Sete

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Ariana

O Rio São Francisco abrangia a maior parte do semiárido nordestino, suas águas abundantes e o clima favorecendo o cultivo dos vinhedos na região. Nascia em Minas Gerais e depois de percorrer quase três mil quilômetros, desaguava no Oceano Atlântico.

Era fato que o Velho Chico estava intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento do nordeste. Muitas comunidades viviam do que ele podia fornecer, sendo o empreendimento de Heitor um exemplo clássico. Os pratos principais servidos no restaurante-bar que Heitor e seu sócio abriram nas margens do rio consistiam dos peixes que abundavam em suas águas.

O ambiente era naturalmente integrado ao Vale, com o chão natural de pedra e o telhado de palha da piaçava, com as vigas aparentes. O bar nos fundos separava o salão da cozinha e por trás do balcão de madeira envernizada, prateleiras presas à parede, providas com centenas de garrafas.

 O bar nos fundos separava o salão da cozinha e por trás do balcão de madeira envernizada, prateleiras presas à parede, providas com centenas de garrafas

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No geral, achei o ambiente a cara de Heitor.

Enquanto Vinícius e eu saboreávamos um piau assado na brasa servido em folhas de alface com farofa, vinagrete, feijão e arroz, com o vinho que Vinícius trouxe da vinícola; Cecília, a filha de Dr. Ernesto, dono da pousada e meu chefe, aproximou-se da nossa mesa. 

—  Fazia um tempo que você não aparecia por aqui, Vinícius. Pensei que tivesse esquecido os amigos — disse ela, manhosa, me analisando com um olhar especulativo. 

—  Ando ocupado com a vinícola — respondeu ele. — Você e Ariana já se conhecem, eu imagino.  

—  Claro. Você não tinha que estar no restaurante, Ariana? — Perguntou com um timbre mais agudo.

—  Eu entro mais tarde. 

Ela meneou a cabeça, me examinando, antes de voltar-se para Vinícius. 

—  Vou completar 18 anos — anunciou, deixando a voz soar macia. — Painho vai organizar um jantar lá em casa, para os amigos. Vou ficar desapontada se você não aparecer, Vinícius. — Dizendo isso ela se afastou.

Heitor veio até a mesa.

—  Atrás de confusão, Vinícius? Por pouco Dr. Ernesto não coloca você na cadeia.

Heitor puxou uma cadeira e sentou-se a cavaleiro, estendeu o braço musculoso sobre a mesa e serviu-nos da garrafa de vinho, que estava pela metade.

—  Pensei que a galega não andasse mais por aqui.

—  Está brincando. — Heitor riu. — Cecília não sai daqui, mesmo depois da confusão.

Vinícius não continuou a conversa. Heitor voltou-se para mim.

—  Fui aprovado, do ponto de vista de uma chef de cozinha? — Perguntou, malicioso.

—  O seu piau com certeza foi.

—  Tenho mais do que o piau para provar. 

—  Se incluísse alguns rótulos da vinícola no seu cardápio, poderia receber algumas estrelas ribeirinhas.

Heitor deu uma risada.

—  Vinícius, você devia contratá-la — disse, antes de levantar e afastar-se.

Tomei um longo gole do vinho. Vinícius fez o mesmo. Esvaziou o copo e depositou-o sobre a mesa.

—  Vamos? — Disse, levantando-se.

Passei o caminho de volta pensando naquele almoço. Os irmãos Castros Oliveira eram tidos como os melhores partidos em Paraisópolis. Até Cecília Queiroz andava arrastando a asa para Vinícius, mas não saía do estabelecimento de Heitor. Ela vinha dando muitos desgostos a Dr. Ernesto e Dona Regina, pelas conversas que eu ouvia na cozinha do Riviera. 

Pelo comentário de Heitor, Vinícius devia estar no meio. Dependendo do tamanho da confusão, se Vinícius continuava vivo devia ser devido à intervenção de Dr. Otávio, que tinha grande influência na região e o respeito de todos. Dr. Ernesto tinha um gênio do cão por trás da jovialidade que exibia na frente dos clientes. A esposa e os funcionários temiam ele; só Cecília fazia o que queria com o pai. 

—  Posso lhe fazer uma pergunta? — Disse Vinícius, imitando o que eu tinha dito a ele em frente ao casarão, na tarde anterior.

Virei-me para fitá-lo, surpresa, tentando adivinhar aonde ele queria chegar. 

—  Pode.

—  Você e Heitor tiveram alguma coisa?

Fui pega completamente de surpresa.

—  Não — respondi perplexa.

—  Não foi a impressão que eu tive, pelo modo como Heitor agiu essa tarde. 

—  Achei que o problema dele fosse com você.

—  Em parte — admitiu ele. — Heitor mudou muito, quase não o reconheço.

Eu também achava que Heitor tinha mudado. Só não sabia o quanto.

Mas descobriria.

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