Carne nova e segredos

109 10 0
                                    

Seul, Coreia do Sul, 1997

— Já estou indo, vó!

Havia criado o hábito de pedir a benção e beijar a testa da idosa todo santo dia antes de sair de casa para qualquer canto que fosse.

A única mulher restante da pequena família Kim tinha plena noção do quanto a vida escolar do neto era difícil. Por isso, tentava ao máximo apoiar o garoto que, aos seus dezessete anos, já havia passado por mais coisas do que a maioria dos adolescentes de sua idade, amadurecido precoce e duramente.

— Deus te abençoe! — respondeu ela. Era uma mulher religiosa. Não perdia um culto aos domingos. Quando se mudou com Jongin para Seul, por causa de mais um episódio de agressão física por homofobia, a primeira coisa que fez após matricular o neto em uma boa escola foi procurar uma nova igreja evangélica na qual pudesse congregar.

Acompanhou atenciosamente o adolescente sair pela porta. Acreditava mais do que nunca que esse último semestre seria diferente para ele. Precisava ser. E, enquanto segurava a bíblia com certa pressão sobre o peito, orou para que Jongin tivesse um último ano letivo tranquilo.

Já Jongin, apesar de ter sua fé, andava quase completamente cético. Mesmo assim, todas as noites colocava o joelho no chão para agradecer por seus ossos estarem todos no lugar, ou pelo milagre de alguma escola ainda aceitá-lo em seus clubes extracurriculares. A sua vida podia estar uma bagunça, porém, no meio de um turbilhão de problemas, pelo menos ele ainda tinha a chance de continuar praticando balé clássico, a sua grande paixão — a maior e mais ardente que sentia desde que se entendia por gente.

No assento do ônibus, deitou sua cabeça na janela enquanto dava play em School's Out, de Alice Cooper. A distância entre sua casa e a escola não era tão grande, mas desejava, mais do que nunca, que a viagem demorasse uma eternidade. Sabia que não tinha como evitar ir àquele lugar, mas precisava se formar para ser alguém na vida. Era o que todos diziam. No entanto, observar o verde das plantas e a paisagem urbana que via do outro lado da janela, tão diferente da cidade do interior de que vinha, parecia muito mais interessante do que encarar sua realidade.

Mais um ano em que implicariam com Jongin somente pelo fato dele ser ele mesmo. Gay e assumido.

Como um aluno novato entrando no meio do ano, sabia muito bem que, ao pisar no gramado que ficava em frente à escola, os olhares estariam todos sobre si. "Carne nova". Os veteranos queriam saber quem era o cara alto, de lábios fartos e que andava de um jeito elegante em direção à porta de entrada.

Em poucos minutos, Jongin percebeu que, mesmo na capital do país, os padrões de adolescentes se repetiam: havia os CDFs, os esportistas (com suas jaquetas de couro nas cores da escola), as líderes de torcida (com suas minissaias), os artistas (que passavam mais tempo dentro das salas de aula) e os invisíveis (que simplesmente não se encaixavam em nenhuma dessas categorias). Cada qual andava com sua turma. Era uma regra. Provavelmente a única que era cumprida naquela escola, pois as alunas não se privavam de usar a quantidade de maquiagem que bem entendessem, bem como de tingir os cabelos. Os rapazes imitavam o estilo de integrantes de boy bands, e pôsteres dos Backstreet Boys, em seu auge, enfeitavam os armários.

Pressionou os olhos, irritado, ao perceber que, a poucos metros de si, importunando um aluno contra a parede, estava o grupo que ele mais tinha desgosto, mais ainda do que dos esportistas: os que praticavam bullying. Ou como Jongin preferia chamar: moleques que tinham problemas em casa que não sabiam lidar e descontavam suas frustrações nos que estavam em menor número. Roubavam, vandalizavam, humilhavam e ridicularizavam qualquer um que lhes chamasse a atenção e que andasse sozinho.

Por Trás das MáscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora