Nove

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Ariana

Depois das cervejas no bar de seu Moura e do jantar na casa de Helena, ela e Rômulo começaram a se pegar no sofá. Não foi surpresa para mim, Helena era durona com Rômulo e não admitia nem sob tortura, mas desde a última festa de São José que minha amiga andava suspirando secretamente pelo belo superintendente negro da vinícola.

Levantei do sofá para dar mais espaço aos dois e fui para a cozinha. Vinícius me seguiu. Comecei a lavar a louça, enquanto ele observava, encostado na porta.

—  Dona Laura tinha razão. — Ouvi ele dizer. — Sua carne de sol é a melhor de Paraisópolis.

Senti um calor reconfortante ao ouvir aquilo. Apanhei o pano de prato no gancho e atirei em sua direção. Ele pegou, começou a enxugar os pratos, empilhando-os na mesa.

—  Teria descoberto mais cedo, se tivesse ido ao Riviera.

Ele nunca tinha aparecido no restaurante, desde que comecei a trabalhar lá.

—  Digamos que não sou muito bem-vindo. 

Havia mais coisas sobre ele do que o seu passado, que Dr. Ernesto não aprovava. Terminamos com a louça e voltamos para a sala. 

—  Dá para vocês dois fazerem isso lá dentro? — Reclamei, pegando a bolsa e me dirigindo para a porta.

Fora da casa, respirei fundo o ar fresco da noite. Comecei a caminhar pela rua mal-iluminada, até sentir a mão de Vinícius fechar-se em torno do meu braço.

—  Ariana!

Me virei, encontrando os olhos dele muito perto.

—  Eu levo você. 

Dizendo isso Vinícius me levou até a caminhonete. Eu quase podia sentir meu cheiro impregnado no banco de couro, de tanto que ultimamente andava com Vinícius naquela caminhonete. Recusei a carona que ele me ofereceu na primeira vez que nos encontramos, na estrada de terra, sem saber que depois daquela noite eu passaria a pegar muitas caronas com ele.

Ele estacionou em frente ao meu prédio. Lembrei de Heitor fazendo o mesmo, alguns dias atrás.

Alguém já lhe disse que cigarro em excesso broxa?

Não, mas com você nenhum cabra corre esse risco.

Experimentei uma sensação de  melancolia. Devia ser efeito do excesso de álcool.

—  Obrigada pela cerveja.

Vinícius tinha pago a conta no bar.

—  Obrigado pelo jantar.

Olhei para aqueles olhos castanhos intensos iluminados pela luz do poste, sentindo que podia facilmente me perder neles. Ele inclinou o rosto na minha direção, senti meu coração saltar no peito, antes de sentir os lábios macios encostarem nos meus, suavemente.

Todas as lembranças de quando eu era adolescente preencheram a minha mente, enquanto sentia Vinícius pousar a mão na minha nuca, aprofundando o beijo. Quantas vezes eu havia fantasiado, imaginando situações em que ele vinha falar comigo, criava conversas inteiras em pensamento, que terminavam sempre do mesmo jeito, com ele dizendo que gostava de mim. Uma única vez, ele havia falado comigo de verdade, na barraca de tiro que eu tomava conta, durante uma festa da paróquia. Comprou algumas fichas e disse:

 —  Sabe qual é o segredo para acertar o alvo?

Respondi um não inaudível — minha voz tinha sumido devido ao nervosismo.

Ele havia apontado a espingarda de pressão, fechando um olho:

—  Pensar em alguém que mais odeia. — E disparara, acertando o alvo.

A tia tinha aparecido nesse momento e estendera radiante os braços para receber o brinde: um gato de pelúcia cor-de-rosa. 

Vindo de muito longe, ouvi um carro encostar ao lado da caminhonete e abri os olhos. Um som de música vinha do outro carro e através das janelas abertas pude ver Heitor sentado atrás do volante, olhando para nós. Vinícius afastou o rosto e virou a cabeça, vendo o irmão; antes que ele pudesse dizer algo, Heitor acelerou e arrancou com o SUV.

Foi tudo tão rápido, que eu ainda não tinha assimilado completamente o que havia acontecido. Vinícius acompanhou com o olhar as lanternas traseiras do carro de Heitor até dobrarem a esquina, mais adiante.  

—  É melhor eu ir — murmurou ele, a voz grave.

Concordei, tateando atrás da maçaneta e abrindo a porta. Saltei da caminhonete e entrei no prédio, sem olhar para verificar se Vinícius continuava na rua. Dentro da quitinete, me apoiei na porta, as pernas fracas, relembrando a sensação do beijo, a maciez dos lábios carnudos, a mão quente pousando na minha nuca. 

Saí da porta e fui até o banheiro tomar um banho frio. Meu primeiro sábado de folga e eu terminava a noite dentro da caminhonete de Vinícius Castro Oliveira, beijando aquela boca tentadora. 

Ensaboei o corpo, descendo com as mãos lisas cheias de espuma, circulando os seios, descendo pela barriga, imaginando dedos masculinos entrelaçando os meus, deslizando até as coxas e desaparecendo entre elas.

Fechei os olhos.

Segredo de Família(Link no Perfil)Onde histórias criam vida. Descubra agora