• Vestido •

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Bárbara

          A água estava fria e eu, já estava congelando. A força do mar criava uma pressão ao redor do meu corpo, sensação essa que Miguel era acostumado, mas não eu.

          Meu estômago revirava e eu queria gritar, correr, ir embora. Mas minha pele não parecia a mesma, não era a mesma e eu não tinha controle sobre nada. Por dentro eu me sentia presa em uma gaiola de passarinho, pequena e enferrujada, lutando para sair, por fora, eu olhava para Miguel que estava inconsciente no meu colo.

          Um último adeus silencioso e eu o soltei na água. Ele sumiu na escuridão do mar mais rápido do que eu imaginava, mas eu ainda sentia ele ali. Talvez ainda demorasse um pouco para não sentir mais.

          Dei as costas voltando para a areia, me encontrando na entrada da mansão velha e horripilante. Ouvi os passos da minha mãe atrás de mim e sem pensar, abri a porta e entrei. Seus passos pesados e apressados já eram um sinal de raiva, e agora ela ficaria mais nervosa ainda. Eu não me importava, não mais.

          Meus braços ficaram pesados, eu senti eles deformando, moldando-se em outra coisa. A cada segundo eu me perdia para os tentáculos, porque agora, eu era o Monstro do Mar.

          Virei-me para minha mãe, o rosto dela tão rancoroso, a mão estendida para um tapa, ela contendo o ar pronta para um grito. Mas antes de qualquer coisa, eu agi primeiro. Eu não sentia os tentáculos, era como se meus braços ainda existissem em algum lugar escondidos nas costas, ainda sim, aquela era eu, os tentáculos eram meus.

          E eu vi, os tentáculos ao redor do pescoço dela, segurando seus braços, tirando-a do chão. A pele ficava azulada, tinta escorria de seus olhos, até que com um puxão, a rasguei em pedaços.

          Vi os tentáculos sumirem e minhas mãos voltarem ao normal, sangue e arranhões por toda parte. Quando olhei para a porta, Milo e Amelie estavam lá, me olhando com desgosto, medo, tristeza.

         Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Amelie segurou a fechadura e fechou a porta com força, fazendo um estrondo que tremeu o chão. Corri até lá e bati na madeira pesada, implorando para abrirem enquanto ouvia o som da chave virando.

— Não me deixem aqui! Por favor! — continuei batendo, a palma da mão vermelha e dolorida. — Amelie! Por favor!

          Parei quando as luzes se apagaram, desesperada para conseguir enxergar alguma coisa. Ao meu lado, algo se mexia, se levantava do chão.

          Então, eu acordei.

...

Alojamento próximo a
Base Ordo Realitas,
São Paulo

          Odeio isso. Odeio que esses pesadelos ainda invadam minha cabeça. Tomem conta de mim.

          Abro os olhos e agradeço por fechar as cortinas ontem à noite. A luz do sol que passa pela janela é fraca, sem clarões e dores de cabeça para mim, pelo menos, por agora.

          Amelie dorme ao meu lado, o braço em volta do meu corpo, a respiração lenta. Não quero acordá-la, então decido ficar ali mais um tempinho, logo, ela se mexe um pouco, resmungando.

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⏰ Última atualização: Oct 10, 2022 ⏰

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