Dez

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Heitor Castro Oliveira — 26 anos

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Heitor Castro Oliveira — 26 anos

Passava de dez horas da noite quando fechei o Armazém, no sábado.

Ia ter uma festa na cidade vizinha e o povo havia se debandado para lá, inclusive João, meu sócio. 

—  O negócio vai estar sortido, Heitor. Nem parece tu, recusando rabo de saia. — Tinha dito João, tentando me convencer a acompanhá-lo.

Mas eu estava sem saco para caçar aquela noite. Sacudi os ombros, afastando qualquer mandinga. Heitor Castro Oliveira sem saco para ir atrás de rabo de saia, só podia ser mandinga, das brabas.

Entrei no SUV e deixei o Vale, rumo à cidade. Passei pela pousada e resolvi entrar no Riviera; sempre tinha um conhecido disposto a pagar o jantar. Era a primeira vez que eu entrava no restaurante desde que Ariana tinha começado a trabalhar como chef de cozinha. Seria bom voltar a provar a sua comida. 

A mesma estirpe de sempre, os senhores donos de terras, comendo e bebendo do melhor que Paraisópolis tinha a oferecer. Eu nunca veria aqueles gatos gordos no meu Armazém, embora os filhos deles não saíssem de lá.

—  Heitor!  — Dr. Ernesto aproximou-se, abrindo os braços. — Veio no dia certo, quero que conheça a nova carta de vinhos que mandei preparar, todos selecionados na vinícola. — Levou-me até uma mesa.

Colocou a carta de vinhos na minha mão, esperando eu emitir um parecer. Estudei os nomes, fingindo interesse. Vi que o Bina estava entre eles.

—  Foi o senhor que escolheu os vinhos, Dr. Ernesto?

—  Desta vez não, mandei Ariana. Então, ela se saiu bem?

Ariana. Voltei a estudar a carta, prestando mais atenção.

—  Eu diria que está excelente, Dr. Ernesto. Os melhores rótulos, as melhores safras, vai ser um grande sucesso, não tenho dúvida.

Dr. Ernesto riu satisfeito.

—  Vou dizer a Ariana que Heitor Castro Oliveira aprovou pessoalmente a carta de vinhos.

—  Posso dizer a ela, na cozinha, se o senhor me permitir.

Dr. Ernesto abriu as mãos no ar, num gesto de desapontamento.

—  Ariana está de folga, Heitor. Mas volte amanhã, que ela estará aqui.

Concordei com um gesto de cabeça, sem prestar mais atenção a Dr. Ernesto, até que ele se afastou para atender outra mesa. Pedi um prato qualquer, comi, bebi, conversei e saí do Riviera o mais rápido que pude.

Entrei no SUV e segui pelo bairro. Quando entrei na rua de Ariana, vi a caminhonete de Vinícius estacionada em frente ao prédio. Reduzi a velocidade e passei ao lado da caminhonete, notando que havia alguém lá dentro. Parei e vi: Ariana e Vinícius, se beijando. Ela me viu primeiro, depois Vinícius se virou. Pisei no acelerador e arranquei. 

Sem pensar para onde estava indo, fui parar de volta no Armazém. Entrei no bar escuro, apanhei a primeira garrafa de uísque que encontrei e saí para a varanda, de frente para o rio, me jogando na rede e virando a garrafa. Que porra foi aquela!

Desde quando Vinícius e Ariana estavam juntos? Quando a socorri no atalho e levei de volta à cidade, ela nem sabia que meu irmão estava de volta a Paraisópolis. Primeiro eles me apareciam aqui no Armazém, depois de um tempo que Vinícius não aparecia, por conta da confusão com Cecília. E agora eu pegava os dois se beijando! Tornei a virar a garrafa. 

Uma das razões para eu ter saído de casa e da vinícola era Vinícius. Eu não sabia o que tinha acontecido na época em que ele foi mandado para o Rio, mas quando descobri, ao ouvir uma discussão entre os meus pais, há quase um ano, fiquei puto. Foi quando descobri a família exemplar a que pertencia.

Para os outros, eu havia saído da vinícola porque queria seguir meu rumo, ter o meu próprio empreendimento. Dr. Otávio foi quem pagou por ele, um acordo não verbal pelo meu silêncio, eu imagino. 

Vinícius e Ariana, juntos. Ela tinha me perguntado por que ele tinha se mudado para o Rio, o que significava que não acreditava naquela história de saúde debilitada. Acho que ninguém acreditava, mas não ousavam fazer perguntas. Paraisópolis podia ser uma cidade pequena, mas o sertão era vasto, árido e duro, escondendo em suas entranhas mais coisas do que minério. 

A garrafa de uísque estava pela metade, quando ouvi passos no chão de pedra. Se fosse assombração eu lhe entregaria logo o restante da bebida, para que me deixasse em paz. Mas não era. 

Meu irmão Vinícius estava ali de pé, e a única coisa que pensei foi que ele não estava mais com Ariana. Estendi a garrafa em sua direção. Vinícius aceitou e tomou um gole, fazendo uma careta. Devolveu a garrafa, sentando no banco comprido encostado na parede.

—  Se eu não lhe conhecesse, diria que Heitor Castro Oliveira foi finalmente enlaçado. Sábado à noite, uma festa aqui perto e você sozinho nessa espelunca.

—  Sozinho não. Eu e Jack Daniel's. — Tenho a impressão que minha voz saiu meio arrastada.

—  Ele com certeza vai derrubar você no final.

—  Ainda estou de pé — resmunguei. — E você, está fazendo o quê na minha espelunca?

—  Vim ver se precisava de babá.

—  Por que eu iria precisar?

—  Me diz você.

Tentei me ajeitar na rede, voltando inutilmente à mesma posição.

—  Quer ter uma conversa às claras, de homem para homem? Que acha de falarmos sobre o que aconteceu naquela maldita vinícola, para ela ter se tornado o que é?

Vinícius permaneceu calado, me olhando sem entender.

Eu não podia acreditar. A maior sujeira tinha sido feita e o objeto de barganha não sabia de nada. Depois dessa descoberta dei um longo trago na garrafa, que ela me derrubasse, eu não me importava. 

Pelo menos não iria terminar a burrada que comecei.

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