Quatorze

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Otávio Castro Oliveira — 51 anos

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Otávio Castro Oliveira — 51 anos

Fiquei sentado no escritório durante muito tempo, depois da conversa com Lívia. 

Ana Beatriz, minha flor, em quem eu depositei minhas esperanças, minha confiança, desapontou-me profundamente. Senti-me apunhalado. Um a um, meus filhos vinham cravando estacas em meu peito, frustrando os planos que eu tinha para eles, os sonhos que todo pai tem de ver seus filhos seguindo-lhe os passos, não necessariamente as pegadas; mas o caminho do qual procuramos tirar as pedras maiores, para que sigam por ele sem tropeços. Pela primeira vez eu me perguntava se tinha valido a pena.

Outra questão urgente que tinha para resolver era o pedido de Lívia, para que a acolhesse de volta ao casarão. Não estava nos meus planos ter minha irmã de volta vivendo com a família, agora que Vinícius estava de volta, mas não podia negar um pedido daqueles ao único membro da família que meu pai deixou, que me restava.

Eu sempre soube que aquele palerma do marido de Lívia não a seguraria por muito tempo, até que durou mais do que pensei, mas segundo minha irmã, o casamento estava acabado, sem chances de reatamento. Se nosso pai fosse vivo teria se desgostado muito com a separação, mas estava feito, não tinha mais volta. Estiquei o braço e tornei a encher o copo de uísque. 

Laura ainda não sabia sobre Lívia, eu lhe havia contado a metade do problema, que era Ana Beatriz. Quando chegasse o momento, eu lhe falaria sobre a outra metade. Suspirei, passando as mãos pelo rosto cansado, prevendo as recriminações. 

Família. Vivemos em função dela, trabalhamos para que tenha do bom e do melhor, que seja vista com respeito pelas pessoas que nos cercam. E o que recebemos em troca são recriminações, cobranças, traições, uma punhalada atrás da outra. Tomei o resto do uísque de um só gole e empurrei o copo, levantando. 

Saí da sala para o corredor escuro, fui andando pela casa, atravessando os cômodos até a ala onde ficavam os quartos. Bati na porta do quarto de Vinícius. Não obtive resposta. Forcei a maçaneta mas estava trancada. Fui até a porta do quarto de hóspedes e bati. Depois de alguns minutos, Lívia abriu, me fitando sem um pingo de sono naqueles olhos. Espiei dentro do quarto.

—  Por que ainda está acordado, Otávio?

—  Você me traz uma notícia dessas e espera que eu durma?

—  Não vai querer começar uma discussão agora, vai?

—  Eu confiei em você, deixei Ana Beatriz aos seus cuidados, e olha o que aconteceu!

—  Ana Beatriz não é mais criança, Otávio. Aconteceu o que tinha de acontecer, ela estando aqui ou lá.

—  Aconteceu lá.

Lívia olhou-me impaciente, os braços cruzados, apoiada na porta. 

—  Entre aqui, Otávio, precisamos esclarecer algumas coisas.

Entrei no quarto contra à vontade. Continuar discutindo no corredor poderia acordar Laura e francamente não estava disposto a ouvir um sermão de recriminações. Lívia colocou as mãos na cintura, o robe de seda abrindo-se ligeiramente e dando um vislumbre da camisola fina que usava por baixo. Minha irmã era uma mulher linda, tenho que admitir. Era doze anos mais nova, com um corpo que fazia os sertanejos comporem versos inteiros. Nunca entendi porquê não se casou mais cedo — pretendentes não lhe faltaram — não constituiu família.

—  Quero saber, Otávio, como fica o nosso acordo.

O assunto que eu temia.

—  Cumpri a minha parte. 

—  Não me venha com essa! Eu cumpri a minha parte e você descumpriu a sua, mas eu cobro, é bom você saber.

—  Não cabe a mim decidir, depois de todos esses anos.

—  Pois eu acho melhor você dar um jeito.

—  Não vou discutir esse assunto com você, Lívia. Se quiser ficar nesta casa, terá que ser do meu jeito.

Lívia lançou seu olhar melindroso, que  funcionou tantas vezes com nosso pai. Aproximou-se, apoiando-se nos meus ombros cansados.

—  Não vou lhe dar trabalho, Otávio, pelo contrário. Voltaremos a ser uma família unida, agora que Ana Beatriz está voltando para casa. Só falta Heitor, mas esse acho difícil dobrar. Quanto ao resto, vou estar sempre do seu lado, como deve ser. 

Ouvir aquilo tranquilizou os meus nervos tensos, por mais que eu  tivesse aprendido com os anos que as coisas não saíam como planejamos.

—  Está bem, Lívia, vou aceitar as suas palavras. Boa-noite.

Saí do quarto, não sem antes me certificar que não teria mais surpresas naquele dia. Embora a apreensão com o rumo dos acontecimentos não me abandonasse por um minuto.

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