5 - Cobrança

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E então, sentados à mesa da cozinha da loja ainda fechada, os dois anões olhavam-se nos olhos, digerindo o que tinha acabado de acontecer. Balteúm reclinou na cadeira, e encarou o pão seco que iria comer com alguns goles d'água para prontificar-se para mais um dia limpando as armas. Nas vitrines, o pó avermelhado suspenso no ar com o passar do tempo sedimentava-se sobre elas, deixando as armas com um aspecto enferrujado, sujo.

Ele naturalmente limpava seus produtos, mas a falta de fregueses fazia com que tivesse muito tempo vago, então ocupava-se com isso e com aprimorar suas técnicas de afiar lâminas. Ele tinha consciência que se nada mudasse, ele teria que se arriscar atravessando o deserto quase intransponível de Bornacte.

Boghos, por sua vez, estava sentado atrás do balcão, apenas deixando o tempo passar, mascando a própria bochecha. Quando ele escuta o sino da porta da frente tocar, anunciando a entrada de alguém.

Um sujeito encapuzado entra, trajando roupas escuras que ficam levemente à mostra debaixo do manto escuro que veste. No seu rosto, é possível ver somente seus olhos castanhos. Ele é um sujeito alto, e não é da região. Caminha alguns passos pra dentro da loja e vira-se para Balteúm, ficando calado e olhando em seus olhos.

O anão o reconhece, parando de fazer o que estava fazendo e falando:

-Por tudo o que é mais sagrado, você nos disse que apareceria somente semana que vem! - Balteúm se afastou enquanto falava, andando de costas na direção do balcão.

Boghos acordou do transe e viu o homem parado no meio da loja. Naquele momento, seu coração batia tão rápido, mas não conseguia mover um músculo sequer.

Então, a figura misteriosa falou num sussurro, após o ambiente ficar silencioso:

- Balteúm, meu ferreiro favorito... - A figura virou seu corpo levemente, para ficar de frente para Boghos. -Boghos, seu assíduo assistente...

Os dois anões aguardavam num nervoso silêncio as próximas palavras do homem encapuzado. Ele continuou, sussurrando:

- Acredito que tenha pronta a encomenda feita com o material que eu lhe confiei, não? - disse o encapuzado, emendando outra pergunta logo depois. - E quanto às flechas? Utilizou os lingotes extra para suas pontas? - Ele falava com um tom de indagação e cobrança, vendo pela reação dos anões que havia algo de errado.

- Boghos, vá pegar às flechas, eu pego a arma - disse Balteúm, indo para o pequeno armário, e tirando alguns segundos depois a maleta.

Seu auxiliar voltou da forja e trouxe uma caixa de dois metros cúbicos, aguardando uma ordem de onde colocá-la.

O homem encapuzado fez um sinal com a mão para que ele se aproximasse, e abriu a caixa, verificando seu conteúdo:

- Duzentas flechas perfurantes? - sussurou a figura. - Coloque-as em minha montaria. - Virou-se então para Balteúm, que estava parado com a maleta em mãos, e uma feição séria em seu rosto.

A figura aproximou-se, com passos nervosos, e quando percebeu que as duas travas laterais estavam violadas, deu uma pequena corrida, girando a trava principal, abrindo a maleta, deparando-se com uma espada bastarda normal.

O anão, quando viu que a roupa preta justa do homem expandiu com seus músculos ao apertar o lado da tampa da maleta, falou:

- Pegue e suma daqui, Doussard - disse confiante, embora trêmulo nas pernas.

- Ah seu tolo... - falou rouco, o homem encapuzado chamado Doussard.

Ele deu alguns passos para trás e disse firme, com uma neblina surgindo do chão, crescendo até a altura do joelho. De repente, o ambiente ficou gélido, e o sol da manhã que banhava a sala num piscar de olhos não estava mais lá.

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora