16 - Estraçalhado

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Há um barulho estranho que insiste em me incomodar. Eu tento ignorar, mas não para. Rolo na cama e meus olhos abrem, mas está tudo escuro. O barulho volta e me dou conta de que é e compainha. Tento alcançar o abajur até acendê-lo.

A campaninha volta a tocar e eu caminho zonza saindo do quarto.

Estou uma verdadeira bagunça.
Esbarro numa mesa pelo caminho e solto um gemido de dor. Acendo a luz da sala e quando alcanço a porta demoro um pouco até conseguir abrir a mesma e ver Gizelly diante de mim.
No mesmo momento fecho a porta rapidamente.

Pisco algumas vezes me dando conta de que estou de fato acordada, então volto a abrir a porta e ela realmente está diante de mim, dessa vez com a mão na porta para que eu não volte a fecha-la.

— Você vai até mim bêbada, me beija, me envia uma mensagem dizendo que está me odiando e depois não atende o celular. Eu acordei o Charlie que acordou o John para conseguir... Enfim Rafa. O que raios deu em você hoje?

— Você me acordou pra isso? — Me apoio na porta levando uma mão a testa. — Que inferno. Eu não devia ter bebido aquela droga. — Tento me endireitar e subo o olhar até seu rosto. — Eu estava bêbada.

— Eu estava e estou sóbria. — Ela segura em meus ombros, me empurra para dentro e fecha a porta a seguir. — Desculpa te acordar. Eu só fiquei preocupada.

Caminho até o sofá onde sento escondendo o rosto com as mãos.

— Estou morrendo de vergonha Gizelly.

— Você conseguiu me tirar o sono, Rafa.

Levanto o rosto e olho ela em pé no meio da sala.

— Eu não tinha esse direito. Você tá seguindo em frente e eu...

— Rafa, por todo esse tempo pra mim foi só você, eu nunca fiquei ou sequer pensei em ficar com mais ninguém. E mesmo depois de me dizer que o que sentia não era suficiente e que não se imaginava comigo, eu ainda te procurei e tentei ver algum sinal de que restava algum sentimento. O que tenho com a Julie aconteceu de maneira natural, eu não busquei, mas ainda assim me senti culpada. Eu lutei contra isso porque se não é para ficarmos juntas, por quê não seguir em frente? Insistir só ia machucar a mim e você. Agora eu sei que a Bianca foi embora e só então você vem me procurar.

Com a cabeça baixa mordo o interior de minha boca com força tentando reprimir a vontade que sinto de chorar.

— Eu não ia conseguir dormir sem dizer isso hoje — continua. — Me perdoa por não ter dado a atenção que  merecia. Por não cumprir nem metade do que prometi. Me perdoa pelo tapa que te dei aquele dia. Por tudo o que fiz que te machucou. Me perdoa por não poder agora te abraçar dizendo que tá tudo bem, que a gente pode consertar as coisas. Eu não vou, nem quero machucar a Julie, nem quero te machucar e muito menos me machucar ainda mais. Por isso quero que nossa história termine aqui.

Quantas vezes é possível um coração ser quebrado?

A essa altura eu já perdi as contas.

E enquanto eu sinto o meu novamente sendo estraçalhado pelas palavras de Gizelly, sei que o que diz é a coisa certa a fazer, mas eu também sei que a amo.

Só então levanto a cabeça e encaro ela que tem os olhos marejados. Os meus já falharam na tentativa de conter as lágrimas.

— Você te razão. — Levanto e caminho pela sala, secando as lágrimas. — Me desculpa pelo que fiz hoje. Me desculpa por ter fugido dos meus sentimentos. Por ter... traído você. — Volto a chorar.


PASSADO

— Eu senti tanto sua falta. — Suas mãos seguram meu rosto. — Minha mãe cedeu as chantagens da sua, me senti tão impotente, queria ter ido até sua casa e te levado para onde eu pudesse cuidar de você.

— Eu também senti sua falta, mas sei que não tinha como ser diferente. — Ela sela nossos lábios.

— Ainda me ama? — pergunta.

— Mais que a mim mesma.

Sinto sua mão deslizar por meu rosto e fecho os olhos sorrindo, em seguida volto a me perder em seu olhar.

— Casa comigo? — Arqueio as sobrancelhas esperando seu sorriso brincalhão, mas  permanece séria. —  Estou falando sério. Vamos embora daqui?

Respiro fundo tentando pensar direito.

— Você não conhece todos os meus defeitos e quando conhecer não vai querer passar a vida inteira ao meu lado.— Sorrio fraco desviando o olhar para o mar.

— Tá brincando? E se a vida for apenas hoje? Ou até amanhã? Eu quero passar todas as horas e dias ao seu lado, não importa quanto tempo seja. Hoje, amanhã ou até nossos cabelos ficarem brancos. Ninguém sabe ao certo quanto tempo tem, mas sabemos o que queremos e eu quero você, Rafa, quero dividir tudo com você, quero estar perto sempre que precisar. Nunca mais sentir essa angústia que tenho sentido. — Fico sem palavras olhando-a por um tempo.

— Mas você vai para algum lugar estudar medicina e eu...

—  Bem, como sei que não fez planos sobre faculdade, então pode ir comigo.

— Você quem está brincando, não é?  — Estou incrédula.

— Amor. —  Acaricia meu rosto. — Eu quero cuidar de você, ta sendo torturante não saber como está, não poder te dar carinho.

—  Não sei o que fazer. — Baixo a cabeça, ela aperta minhas mãos.

— Não sente o mesmo que eu? —  A vejo franzir o cenho — Não quer...

—  Não é isso! — Coloco um dedo em seus lábios. — Ok, depois dos dezoito eu quero viver com você, antes disso não quero complicar sua vida e de Lizzie. Eu te amo e quero ficar com você.

PRESENTE


— Por favor vai — peço virando de costas, antes que me agarre a ela tanto quanto estou agarrada às lembranças do passado.

Nós não somos as mesmas. A Gizelly que me dizia aquelas coisas era outra e a Rafa que ouvia também era outra. Os sentimentos mudaram, nós mudamos.

PASSADO

No fim da aula, após guardar meu material pego a pequena pilha de livros que levei para casa na tentativa de me dedicar um pouco mais aos estudos. Já estou saindo da sala quando escuto um "ei" que me faz parar e olhar para trás.

É a garota nova.

— Você é a garota que se meteu no meio do caminho e eu quase passei por cima com a bicicleta —  diz ela e arregalo os olhos surpresa.

— Então foi você quem me deixou com uma marca roxa no braço. — Aponto para ela.

— Você quem estava onde não devia — rebate com um sorriso no rosto.

— Mas se você fosse atenta teria percebido que eu estava na sua frente. — Coloco a mão livre na cintura .— Eu fui a única que saiu ferida.

— Bem, vamos esquecer isso. Quer ajuda? — pergunta.

— Não, obrigada, a biblioteca é bem aqui perto. — Viro e saio caminhando.

— Qual seu nome? — Ela me acompanha e viro o rosto para olhá-la, me sentindo incomodada.

— Rafaella. — Olho novamente para a frente e continuo andando.

— Sou Gizelly.

— Ah, eu percebi — Mantenho o tom de voz bem desinteressada, mas ela continua me seguindo.

PRESENTE

Escuto a porta sendo fechada e desabo. Eu peço a Deus que essas sejam as últimas lágrimas que derramo por esse amor que um dia foi meu sustento, que me deu força, alegria e me encheu de sonhos. Esse amor que me trouxe até aqui, mas que agora preciso deixar ir.

Last LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora