Capítulo 15

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 Frequentei as cerimônias de iniciação da Abnegação durante todos os anos da minha vida, menos este. É um evento tranquilo. Os iniciandos, que passam trinta dias fazendo trabalhos comunitários antes de se tornarem verdadeiros membros, sentam-se uns ao lado dos outros em um banco. Um dos membros mais velhos lê o manifesto da Abnegação: um pequeno parágrafo a respeito de se esquecer de si mesmo e dos perigos da autoindulgência. Em seguida, todos os membros mais velhos lavam os pés dos iniciandos. Mais tarde, todos compartilham uma refeição, em que cada um serve a comida da pessoa à sua esquerda.

Na Audácia não é assim.

O dia da iniciação mergulha o complexo da Audácia em um clima de loucura e caos. Há pessoas por toda a parte, e a maioria delas já está bêbada ao meio-dia. Eu abro passagem entre elas para pegar um prato de comida na hora do almoço e o carrego até o dormitório comigo. Durante o caminho, vejo uma pessoa cair da passagem na parede do Fosso e, a julgar pelos seus gritos e pela maneira como agarra a perna, ela quebrou alguma coisa.

Pelo menos o dormitório está silencioso. Encaro meu prato de comida. Simplesmente peguei as primeiras coisas que me pareceram gostosas, mas, ao examiná-las melhor agora, percebo que escolhi um peito de frango simples, uma porção de ervilhas e uma fatia de pão integral. Um típico prato da Abnegação.

Solto um suspiro. A Abnegação é o que sou. É o que sou quando não estou pensando no que estou fazendo. É o que sou quando sou posta à prova. É o que sou quando pareço corajosa. Será que estou na facção errada?

Pensar na minha antiga facção faz com que as minhas mãos tremam. Preciso avisar minha família a respeito da guerra que a Erudição está planejando, mas não sei como. Vou descobrir um jeito, mas não hoje. Preciso me concentrar no que me espera. Uma coisa de cada vez.

Alimento-me como um robô, indo do frango às ervilhas e ao pão, depois começando tudo de novo. Não importa a qual facção eu realmente pertença. Daqui a duas horas, caminharei até a sala da paisagem do medo junto com os outros iniciandos, passarei pela minha paisagem do medo e me tornarei um membro da Audácia. É tarde demais para voltar atrás.

Quando termino de comer, enterro o rosto no travesseiro. Não quero dormir, mas acabo caindo no sono um pouco depois e sou acordada pela Dinah, que sacode meu ombro.

– Hora de ir. – Diz.

Ela está pálida.

Esfrego os olhos para afastar o sono. Já estou calçada. Os outros iniciandos estão no dormitório, amarrando os cadarços, abotoando as jaquetas e sorrindo de maneira forçada. Prendo o cabelo em um coque e visto minha jaqueta preta, fechando o zíper até a altura do pescoço. A tortura logo vai acabar, mas será que seremos capazes de esquecer as simulações? Será que voltaremos a dormir tranquilos, com a memória dos nossos medos em nossas mentes? Ou será que hoje finalmente esqueceremos nossos medos, como deveríamos?

Andamos até o Fosso e subimos o caminho que leva ao prédio de vidro. Levanto os olhos e encaro o teto. Não consigo ver a luz do sol, porque há solas de pés cobrindo cada centímetro de vidro acima de nós. Por um instante, penso ouvir o vidro rangendo, mas é apenas a minha imaginação. Subo as escadas com Dinah, e a multidão me espreme.

Sou baixa demais para conseguir enxergar acima das cabeças das pessoas, então apenas encaro as costas de Max e o acompanho. O calor de tantos corpos dificulta minha respiração. Gotas de suor acumulam-se na minha testa. Um clarão no meio da multidão revela-se em volta de todos os que estão amontoados: uma série de monitores na parede à minha esquerda.

Ouço um grito de comemoração e paro para olhar os monitores. O monitor da esquerda mostra uma menina com roupas pretas na sala de paisagens do medo: Marlene. Vejo-a mover-se, com os olhos arregalados, mas não consigo ver qual obstáculo ela está enfrentando. Ainda bem que ninguém aqui conseguirá ver meus medos também, apenas minhas reações a eles.

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