Welcome to Western - parte 1

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-Tori!

Foram as últimas palavras ditas por Charlie antes da explosão do revólver ressoar por todo o lugar. À sua frente, pousava o corpo frio do senhor Lange, seus olhos surpresos contrastavam com o resto do rosto sem vida, inerte. Já não pressionava o corpo miúdo de Charles Spring contra a parede. O velho estava morto.

Não sabia o que dizer a jovem de cabelos escuros a sua frente, ainda apontando a arma mesmo depois do tiro ser dado. O que Charlie diria? Obrigado? Desculpe? Eu te amo? Nada parecia ser o suficiente naquele momento.

Então a sirene da polícia soou longe e parecia se aproximar, foi o sinal necessário para que Tori se dirigisse à janela da saída de incêndio, com tempo suficiente para exclamar "eu vou lhe escrever", talvez um "não me procure", ou mesmo "eu também te amo", mas nada foi dito, restando apenas um silêncio poluído pelos barulhos noturnos de uma Londres decadente no início do século XIX. E pelas sirenes.

* * *

Meses haviam se passado com Charlie Spring novamente orfão. Primeiro seus pais se foram ainda criança, então fora adotado pelo generoso senhor Lange, dono de uma das grandes lavanderias da periferia londrina, bem quisto pela sociedade. O que poucos sabiam era dos abusos praticados contra suas funcionárias e que o mesmo cogitou aplicar contra o afilhado.

Victória não permitiria que o jovem sofresse como ela. Alguém precisava impedir o crápula... Definitivamente. Então desapareceu. Para a América, ela dizia. Mundo Novo, vida nova.Os ares refrescantes do Oeste de Oregon. A última carta enviada a Charlie informava como havia conseguido uma cabana modesta com vista para uma extensa plantação de trigo próximo a uma floresta de blueberries.

-Vai ser o suficiente...Tem que ser.

Pensava Charlie depois de vender tudo que herdara do velho Lange. Uma passagem de navio para a América, outra de trem para o oeste. Chegou o mais longe que o dinheiro poderia lhe levar, agora teria de seguir uma terra sem lei à cavalo.

-Para o oeste...

Devaneava olhando para sua bússola. Só Deus sabe como havia conseguido cavalgar até aquele rio no meio da floresta. Estava a milhas de distância de qualquer cidade e tinha consigo apenas um desenho rabiscado de uma cabana na planície e a confiança que seu amor o levaria até sua querida salvadora.

-... Você não deveria cavalgar sozinho a essa hora da noite, garoto.

Um homem com o rosto coberto pelo chapéu pescava aproveitando a luz da lua.

-Eu sei me cuidar sozinho!...Gar...Ro...To...

Charlie respondeu sem muita confiança. Ele não era mais um garoto e tinha o direito de se sentir ofendido, mas não fazia sentido usar o mesmo termo com o homem à sua frente. Mesmo sem vê-lo completamente, era nitidamente muito mais um homem do que um garoto.

O moreno não seguiu o conselho e continuou seguindo rio acima, estava iluminado o suficiente pela luz da lua, pensara. De repente, um vulto passou correndo ao seu lado assustando o cavalo que lhe derrubou no chão. Charlie teve tempo apenas para colocar a mão sobre o revólver que carregava na cintura quando outros dois estranhos cruzaram seu caminho. Dessa vez, parando para lhe confrontar com arma apontada:

-Pele branca ou vermelha?

-Senhor, eu...

-Branca ou vermelha!!?

-Britânico, senhor.

Depois de um resmungo rápido, o que parecia estar no comando acenou para o companheiro seguir o rastro do nativo. Em seguida, sem mover a pistola do alvo, ordenou:

-Roupas.

-Desculpe, o quê?

- Roupas, moleque. Sua cabeça não vale tanto quanto aquele pele vermelha, mas tenho certeza que suas golas pomposas valem.

Sem movimentos bruscos, Charlie pega a bolsa pendurada em seu cavalo e arremessa para o ladrão que não se rende.

-São todas que tenho, eu juro!

- Ainda está vestindo um par... Moleque.

Sem tirar os olhos do pistoleiro, Charlie começa a desabotoar a própria camisa. Apesar do medo, segurava as lágrimas, o moreno sabia como uma terra sem leis como o Oeste tratavam homens que demonstravam sentimentos.

De repente, ouviu-se o som de um gatilho sendo armado. Das sombras, ao lado do atirador, uma arma surgiu rente a sua cabeça seguida de uma voz suave e estranhamente ameaçadora:

-Abaixe a arma, colega. Eu não vou repetir.

-...

Não foi preciso repetir, o pistoleiro soltou a sacola de roupas, guardou sua própria arma na cintura e levantou as duas mãos para o alto em rendição.

-Andando... Colega.

Depois de 10 passos floresta adentro, o pistoleiro havia ultrapassado Charlie e começou a correr até se perder de vista.

-Obrigado... Senhor.

-Suas roupas...

-O quê?

- Aquele bastardo tem razão. Suas roupas valem demais para usar no oeste. - o desconhecido saiu das sombras, revelando o mesmo chapéu rústico do pescador, e lhe entregou uma camisa surrada - Vista isso e volte pro rio, garoto.

Charlie estava abismado. Não esperava receber qualquer tipo de gentileza como essa em seu caminho.

-Quanto? Pela roupa, senhor.

-Me chame de Nicholas, garoto.

-Eu sou...Charlie. Charles Spring.

-Sabe tocar gaita, Charlie?

-Hã... Sim.

-Excelente. Considere como seu pagamento. Roupas e uma refeição em troca de música. Espero que seja bom, Charlie.

-Eu sou, Nick.

Havia algo diferente na forma com que seu nome soou nas palavras de Charlie. Algo reconfortante, familiar... Talvez de outras vidas. Independente do motivo, Nicholas gostou da ideia de ter companhia por ao menos uma noite no clima frio do outono de Oregon.

-Troque-se e volte logo para a clareira, estarei esperando com alguns peixes assados.

Vendo o cowboy caminhando de volta à floresta, Charlie se sentiu acolhido. O que não acontecia há muito tempo... Desde que Tori se foi. Trocou-se o mais rápido que podia e guiou o cavalo de volta para o rio. Lá, foi recebido por uma fogueira aconchegante de onde exalava o aroma gostoso de uma refeição quente. Nicholas estava sem o chapéu, agora parecia muito mais novo do que sua voz aparentava. Os cabelos loiros rústicos contrastavam com o sorriso sereno.

A gaita foi colocada no tronco em que o loiro se sentava, como um convite para Charlie se sentar ao seu lado e assim o fez, pegando o instrumento e dando uma primeira soprada para tirar a poeira acumulada.

-Ainda bem que guardei essa velharia. Tentei aprender a tocá-la, mas descobri que não tenho nenhuma habilidade musical!

O viajante sorriu e tocou as primeiras notas, lembrando da sua infância com seus pais, costumavam todos se sentarem ao redor de uma lareira modesta e seu pai tocava para os alegrar. Era isso que Charlie desejava fazer por Nick, seu salvador, naquele momento...Lhe alegrar.

Apesar de mal tocar na comida, o moreno o agradeceu pela refeição. Logo a fogueira foi apagada e o loiro lhe estendeu um cobertor. Ao redor das últimas brasas mornas, a dupla se aconchegou e caiu no sono. Nos últimos segundos acordados, o loiro escutou um último comentário de seu convidado:

-Preciso admitir que as estrelas aqui são ainda mais bonitas. São as mesmas da minha Inglaterra, mas aqui...Parecem ter um brilho especial.

Nicholas sabia como essas terras eram áridas, selvagens e cruéis com todos que ousavam desbravá-las, mas naquele momento aos olhos de seu novo companheiro, não podia deixar de pensar que eram de certa forma abençoados. A noite estava realmente bonita.

- Bem vindo ao oeste... Charlie.

Cinco Vidas - HeartstopperOnde histórias criam vida. Descubra agora