Mal-entendido e segredos

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— Soo... Você veio pra casa, finalmente. — Doh abriu a porta pesada de madeira, que rangeu, denunciando o quão velha a casa era. — Vai dormir por aqui hoje?

O baixinho negou com a cabeça e sentou-se no sofá gasto, observando a jovem, um pouco mais alta que si, andar de lá para cá enquanto carregava uma vassoura.

— Vi o velho saindo e só quis entrar pra ver você.

Fazia alguns dias desde que vira a irmã mais velha, e sentia saudades. Ali, parado, tentou resgatar em suas memórias mais distantes o momento em que se tornaram aquelas pessoas amaldiçoadas, esquecidas por qualquer deus, vivendo na pobreza em um bairro de merda, sem nenhuma expectativa de vida. Mas não as achou, Kyungsoo havia deletado suas memórias há muito tempo.

— Deve ter ido pra jogatina gastar toda a grana dele por lá.

Assentiu, sabia com certeza que o pai estaria em alguma casa de jogos clandestinos. Era um viciado em apostas e, mesmo que fosse um puta azarado a ponto de perder tudo, nunca parava de ir. Era apenas uma de suas compulsões. Sempre que recebia algum dinheiro do trabalho, torrava tudo com jogos, álcool e cigarros. Foi com ele que Kyungsoo teve sua primeira experiência com a nicotina, se tornando um fumante ainda na infância. A única forma que o baixinho conseguia conviver com as brigas dentro de casa era essa: roubava um maço do pai, uma caixa de fósforos da cozinha e fugia de casa no meio da noite, montado em sua bike. Havia um parque florestal na cidade, onde gostava de fumar enquanto se deitava na grama e observava a lua. Com o tempo, as brigas foram se tornando mais constantes e, após a morte de sua mãe, Kyungsoo passou a mal pisar em casa.

— Como você tá? — ele perguntou, e observou um sorriso amarelo no rosto da irmã.

Deus sabia o quanto ela era a única pessoa com quem ele se importava naquela vida.

— Como eu tô? — A mais velha riu. — Não sei porque se dá ao trabalho de perguntar se você já sabe a resposta.

A jovem deixou a vassoura de canto e se escorou no balcão da cozinha pequena. Olhou para Kyungsoo, surpresa em como seu irmãozinho já praticamente se tornara um homem. Ele permanecia sentado, mas levantou-se, desconfiado, ao notar que a irmã vestia um moletom pesado, enquanto o calor da estação tornava insuportável aquele tipo de vestimenta. À medida que Kyungsoo se aproximava, a garota se distanciava, segurando o pulso como se guardasse algo sob as mangas.

— Sooyoung, que porra é essa?! — Agarrando o tecido e o levantando a força, a Doh mais velha reclamou de dor. Foi então que Kyungsoo viu as marcas vermelhas em seu braço. Ela havia escondido, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, o mais novo apareceria por lá e ferveria em ódio quando descobrisse (exatamente do mesmo jeito que estava naquele momento). — Eu juro que vou matar aquele velho maldito!

Kyungsoo socou forte o balcão de madeira com os dois punhos e começou a se desesperar, andando para lá e para cá. Ninguém tocava em sua irmã! Já bastava confiná-la dentro daquela casa antiga, sem dinheiro, sem vida, servindo apenas como uma empregada doméstica particular.

— Não foi ele, foi um dos amigos bêbados dele que veio inaugurar a televisão. Ele queria que eu fosse buscar uma cerveja e eu neguei, então... — O irmão tremia de raiva. Mesmo que não tenha sido obra de seu pai, o velho não teria feito nada para impedir. — Não foi nada de mais.

— Nada de mais? — Ele soprou pelo nariz. — Esse merda machucou você, e isso eu não posso permitir, eu... Eu vou tirar você daqui!

— Ah, é? E como você vai fazer isso, irmãozinho? Nem emprego você tem — ela perguntou, rindo. Mesmo que tivesse sonhos e ambições, a garota já havia se conformado há muito tempo. Era a vida que Deus tinha reservado para ela, o azar de nascer na família Doh.

Por Trás das MáscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora