6 - Desfiladeiros

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O bobo, o profeta, o escudo e o dragão,
Repeliram as forças da escuridão,
A tenaz força vil, era um sonho febril,
Aos nossos heróis, mais um barril!

A espada, a besta, a adaga e a lança,
Ferro sagaz, na mais bela dança,
Com sangue marcado e aço açoitado,
O mal nefasto foi afastado! 

Ó a ti que tanto oreis,
Ilumina-me com sabedoria,
Agora suplico outra vez.

Ó a ti que devo a vida,
Fortalece-me com a tua fúria,
A vós erguerei minha bebida!

O soneto era cantarolado com vontade por aquele que cruzava o deserto, montado num camelo, antes de parar na entrada de um desfiladeiro.

Albo não gostava tanto de cantar em comemorações, festas e eventos do tipo, mas sempre que se via isolado, cantarolava para si mesmo, envergonhado de sua própria voz. Agora, completamente isolado no meio do deserto escaldante, colocava pra fora toda a reprimida vontade artística que guardava consigo.

Via a entrada do desfiladeiro na sua frente, e mesmo com o sol ardendo em suas costas, era hesitante em adentrar aquele sinuoso e estreito cânion. Este começava tímido, mas após apenas alguns minutos de caminhada, impunha sobre o viajante a visada de duas enormes paredes de arenito sedimentado, num caminho com apenas alguns metros de largura.

A outra opção seria contornar o corpo natural de pedra, como faziam as caravanas de comércio, tomando uma rota mais demorada, mas muito mais segura, sem um grande risco de encontrar criaturas ou pessoas mal-intencionadas, e até mesmo livre do risco de deslizamento de rochas ou de perder-se nas inúmeras bifurcações e caminhos que levavam a diversas outras saídas. Não localizar-se bem poderia resultar no viajante sair dos cânions por onde entrou, ou até mesmo nem sair destes.

Albo entrou no desfiladeiro, ciente dos perigos e ciente de suas necessidades, principalmente movido por elas. Era movido também pela sensação de alívio que teve, quando a sombra das paredes pouparam suas costas do incessante ardor que lhe afligia, mesmo protegido com a armadura de couro e os panos pesados, feitos para viagem naquelas condições.

A cada passo que sua montaria dava, seu corpo balançava e os passos começavam a tornar-se mais barulhentos quando a areia que havia sob o chão era mais compactada, e as paredes vistosas aumentavam de tamanho, causando o eco dos passos lembrar da imensidão das paredes e da grandiosidade da natureza. Pouco a pouco, os detalhes iam acrescentando-se, passando da paisagem arenosa de dunas diminutas e ventos constantes que faziam ruídos ao passar pelos corpos de areia e pelos panos de sua roupa, para uma paisagem mais solitária, em que o vento soprava mais calmo, assobiando nas curvas de arenito liso. 

As paredes eram de areias sedimentadas, com tonalidades de vermelho e amarelo diferentes, mas constantes durante o seu nível, lembrando grandes faixas de bandeiras congeladas durante uma ventania. No chão, havia areia que ia tornando-se uma espécie de cascalho, com pedaços de pedra que denunciavam um pequeno deslizamento de rochas. Numa cena onde tudo parecia fazer sentido e ser magnífico aos olhos desacostumados com tais visões, lembrou-se das histórias de animais selvagens místicos, como centopeias e besouros do diabo gigantes, que há algumas gerações atrás atacavam a vila. E aparentemente as histórias diziam que elas vinham desta direção.

Deu de ombros, afinal, não via nenhum indicativo de perigo iminente, tais como placas de aviso, esqueletos humanoides, gritos distantes, vultos estranhos ou até mesmo o comum tropo de histórias do sul de Illidiam, cabeças fincadas em estacas. 

O local parecia inóspito, com suas areias emanando esterilidade em cada brilhante grânulo, passou a observar um grão de areia que descansava em suas roupas, extraindo dele cada aspecto geométrico que poderia ser interessante. Em um instante, pôs-se a meditar relapso, nas origens da areia, como seria seu processo de formação, e cada situação que esta teria passado.

Tellúris - O conto de AlboOnde histórias criam vida. Descubra agora