3 - Amanhecer

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Frio novamente. Prontamente consciente, agora tinha controle sobre o próprio corpo. Estava lá novamente. Era tudo escuro ao seu redor, embora pudesse se enxergar, como se seu corpo emitisse uma luz própria.

"Olá novamente, humano." A voz que vinha de todos os cantos causou um calafrio na espinha de Albo, que já tinha o corpo frio. Sentou-se aliviado que conseguia se mover, mas ainda confuso sobre o que estava acontecendo ao seu redor

"Quem é você?" Ele olhava ao redor, procurando a origem da voz. "Onde você está?"

"Nosso tempo é curto. Você deve viajar amanhã, mas não está pronto ainda." A voz parecia decepcionada, mas séria em sua maneira de falar, como um pai que fala a verdade ao seu filho. "Para que tenhais alguma chance, pergunte ao vosso moldador de armas sobre a arma que ele projetou com nosso ferro de Osíris."

O garoto, escutando atentamente cada palavra, procurava e sentia com as mãos ao seu redor à procura de qualquer sinal de vida. O chão seria excepcionalmente liso, não fosse por talhos neste, que mais se pareciam com pedras encaixadas formando um piso, que se estendia até onde os olhos podem ver, ou mais.

"Ferro de Osíris? Moldador de armas? O que isso tudo significa?" Inquieto era pouco para descrever como Albo estava nervoso e fora de seu sentidos. Ele apenas assim estava por tentar buscar sentido em um devaneio que claramente era um sonho.

"O aço sagrado que vosso ferreiro roubou!" A voz agora falou zangada, com um tom de voz mais alto, oprimindo a própria existência de Albo naquele ambiente, que tentou se levantar, mas não conseguiu, por sentir alguma fraqueza em suas pernas.

Seja lá quem fosse, Albo não o queria zangado. Se falava com tanta convicção, tinha consciência da situação e certamente tinha vantagem naquele ambiente inóspito e misterioso. Sem poder questionar, apenas escutava com um estampado olhar assustado e confuso, que o deixaria envergonhado caso estivesse sendo presenciado por alguém. E provavelmente estava.

Albo repetiu a pergunta, sua curiosidade não o deixava pensar em mais nada:

-Quem és, entidade misteriosa?

E seu interlocutor respondeu, em voz calma e grave, após uma breve pausa, onde se pode escutar o eco de um suspiro vindo do além:

-Sou o protetor dos deuses, filho destes e guardião da coroa.- O chão estremeceu quando sua frase terminou e o chão embaixo de Albo pareceu ceder.

O garoto, agora caía, sentindo a sua barriga dobrar por ela mesma, e sua cabeça girar por todas as partes, até que acordou, num pulo, esbofeteando a parede com a parte de trás do pulso direito, colocando-se de pé num instante.

Ofegante, tranquilizava-se, tateando o próprio corpo, aos poucos notando que ainda estava inteiro e certamente respirando. Então passou a pensar no o que havia sonhado. Não confiava em seus devaneios potencialmente doentios causados por uma má interpretação das histórias para ninar que escutava de seus pais e uma dieta a base de nozes. Ele se sentia fraco e seu estômago constantemente tinha dores, sua pele estava pálida amarelada e sua visão por vezes ficava escura, sentindo tontura.

Lembrou-se do anão que havia saído em busca de aventura com um outro grupo de aventureiros. Ele estava abandonando uma tradição antiga de sua família, mas não estaria a fazer o mesmo? Nozes achocolatadas tem um gosto específico que varia de acordo com a quantidade de nutrientes e água na qual ela era exposta, e todo o conhecimento sobre ela fora passado para ele de seus pais, que por sua vez receberam de seus avós e assim por diante.

Ele estava prestes a montar em um camelo de um terceiro, vestindo equipamentos de viagem comprados com as economias da família e investidos pelo ferreiro local, que estava contando com ele para salvar a situação da cidade. Que seja, não iria gastar mais um centavo das suas economias numa cidade que estava prestes a colapsar, num negócio que não era lucrativo.

Estava escuro o suficiente para ser considerado noite mas claro o suficiente para perceber o sol prestes a nascer. Albo levantou-se e caminhou até a cozinha para alimentar-se e em seguida até sua plantação, verificar suas plantas e dar-lhes um adeus e um obrigado.

E assim o fez, justamente a tempo de perceber um escaravelho do diabo não tão longe dele, e recuou alguns passos para dentro da casa lentamente, assustado com o inseto.

Algo estava diferente nele, pois assim ele sentiu. Na realidade, nada havia mudado, mas ele precisava acreditar que havia. Agarrou uma vassoura de palha logo ao lado dele e apertou com força, decidido. Se ele estava prestes a sair em uma aventura infinitamente mais perigosa que um mero besouro, porque temer?

Caminhou, destemido, passo após passo, vassoura apontada na direção do inseto. Quando chegou a ficar cerca de dois metros de distância do besouro, este abriu as asas e abriu e fechou a mandíbula, assustadoramente. Alçou voo na direção de Albo, com as mandíbulas abertas, estava atacando.

Albo, suando frio, com a vassoura levantada, viu a mancha negra zunindo alto em sua direção, com as presas preparadas para desferir uma mordida dolorosa. Em um segundo, algum mecanismo de defesa próprio o fez descer a vassoura no inseto com toda sua força, atingindo-o com a palha da vassoura.

Escutou o zunido parar, e com os olhos fechados, e seus músculos tremendo desordenadamente por ação do medo, ele repete o golpe, Atingindo o chão diversas vezes, levantando uma pequena nuvem de poeira, na tentativa de finalizar o que restou do besouro.

Quando se deu por satisfeito, levantou a vassoura e observou enquanto a poeira daquele chão de arenito coberto por um pó fino e denso se desfazia. Subitamente, sentiu uma fisgada dolorosíssima no calcanhar esquerdo, fazendo-o cair agoniando no chão, enquanto ele via o inseto escuro voar para longe, celebrando a vitória.

Albo era pessimista, mas algo lhe disse para aprender com aquele erro, e apenas agradeceu que ninguém tinha visto a cena hilária que se deu naquele momento, enquanto gemia de dor, massageando o local da picada.

Ou assim ele pensava.

Boghos estava no parapeito do muro de 1,60 de altura, apenas com a cabeça visível, num olhar vazio e decepcionado com o que ele brevemente viu das habilidades de batalha do aventureiro amante.

Albo respirou fundo e soltou:

- Isso foi extremamente injusto! Além de eu não ter nenhuma arma decente, o inseto tem uma armadura natural! - disse Albo, justificando-se, enquanto limpava a poeira de sua roupa, rapidamente ignorando a dor que sentia. - Por falar nisso, onde está o equipamento acordado?

- Está tudo separado na forja. - Boghos disse com um tom de voz entediado - Vamos logo, já estamos perdendo luz do sol.

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora