7 - Uniocular

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A esse ponto, Albo já estava acostumado a surgir no vazio que se encontrava quando sonhava. Mas dessa vez foi diferente.

Sentia uma dor tão profunda e tão pura, que sua consciência transmitia apenas essa sensação, sem pensamento nem lógica envolvida no fluxo intenso de sofrimento que ele ali sentia.

A dor da perda é a mais profunda, e perder a si mesmo é o apogeu de toda inexistência da humanidade presente no indivíduo: um sofrimento que transborda e se torna dor física.

As mais observadores das pessoas devem saber que para sofrer é necessário antes ter uma boa dose de contentamento, pois é na diferença entre uma situação que gera contentamento e noutra que gera o contrário que se sente o sofrimento de não ter o que se tinha antes.

Tal como o frio e o calor.

Se antes eu estava numa praia de verão, banhando-me de sol, e agora subitamente me jogam um balde d'água com gelo, eu vou sentir um desconforto equivalente à diferença entre o calor de outrora e o frio do presente.

Agora, se estás em uma nevasca, trajado como um banhista de praia, e jogam-te um balde carregado d'água congelante, o desconforto é presente ali, mas não se compara ao do caso anterior, pois o comparativo do que se tinha antes não se distancia muito da situação atual.

É como uma escalada que o sofrimento está em cair de um lugar alto e escalar é o prazer e a felicidade.

E no estado em que se encontrava, Albo caia no abismo cujo fim é inalcançável, com seu sofrimento aumentando a cada segundo,  assim como a velocidade de quem despenca, acelerado pela gravidade.

Em sua perspectiva, cada segundo de sofrimento se atribua a um mês de sensações ruins que eram canalizadas em um feixe focal preciso, que atravessa o corpo dele por inteiro.

Se sentia consciente, agora, mas apenas à matéria corpórea, identificando cada pedaço, cada ínfimo detalhe do seu corpo formigando de dor, numa figura desprezivelmente retorcida.

E para piorar, sentia areia nos seus olhos.

Finalmente, o fim do abismo. Estatelou-se no fundo do poço figurativo, mas isso só significava que o sofrimento parou de ser uma força crescente, e que finalmente ele teria alguma chance de se habituar à tortuosa existência do agora.

Repentinamente, parou de sentir tudo por completo, e uma imagem se fixou em seus pensamentos.

Um humano com cabeça de chacal, carregando um cetro com uma pedra negra com tons de roxo, sugando a cor daquilo que havia em volta, criando uma aura cinza. Vestia roupas luxuosas, mas atípicas para a sua região. Atrás dele, um deserto sem fim, de uma areia escura, acinzentada. O céu era negro como a noite, sem estrelas.

De repente, a imagem muda e Albo se vê flutuando, levitando em direção ao céu, vendo o chacal ficar para trás, encarando-lhe. E então, sem que ele percebesse, sentiu um ar frio preencher seus pulmões, com o sofrimento sumindo repentinamente, mas sem causar nenhuma satisfação em ter sumido, pois se sentia igualmente mal.

Se sentia com sono, e queria mais do que tudo estar deitado em sua cama, nem que fosse pra eventualmente morrer junto de sua cidade natal. Pensava que não era justo isso acontecer logo com ele que nunca havia feito mal à ninguém.

Estava no plano astral que via recorrentemente em seus sonhos.

Seu breve devaneio cansado foi interrompido por uma voz familiar anunciando sua chegada, com seu corpo materializando-se repentinamente em sua frente.

–Recomponha-se, Albo, nós temos problemas.

 Com cerca de dois metros de altura, aquele homem-falcão estava vestido em uma armadura de placas que brilhava em dourado, mesmo na escuridão que cercava os dois ali presentes.

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora