Capítulo 2

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 Acordo com as palmas das mãos suadas e o peso da culpa no peito. Estou deitada na cadeira da sala espelhada.

 Ao inclinar a cabeça, vejo Normani atrás de mim. Ela contrai os lábios e retira os eletrodos de nossas cabeças. Espero que ela diga algo sobre o teste, que já terminou, ou me informe que me saí bem, embora eu não ache que seja possível se sair mal em um teste como esse. Mas ela não diz nada, apenas desconecta os fios da minha cabeça.

 Ergo-me na cadeira e enxugo as palmas das mãos em minhas calças. Devo ter feito algo de errado, mesmo que tudo tenha se passado apenas na minha mente. Será que Normani está com esse olhar estranho porque não sabe como me dizer que sou uma pessoa terrível? Eu queria que ela apenas desembuchasse logo.

– Isso... – Diz ela. – Foi intrigante. Com licença, já volto.

 Intrigante?

 Levanto os joelhos até meu peito e enterro o rosto neles. Queria ter vontade de chorar, porque as lágrimas talvez me proporcionassem uma sensação de libertação, mas a vontade não me veio. Como é possível ser reprovada em um teste para o qual é proibido se preparar?

 À medida que o tempo passa, vou ficando mais tensa. Sou obrigada a enxugar minhas mãos a toda hora, sempre que o suor se acumula. Ou será que estou fazendo isso apenas para me acalmar? E se eles disserem que não me encaixo em nenhuma das facções? Eu teria que viver nas ruas, com os sem-facção.

 Não conseguiria viver assim. Viver sem facção não significa apenas viver na pobreza e no desconforto; significa viver afastado da sociedade, separado da coisa mais importante da vida: a comunidade.

 Minha mãe me disse certa vez que não podemos sobreviver sozinhos e, mesmo se pudéssemos, não desejaríamos tal destino. Sem uma facção, não temos qualquer propósito ou razão de viver.

 Balanço a cabeça. Não posso pensar assim. Tenho que me manter calma.

 Finalmente, a porta se abre e Normani entra novamente na sala. Agarro os descansos da cadeira.

– Desculpe por deixá-la preocupada. – Diz Normani.

 Ela para ao lado dos meus pés, com as mãos nos bolsos. Sua aparência é tensa e pálida.

– Karla, seus resultados foram inconclusivos. – Diz. – Normalmente, cada estágio da simulação elimina uma facção ou mais, mas no seu caso apenas duas foram descartadas.

 Eu a encaro.

– Duas? – Pergunto.

 Minha garganta está tão apertada que é difícil falar.

– Caso você tivesse demonstrado uma aversão automática à faca e escolhido o queijo, a simulação a teria guiado para um cenário diferente e confirmado sua aptidão para a Amizade. Isso não ocorreu, e por isso descartamos a Amizade. – Normani coça a nuca. – Normalmente, a simulação progride de maneira linear, isolando uma facção pela eliminação das outras. As escolhas que você fez não permitiriam que a Franqueza, a próxima possibilidade, fosse descartada; portanto, fui obrigada a alterar a simulação para colocá-la no ônibus. Lá, sua insistência em ser desonesta eliminou a possibilidade da Franqueza. – Ela sorri um pouco. – Não se preocupe. Só quem é realmente da Franqueza fala a verdade naquela situação.

 Um dos nós em meu peito se desfaz. Talvez eu não seja uma pessoa terrível, afinal.

– Na realidade, isso não é completamente verdade. Pessoas que dizem a verdade são da Franqueza... E da Abnegação. – Diz ela. – O que nos leva a um problema.

 Meu queixo cai.

– Por um lado, você se atirou sobre o cachorro e não permitiu que ele atacasse a menininha, o que caracteriza-se como uma reação da Abnegação... Mas, por outro, quando o homem lhe falou que a verdade o salvaria, você continuou recusando-se a revelá-la.

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