Capítulo 6

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 Na manhã seguinte, não ouço o despertador nem o barulho dos passos e das conversas dos outros iniciandos se arrumando. Acordo com Dinah sacudindo meu ombro com uma mão e dando tapinhas na minha bochecha com a outra. Ela já está vestida com uma jaqueta preta, com o zíper fechado até o pescoço. Se ficou com hematomas da luta de ontem, a sua pele escura ajuda a escondê-los.

– Vamos. – Diz ela. – Hora de acordar.

 Sonhei que James me amarrava em uma cadeira e me perguntava se eu era uma Divergente. Eu respondia que não, e ele me socava até que eu dissesse que sim. Acordei com as bochechas molhadas.

 Tento dizer alguma coisa, mas só consigo soltar um gemido. Meu corpo dói tanto que mal consigo respirar. O fato de meus olhos estarem inchados do chororô de ontem também não ajuda. Dinah me oferece a mão.

 O relógio marca 8 horas. Devemos estar nos trilhos do trem às 8h15.

– Vou correr e arrumar alguma coisa para comermos de café da manhã. Apenas... arrume-se. Parece que você vai precisar de um tempinho. – Diz ela.

 Eu solto um grunhido. Tentando não dobrar a cintura, enfio a mão na gaveta sob a cama à procura de uma camiseta limpa. Minha sorte é que James não está aqui para ver meu esforço. Depois que Dinah deixa o dormitório, fico completamente sozinha.

 Desabotoo a camisa e olho para a lateral do meu corpo, que está coberto de hematomas. Fico hipnotizada pelas cores por um instante: um tom claro de verde e outro escuro de azul e marrom. Eu me troco o mais rápido que consigo e deixo meu cabelo solto porque não consigo levantar os braços para prendê-lo.

 Encaro meu reflexo no pequeno espelho na parede de fundo e o que vejo é uma estranha. Ela é morena como eu, com o rosto estreito como o meu, mas não há mais nenhuma outra semelhança entre nós. Eu não tenho o olho roxo, o lábio cortado e um hematoma no queixo. Eu não sou pálida como a neve. Esta pessoa não pode ser eu, embora ela se mova sempre que eu me movo.

 Quando Dinah retorna com um bolinho em cada mão, estou sentada na beirada da cama, olhando para meus tênis desamarrados. Precisarei inclinar-me para amarrar os cadarços. Fazer isso me causará dor.

 Mas Dinah apenas me entrega um dos bolinhos e agacha-se na minha frente para amarrar meus cadarços. Meu peito se enche de gratidão. É uma sensação terna, quase como uma dor. Talvez todos tenham um pouco de Abnegação dentro de si, mesmo que não saibam.

 Bem, todos menos o James.

– Obrigada. – Digo.

– Bem, nunca chegaríamos a tempo se você tivesse que amarrá-los sozinha. – Diz ela. – Vamos. Você consegue comer e andar ao mesmo tempo, não consegue?

 Apressamo-nos em direção ao Fosso. O bolinho é de banana com nozes. Minha mãe costumava cozinhar pães do mesmo sabor para dar aos sem-facção, mas eu nunca cheguei a experimentar. Já estava velha demais para ser mimada naquela época. Tento ignorar a pontada que sinto no estômago sempre que penso na minha mãe, enquanto sigo, meio caminhando e meio correndo. Dinah, que parece ter esquecido que suas pernas são mais longas que as minhas.

 Subimos a escada que leva do Fosso ao prédio de vidro acima e corremos até a porta de saída. Cada vez que meu pé toca o chão, sinto uma pontada de dor nas costelas, mas procuro ignorá-la. Alcançamos os trilhos bem na hora em que o trem está chegando, com seu apito tocando alto.

– Por que demoraram tanto? – Max grita, esforçando-se para ser ouvido sob o apito do trem.

– A Pernocas Curtas aqui se transformou em uma velha da noite para o dia. – Diz Dinah.

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