Depois de uma hora de aula eu havia finalmente percebido o quão necessário é o uso de um agasalho durante o inverno em uma sala com janelas abertas e aquecedor quebrado, minha garganta pedia socorro de mil e uma formas diferentes e tudo que eu conseguia fazer era pigarrear ou tossir. O moletom não era a única coisa que eu havia esquecido em casa e percebi isso depois de procurar minha garrafa de água na mochila e não achar. Eu estava ferrada, queria dizer que eu estava frita mas, naquele frio, era tudo que eu não conseguiria estar.
O estopim para meu professor foi quando ouviu talvez minha vigésima tosse.
— Gostaria de ir beber água, senhorita Chou Tzuyu? —ele perguntou de maneira sutil com o cenho franzido enquanto abaixava o livro dos seus olhos para conseguir olhar em minha direção.
Neguei. Meu orgulho era mais forte que tudo aquilo.
— Aguento até o intervalo. —proferi com a voz tão seca quanto o deserto do Saara.
O mais velho então prosseguiu a aula, lendo o livro para toda a turma e vez ou outra anotando coisas no quadro, enquanto eu me via obrigada a tossir o mais baixo possível. Droga de orgulho, droga de cabeça esquecida, na próxima vida espero me chamar Dory e ter um amigo chamado Marlin pra me lembrar das coisas.
Encostei a cabeça na minha mesa, sentindo meu rosto querer se fundir por completo com a superfície de madeira. Era oficial, eu iria bater as botas da maneira mais estúpida possível. Já estava até imaginando os anjos me recepcionando “Bem-vinda a pós vida Tzuyu, vimos aqui que tudo aconteceu porque você não queria dar o braço a torcer e ir beber a água morninha do bebedouro da escola, boa escolha”.
Acho que eu estava rumando ao delírio.
— Ei, pode beber. —Sana, que durante toda a aula me olhava com estranheza, me estendeu sua garrafinha de água. Arqueei o cenho para ela ao virar meu rosto completamente para tal. — Ainda não bebi nela, se é isso que te preocupa.
Ah claro, eu estava muito preocupada naquele momento com o fato de beijar indiretamente uma garota que eu havia acabado de conhecer. Mas parando para pensar…
— Vai aceitar?...
Sem escolha, peguei a garrafa e agradeci a ela com um sorriso pequeno nos lábios.
Eu estava certa, Sana era mesmo doce e tudo nela apenas reforçava essa minha visão dela, principalmente no momento em que devolvi a garrafa quase vazia para a garota e ela apenas sorriu de modo confortável, sem raiva ou fingimento. A de fios rosados parecia estar até mais aliviada que sua garrafa estava mais leve e que eu aparentava estar melhor -o que eu estava mesmo- e com um breve movimento na cabeça entendi que ela só estava preocupada e queria ajudar.
Talvez eu devesse minha vida a ela agora. Ou não.
— O que vai fazer no intervalo? —perguntei brevemente enquanto a via guardar a garrafa no bolso da bolsa.
— Comer..? —falou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Eu estava errada, ela era ácida como limão!
— Sim, óbvio, mas onde?
— Talvez na sala mesmo, não tive tempo de fazer amigos.
— Claro, você chegou a uma hora atrás e tudo que falou foi “Ei, bebe” como se estivesse me oferecendo álcool escondido e, devo te dizer, não é a melhor forma de fazer amizade. —rebati com cara de paisagem mas com um timbre claramente brincalhão, pedindo para tudo que fosse sagrado fazer com que ela entendesse a forma de brincadeira peculiar.
— Quem disse que não era álcool?
— Bem que eu imaginei que água descer queimando pela garganta não é muito normal.
E então ela riu baixo, cobrindo o sorriso com a destra. Não era um flerte, mas eu queria falar para ela que a risada dela era muito bonita.
Passamos um bom tempo conversando sobre as mais diversas coisas, sendo essas tão aleatórias que em alguns momentos eu perguntei a mim mesma se aquela outra garota era normal, mas tudo bem, eu também não era lá tão normal, temos que andar entre os iguais.
A gente percebia o professor nos olhar de escanteio mas apenas deixamos esse fator de lado já que a conversa estava tão boa que sequer estávamos preocupadas com isso. Durante todo o tempo que eu falava com Sana, eu me sentia estranhamente confortável e em cerca de mais uma hora, já pareciamos amigas a séculos, o que é estranho levando em consideração que eu não sou tão boa conversando com pessoas em geral.
Às dez e meia o sino soou, sinalizando que finalmente estávamos no nosso intervalo e que poderíamos sair da sala. Fui a primeira a jogar tudo na mochila e levantar, tão rápido que senti os fios da japonesa acompanharem meu movimento repentino. Estava doida para apresentá-la a Momo, elas se dariam tão bem quanto eu me dei com ambas.
Olhei para a mesa ao meu lado e tudo que consegui ver foi uma multidão cercando Sana, enchendo-a com perguntas enquanto a pobre garota respondia a todas com um olhar desesperado que implorava por ajuda mas não o fiz, apenas sorri e acenei para que ela pudesse conhecer os demais alunos da nossa sala. Com o olhar, mostrei-lhe que estaria lá fora e assim o fiz, sendo agarrada logo em seguida por Momo.
— Oi Momori! —disse retribuindo o gesto da mais velha com um sorriso.
— Me trocou tão rápido. — falou com um bico formado nos lábios rosados, parecia uma criança chateada e birrenta.
— Não troquei ninguém, você vai amar ela quando a conhecer.
— Mal posso esperar — falou com um sorriso dócil, sem mostrar os dentes enquanto seu braço agarrava no meu e me guiava para o refeitório da escola. — Soube da maior fofoca que tá rolando?
— Fofoca? Como esse povo consegue fofocas em tão pouco tempo?.... Conta.
Ela riu.
— Park Jihyo tá namorando uma menina transferida. —falou enquanto sincronizava seus passos aos meus. — Ela finalmente se rendeu a lesbianidade.
— Mas ela sempre disse gostar de um garoto.— Parece que o Daniel era de fachada, Tzu.
— Esse povo só quer saber da vida alheia, poderiam muito bem focar na própria vida, não acha?
— Concordo — ela disse dando um salto na minha frente, fitando-me nos olhos. — Reservei nosso pudim de chocolate com as mulheres do refeitório, quer ir lá comigo?
— Acho que não quero entrar naquele lugar barulhento.
— Como eu já imaginava, reservei. Vou lá pegar, me espera aqui?
— Mesmo lugar de sempre?
— Ok.
Aquela informação me descia a garganta de forma amarga. Jihyo era minha amiga de anos e sequer me contou que gostava de garotas, na verdade, ela me recusava várias e várias vezes afirmando a sexualidade. Ela era hetero, pronto, acabou. Mas não. Meu consciente estava preparado para vê-la namorando um garoto, ou talvez nem tanto, mas saber que Jihyo sequer havia me contado me deixava incomodada.
Tive uma breve quedinha por Jihyo durante alguns anos, ela sempre dizia que gostava de Kang Daniel por ter dado seu primeiro beijo com ele e eu aceitei que eles ficariam juntos em algum momento, mas, aquela notícia despencou em minhas costas como chumbo. O que será que a fez mudar de direção? Ela perdeu o interesse em Daniel ou simplesmente nunca gostou dele e só o usava para escapar de mim?
Não sabia ao certo, minha cabeça estava uma bagunça e eu só queria ficar quietinha. Quando menos esperei já estava em um banco do jardim da escola, coberta pela sombra da árvore com folhagem amarelada.
Abracei minhas pernas, tendo a total certeza de que ninguém passaria por ali, afinal, estava muito frio para que qualquer um fosse averiguar o jardim mas caso acontecesse eu só poderia falar que era o frio, e essa foi minha estratégia.
E quando eu já estava beirando a pular de cabeça nos pensamentos mais autosabotativos, senti uma toalha quentinha cobrir meus ombros.
— Você tá bem?
E então a amargura foi embora, restando apenas aquele momento doce.
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Warm Me 》Satzu.
Fiksi PenggemarOnde Chou Tzuyu esquece seu casaco todos os dias, apenas para ganhar um abraço caloroso de Minatozaki Sana. "Quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?" Plágio é crime!!! 👺🌷 © Sowlli ~ 29/10/2018 ~ 18/07/2021. Editando ♡ 2...