Treze

1.1K 135 92
                                    

Ariana

Depois daquela noite no rio, que custei a esquecer — não contei nem à Helena — voltei a encontrar Vinícius no almoço de domingo que dona Laura ofereceu no casarão, uma semana depois, para o conselho familiar da paróquia. 

Antes de ir estudar em Recife eu costumava participar ativamente das celebrações e eventos, mas desde que voltei não tinha ido à igreja, nem para confessar. Depois do episódio com Vinícius, eu me sentia menos encorajada a procurar o átrio da confissão. Até porque não houve arrependimento.

Havia alguns veículos estacionados na frente do casarão, quando cheguei. Saltei do Corcel e ajeitei o vestido rosa de camadas, o tecido leve e vaporoso esvoaçando em torno das pernas enquanto eu caminhava até a porta da frente. 

Antes que eu alcançasse a entrada, Vinícius surgiu da lateral da casa, vindo em minha direção. Meu coração disparou, trazendo de volta as lembranças daquela noite, em que eu quase me entreguei. Eu tinha plena consciência de que o ato só não se consumara porque ele não quis. Depois Vinícius havia remado de volta até a margem e tínhamos voltado para a cidade. Ele estacionara em frente ao prédio e dera uma olhada na rua pelo espelho retrovisor, antes de me roubar um beijo. O que ele tinha dito logo em seguida não saía do meu pensamento: 

" Vou procurar um lugar para nós." 

Agora, senti minhas pernas fraquejarem, enquanto contemplava aquele homem bonito se aproximando pela varanda da frente, os olhos presos nos meus. Vinícius segurou o meu braço, conduzindo-me ao longo da varanda, dobramos a construção e entramos por uma porta de correr em uma sala que acredito ser o escritório, com sofás, estantes e uma escrivaninha de madeira escura.

Ele me abraçou no meio da sala, examinando meu rosto, passando o dorso da mão numa carícia.

—  Encontrei um lugar perfeito — disse, sondando os meus olhos.

Antes que eu pudesse reagir, a cadeira por trás da escrivaninha girou com um rangido. Havia uma mulher sentada ali, que reconheci como a tia de Vinícius, a que sempre o acompanhava na cidade. Senti Vinícius enrijecer, antes de ele me soltar.

—  Estou atrapalhando? — Disse ela, nos fitando com as sobrancelhas ligeiramente arqueadas.

Era uma mulher bonita, os cabelos louros, olhos castanhos ligeiramente amendoados, um corpo voluptuoso que fazia as adolescentes a olharem com inveja. Devia estar com 30 e tantos anos, mas seus traços continuavam impecáveis. Logo depois que Vinícius se mudara para o Rio ela havia ido morar na capital e se casado por lá com um servidor público. Não tinha tido filhos e acolhera alegremente a sobrinha Ana Beatriz, quando ela decidira estudar direito na universidade de Recife.

—  Tia Lívia — disse Vinícius, sério. — Não sabia que tinha vindo. Ana Beatriz veio junto?

Ela tirou os olhos de mim, pousando-os no sobrinho.

—  Não vim a passeio, Vinícius. Não sabia que sua mãe estava recebendo, do contrário não teria vindo. Preciso ter uma conversa com Otávio, sobre Ana Beatriz.

—  Meu pai já deve ter voltado da fábrica. Vou avisar que está aqui.

Ele fez menção de sair, segurando minha mão, mas sua tia voltou a falar:

—  Acho que eu não me lembro de você. — Ela franziu a testa para mim, procurando me associar a algum nome, provavelmente.

—  Ariana Magalhães — falei sem pensar, sem compreender porquê Vinícius não me tinha apresentado à sua tia. Estaria envergonhado por ter sido flagrado com a ex-cozinheira da família?

—  Ariana... — murmurou ela, mas eu não sabia se tinha me reconhecido. — Deixe-a aqui, Vinícius, para me fazer companhia, enquanto procura o seu pai.

Ele hesitou, mas acabou virando e saindo. Continuei de pé no meio da sala, olhando para aquela mulher refinada, me sentindo um pouco intimidada com a sua presença, agora que Vinícius não estava ao meu lado. Senti seu olhar me avaliando. 

—  Você e o meu sobrinho estão de namoro?

—  Não, senhora.

Ela sorriu, irônica.

—  Não? Não foi o que me pareceu. Mas não importa, Vinícius é adulto, sabe o que faz.

Ela se levantou, caminhou até a porta de correr, ficando de costas para mim, olhando para o jardim que se estendia além da calçada de pedra. Eu sabia que ela não era filha legítima do avô de Vinícius, mas de um compadre da família, sendo adotada depois do falecimento dos pais e criada como filha.

—  É triste ver a segregação familiar. Eu e meu irmão Otávio fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para manter o legado deixado por nosso pai, principalmente a família. Heitor desertou, e agora Ana Beatriz tem tomado algumas atitudes que degradam a família. Resta Vinícius.

Ela se voltou para mim, seu silêncio dizendo mais do que as palavras.

Nesse momento a porta da sala se abriu e Dr. Otávio entrou, acompanhado por Vinícius.

—  Ariana, que bom ver você, minha filha. Como estão os seus pais?

—  Estão bem, Dr. Otávio. E o senhor?

—  Bem, e pretendo continuar — completou Dr. Otávio, olhando para a irmã.

Vinícius se adiantou.

—  Ariana, minha mãe quer lhe falar.

Pedi licença e me retirei com Vinícius. Não tivemos mais chances de ficarmos sozinhos. Os convidados para o almoço haviam chegado e dona Laura me integrou ao grupo. Senti Dr. Otávio tenso durante o almoço, imagino que devido à notícia que sua irmã trouxe da capital. Depois do almoço, ele voltou a se fechar no escritório com a irmã, levando Vinícius junto. 

Sempre fui bem tratada na casa de Dona Laura e não foi diferente, mas senti os ânimos da casa oscilando naquela tarde. Deixei o casarão junto com o conselho da paróquia, sem poder me despedir de Vinícius.

Sem saber o lugar que ele tinha escolhido para que eu pudesse ser sua.

Segredo de Família(Link no Perfil)Onde histórias criam vida. Descubra agora