8- Bigorna e Martelo

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Sentia a corrente fria em seus pulsos, e em seus pulsos, o sangue pulsar, incondicionalmente, incansávelmente, mesmo que obstruído pela pressão daquelas barras que ora moldadas em ferro quente e agitado, agora repousavam frias, com o intuito singelo de aprisionamento.

Sentia um desapontamento em saber que ele mesmo as havia forjado.

Balteúm via em sua frente uma forja, intocada, apagada, com os mais variados utensílios meticulosamente organizados em tamanho pendurados na parede frente à bancada de trabalho.

Podia ver que a forja era bem equipada, tinha um fole conectado a um sistema de polias que facilitava o manejo do fogo. O espaço em si era fechado, parecia um salão de uma igreja pequena, não fosse pela falta de janelas, luz natural e falta das cadeiras longas características da construção.

Aquilo parecia mais um cativeiro, acima de qualquer coisa, e quando se perguntou para onde iria toda a fumaça daquela forja, olhou para cima e viu saídas de ar no ponto mais alto do prédio.

O que mais lhe chamava a atenção era o centro daquilo tudo, até então, não havia caído em si a visão da obra posicionada no meio do ambiente, ominosa, imponente.

Uma bigorna e martelo, ambos de ferro de Osíris.

Balteúm hiperventilava. Sabia o único propósito daquelas ferramentas, pois já havia trabalhado com elas.

Ferro de Osíris não serve bem para a criação de armaduras ou armas, tampouco como matéria prima de bigorna, por ser um metal maleável, até mesmo após a têmpera.

A única maneira de tornar ferro de Osíris útil em armas, seria em armas mágicas, onde a presença de um fluxo de magia ditaria a dureza do material.

O maior comprador de Ferro de Osíris é o reino de Arcaria, que vê utilidade no material, em seus maquinários e estranhezas.

A presença da bigorna ali implicava em algo específico: a criação de armas e armaduras de mithril.

Mitrhil é um material raro mas poderoso, e difícil de ser forjado. Tão complicado que criar esta liga de ferro de Osíris e ouro escarlate era em si uma arte secreta, cultivada por um círculo pequeno de mestres ferreiros na antiga Gorgaliem.

Consideradas seres senscientes, as armas e armaduras feitas em mithril tem a capacidade de reter memórias e personalidades dos seus donos, fazendo com que apenas as famílias mais influentes ou que já tiveram um herói de guerra possuam tais equipamentos. Regeneram-se, conversam com seus donos e escolhem-os, tornando-se seres atemporais inanimados, mas cheios de literais personalidades neles.

Quanto mais experiente em batalhas, mais o equipamento se torna poderoso. É como se a arma pudesse passar toda a memória para quem empunha-a, caso a julgue-a merecedora.

E ali estava Balteúm, se perguntando a razão daquela forja de mithril.

Ele nem mesmo sabia se poderia criar, mas se pudesse, para que? Uma arma de mithril seria tão útil quanto uma arma de aço, com o bônus de ela se regenerar. Não seria um movimento inteligente para uma organização que estava ativamente se movimentando para cumprir seu objetivo.

"Caminho sussurrante, vais me pagar", pensou Balteúm, sentindo um calafrio percorrer sua espinha, e uma tristeza enorme afligir seu coração.

Lembrou-se do seu exílio voluntário da cidade com o maior porto, onde trabalhava como um renomado ferreiro geral, criando, reparando e encantando de tudo. E mesmo com toda essa responsabilidade, o fazia sozinho.

Então, lembrou-se como foi forçado a livrar-se de sua arma da família, o Martelo Meteoro, e como foi ameaçado por faze-lo, e chantageado com a vida de inúmeras de pessoas inocentes.

Concordou em ser um ferreiro sempre disponível para a organização, e mudou-se para Conall, conhecendo Boghos e uma cidade que o acolheu como se fosse um antigo morador.

O tempo voou para Balteúm naquela cidade, se sentia realizado. Seu hobbie de colecionador de besouros era mais fácil com mais tempo livre e estando perto de formações naturais que favorecem o aparecimento desses insetos.

Lembrou-se também de como Boghos ficou desempregado quando a taberna foi demolida, e como ele era familiar com hábitos enânicos. Considerava-o um irmão.

-Boghos, estaria você em apuros, ou não? Eu rezo pela sua segurança...- disse Balteúm, olhando para cima sentindo o peso das correntes em seus braços, enfraquecendo-se a cada segundo que passava.

Sentia uma palavra ecoar pelo ambiente como se fosse uma idéia solta em uma cabeça obstinada e hiperativa, e então a idéia se acalmou, formando o pensamento de que havia algo atrás dele.

Mas ele não conseguia virar-se e ver. A medida que ficava fraco, ficava amedrontado demais só em pensar na idéia de virar. E quando tentava, mais sentia seu pescoço enfraquecer-se, e seus olhos borrarem ao tentarem olhar para o lado.

Escutou, trêmulo, uma voz vinda de trás dele, falar palavras incompreensíveis, mas que transmitiram uma idéia altamente condensada e automaticamente compreendida.

Um machado longo, de cabo de madeira nefasta. A vida de Boghos dependia daquilo.

Trêmulo, irritou-se com a chantagem da idéia, e quebrou a barreira do medo, gritando:

-Rossus! Apareça na minha frente, seu canalha!

-Desculpe, antigo amigo.- A voz era calma e despreocupadamente suave.

Balteúm sentiu um alívio imenso no momento que a presença se desfez, e logo percebeu as barras de mithril encima da bigorna.

Ponderou por cerca de dois minutos, queais se pareceram duas eternidades naquela situação indesejável. O nome "Rossus" lentamente sumiu da sua cabeça, e Balteúm pôs-se a forjar.

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora