspar periódico.

Albo caminhou mais a frente, abaixando os panos que lhe cobriam o rosto e protegiam-no do sol, vendo Balteúm, o anão ferreiro, pacientemente afiar uma pequena adaga comum, encarando-a por mais alguns instantes até subir seu olhar e fitar Albo caminhando lentamente até ele, um pouco desengonçado e com os braços e ombros retraídos, uma mão acariciando o pulso do outro braço. O anão buscava em sua memória o nome do visitante, pois ele, como vendedor, tinha a obrigação moral de lembrar do nome de todos os fregueses, principalmente os locais.

Balteúm chutou que este seria um freguês local, a julgar pela situação atual da cidade: Sem uma taberna, e com a notícia de que esta estava em falta, muito pouco encorajava os mercadores a escolhê-la como uma pousada, onde poderiam se reabastecer e seguir viajem para a capital ou as cidades portuárias do norte. Então, tinha de ser um local.

O anão lembrou seu nome e quem era, após ver seu rosto pálido e magro, lembrou do vendedor de nozes achocolatadas locais, no qual era alérgico. No passado, tinha expulsado o vendedor insistente, após lhe explicar que era alérgico a nozes e que não iria se aproximar dele, então ele teria que sair. Albo, desacreditado na existência de alergia a nozes, pensou ser alguma tática para afugentar vendedores ambulantes, e insistiu, até que o anão o afugentou com uma lança.

Agora, o anão estava de pé, e com a adaga em guarda, e olhos arregalados lembrando do evento, e com medo que ele fosse se repetir.

- Para trás! Não quero comprar nenhuma noz, sabes que sou alérgico! - exclamou Balteúm, cuspindo as palavras, assustando Albo, que ficou imóvel assim que escutou a primeira.

- Eu não vim vender nozes, juro por Djalma. - disse Albo, apaziguando o anão assustado. - Eu vim até você atrás de equipamentos de aventureiro, tens alguma experiência no assunto, não?

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora