Estava sentado, assinando um pergaminho, com a única escrita que lhe fora ensinado. Boghos então passou este pergaminho para Albo, que fez o mesmo. Em troca de sua casa, iria conseguir seus equipamentos de viagem e uma restituição em dinheiro que poderia ser sacada no banco de Bornacte. Era a sua aposta de empreendedorismo mais ousada: apostar tudo em sua aventura.
Quando terminou de assinar, Balteúm recolheu o pergaminho e Albo lembrou o que queria lhe perguntar:
—Balteúm, eu sei que você me recomendou uma espada bastarda para me acompanhar nessa jornada, mas eu queria saber se eu posso escolher outra arma... — Balteúm se virou para ele e parou de caminhar, com um rosto confuso, um rosto que viu Albo afirmar diversas vezes que a espada bastarda era a única coisa que ele sabia usar, mesmo que pouco — Não estou confiante com ela...
— Ora, que tipo de arma você prefere? Pensei que quisesse poupar tempo para que conseguisse chegar em Arashei em quatro dias, ao invés de cinco — O anão olhou para trás e se dirigiu até o meio de sua loja, guardando a espada bastarda de volta em seu local na vitrine.
—Bem... — Albo hesitou por alguns instantes, pois era verdade. Ele só sabia como usar uma espada bastarda por um breve treinamento com seu pai quando ele tinha 13 anos, por dois meses. Seu pai não era tão presente assim, já que era um soldado da pétala azul. — O que você tem que foi feito com ferro de Osíris?
Boghos inspirou assustado, e Balteúm congelou por alguns instantes, olhando com os olhos arregalados para Albo. A luz do dia finalmente começava a banhar a loja, vindo do leste, aparecendo acima dos cânions distantes que cercavam a cidade.
Albo sabia que precisaria extrair mais informações antes que ele tomasse qualquer atitude irreversível:
— O que você sabe sobre isso? — O ferreiro mestre falou com uma voz baixa, balbuciando as palavras, formulando uma frase quase incompreensível. — Quem lhe contou sobre isso?
— Eu sei o suficiente pra afirmar que foi roubado, o que é uma ótima oportunidade para se livrar de quaisquer itens comprometedores, não é mesmo? — disse Albo, abrindo os braços gesticulando, usando seu charme de vendedor. Ele não sabia o porque dava ouvidos a uma entidade de um sonho, mas se eles realmente tinham algo do tipo, provavelmente a entidade não mentia.
Balteúm olhou para o seu aprendiz de 1,80 metros de altura e em seguida para o rapaz, que esperava a resposta com um meio sorriso no rosto. Boghos gesticulou com os ombros, dizendo que não fazia ideia de nada, então o ferreiro pensou por alguns instantes, olhando para o chão e entrou num quarto escuro situado ao lado do balcão. Escutou-se um som de um baú abrindo, e alguns sons metálicos vindo da direção.
Ele aparece do quarto escuro carregando uma maleta preta, com entalhes em obsidiana e ouro, com duas trancas e uma espécie de runa no seu centro.
Então encara o rapaz com um olhar sério e coloca a maleta encima do balcão:
— Aqui está, garoto. Não aceito devoluções. — disse Balteúm, que bateu no balcão e encarou Albo nos olhos, antes de falar — Não sei exatamente como sabe disso, então ou você é um espião, ou é o cliente... Eu realmente não me importo. Forjar isto daqui custou-me parte de meu sangue, então quero que este objeto amaldiçoado vá pra bem longe o quanto antes.
—Mas eu não...
— Silêncio! Não me importo. Abriremos a maleta agora. Boghos!
Albo olhou confuso para Balteúm e Boghos, e viu o último olhando para o chão, isolando-se da conversa. Estava cabisbaixo quando deu tímidos passos para frente, obedecendo o ferreiro.
Os dois ferreiros colocaram seus dedos encima do buraco da fechadura e Albo viu seus rostos simultaneamente contraírem com dor, quando um som de um mecanismo interno soou da maleta, devolvendo alguns cliques.
Boghos chupava seu dedão, estancando alguma ferida e Balteúm deixou o furo consideravelmente grande no dedo exposto, concentrado na maleta. Sua postura deixava a entender que estava a postos e pronto para reagir de qualquer maneira que fosse, quando lentamente se afastou da maleta e fez um gesto para que Albo ficasse a vontade. Obviamente, era impossível para Albo ficar a vontade após ver uma série de ações e reações suspeitas vindo daquilo tudo. Ainda mais com a natureza da origem dessa situação.
Albo pôs uma mão encima da maleta, e seguiu com a outra, com um dedão encima de cada trava da maleta. Abriu a trava da mão direita, que expulsou uma pequena quantidade de um pó tão dourado quanto trigo, e em seguida a da mão esquerda, que fez o mesmo, mas com uma poeira roxa escura, como obsidiana. Olhou para cima e viu o anão gigante apreensivo, com uma mão encima de uma cicatriz relativamente grande em seu peito esquerdo, e viu o anão segurar o seu cinto, com a mão perto de uma faca que levava consigo.
Com as duas travas abertas, restava agora uma terceira trava giratória no centro, decorada em dourado. Ele a girou, e o estalo que a maleta fez ao ser aberta ecoou no ambiente por alguns segundos. Ele poderia sentir algo banhando-o. Não era confortável, mas acabava se sentindo bem. Ele não via a razão pela qual ele poderia sentir-se assim, talvez apenas um alívio de que nada explodiu em suas mãos. Então ele abriu a maleta de fato, revelando o que havia dentro. E com isso, sentiu Frio. Um Frio familiar.
A maleta tinha cerca de um metro e meio de comprimento, com cerca de 30 centímetros de largura. Pesava algo entorno dos quatro quilos. E dentro dela Albo viu uma peça de arte, para se falar o mínimo. Não se sentia confortável vendo-a. Não parecia prático, muito menos utilizável, mas certamente era bonita. A maleta tinha um belo tecido de cetim forrado sob medida para acomodar o objeto. Este tinha cerca de 1,20 metros, e lembraria uma espada bastarda com uma guarda e pomo estilizados, não fosse pelos diferentes segmentos e mecanismos estranhos presentes nela.
Sua lâmina azul escura parecia manter sua largura constante durante seu comprimento, afinando em uma ponta no último segmento. Seu pomo era do mesmo metal da guarda, um latão com formato de hexágono, com um triângulo negro em seu centro. Seu cabo era oval e fino, também dividido em segmentos. A espada parecia toda ser fina e instável, o que fazia-a parecer boba. Em sua última segmentação de lâmina, havia um espaço entre esta e a penúltima, que formava um triângulo. Entre cada segmentação podia-se ver pequenos talhos em 45 graus nas partes dos segmentos que se tocavam, embora os segmentos do cabo fossem um só, dando voltas ao redor de seu raio. Onde seria sua guarda parecia ter uma espécie de sistema de roldanas.
Então, do silêncio que perdurava, surgiu:
— O que é isso? — indagou Albo, vendo os dois anões se protegerem, assustados. — E o que há com vocês? O que essa lâmina tem de especial?
— Não há devoluções. Ela é sua, mas tome cuidado. Ela pode estar sob sua custódia, mas esta espada não deveria, e nem merece existir neste mundo. — Balteúm relaxou sua postura, e comandou seu assistente. — Boghos, vá buscar o cinto que foi feito para a espada.
Albo estava sentado no camelo, com todo o equipamento devidamente acomodado neste, e olhava mais uma vez para a cidade, antes de partir. Em sua cintura, havia um cinto nada comum. Era um cinto que dava o apoio para que passasse-se outro cinto por cima. Seu intuito original não era este, no entanto. A espada maleável ali estava, enrolada no seu corpo, cerca de duas vezes, ficando segura no lugar por 6 tiras de couro endurecido distribuídas simetricamente ao redor do seu corpo. O triângulo do pomo encaixava com o espaço triangular da ponta.
Antes que Albo sentasse no camelo, Balteúm explicou seu funcionamento. O cabo permite uma leve torção no sentido contrário dos segmentos, permitindo uma flexibilidade. Dentro do cabo havia diversos fios entrançados do mesmo metal da lâmina , no qual uma pequena porção deles se separava do fluxo principal e estava atuando nas roldanas. Quando o hexágono era puxado para baixo, o cabo duplicava de tamanho e o sistema de roldanas que puxavam uma guarda simples cilíndrico fino, mantendo-o perpendicular ao eixo da lâmina, e a lâmina retraia, juntando-se e virando uma espada de 1,18 metros. Não se sentiu confortável em testar a arma, nem de averiguar seu balanço.
Acenou para os dois anões, e deu o sinal com as rédeas do camelo, que começou a caminhar, em direção aos altos biomas de mesa que sabia que haviam a frente. Albo olhou para o saco de nozes que ocupava metade do espaço de carga do camelo e suspirou, pensando nas suas futuras refeições. Levava consigo cinco dias de água, se usasse bem, e panos o suficiente para sobreviver a noite fria no deserto. Partiu, com o sol banhando-o de laranja no amanhecer, esculpindo sua sombra esticada no chão arenoso à sua esquerda.
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Tellúris - O conto de Albo
FantasiAlbo é um garoto comum, mas quando sua cidade passa por uma crise de abastecimento, ele tem a deixa perfeita para sair numa aventura, num mundo repleto de magia, aventuras e... escuridão. A história é baseada em um RPG de mesa, num mundo onde a mag...