Capitulo I - Dia 1

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Sede das indústrias More Health
Ano 2022.

NUNCA ME IMAGINEI NAQUELA SITUAÇÃO, NA VERDADE, NINGUÉM SE IMAGINA. A minha chegada às indústrias More Health foi um evento único. Logo percebi os olhares no canto dos olhos e a  expressão comovida no rosto das pessoas, que me encaravam com uma empatia constrangedora. Apontavam para mim de forma sútil e cochichavam entre si. Todos  queriam saber quem era o marido da Dra.Yelena e como este estava a lidar com a situação.

Já haviam se passado dois dias desde que recebi o telefonema que mudou minha vida. A voz do outro lado do celular ainda ecoava forte em minhas memórias, trazendo pontadas de tristeza a cada lembrança.

"Ela tem mais ou menos quinze dias de vida."

Foi essa a última coisa que captei das palavras proferidas com rouquidão. Palavras essas que anunciavam a destruição do "pra sempre" que envolvia minha história com Yelena, fazendo com que, tal e qual a xícara de café que me escapou entre os dedos, meu coração se espalhasse pelo chão expandindo seus cacos varanda a fora.

Ainda era triste relembrar.

Os  olhares de pêsames antecipados em minha direção não escondiam a realidade. Apertos de mãos mais fortes do que os convencionais, substituíam os abraços ternos de consolação, de pessoas que não encontravam outras formas de me dizer: " Sinto muito pela sua perda." pois, teoricamente, eu ainda não a havia perdido.

As expressões nos rostos eram de dó, porém as bocas permaneceram caladas até que por fim, alguém, com a melhor das intenções, teve coragem de se pronunciar sobre o assunto:

— É realmente muito triste o que aconteceu com a doutora. — Lamentou o homem coberto de roupa protetora que me acompanhava. Estávamos a caminho das salas protegidas onde Yelena era mantida em isolamento, distante de qualquer contacto com outras pessoas. — Ela sempre foi uma pessoa muito alegre, mas dias antes do acidente acontecer ela estava muito triste, sabe? Parecia até que estava deprimida.

O senhor olhou para mim e ao perceber meu desconforto, inquietou-se. 

— Eu falei de mais, senhor. Me perdoe. — Se desculpou constrangido. Eu permaneci em silêncio.

Seguimos o caminho em passos lentos, sem pressa, por um corredor que, de  tão vago, ampliava o assombro da situação. A porta ao fundo marcava o lugar onde Yelena estava comportada e quanto mais nos aproximávamos mais vivos eram os meus pensamentos sobre Yelena. Sobre como o fim havia chegado para nós de forma tão trágica, e por tudo isso  ter sido culpa minha.

No vácuo, nossos passos ecoavam fortes e abafavam os berros da minha alma que se auto-crucificava. Senti meu corpo corresponder a uma culpa que, por sinal, já era frequente companhia e a vontade de sair correndo gritava tão alto que só se calou quando foi interrompida.

— É bem aqui senhor... — Informou o segurança ao abrir a porta e logo se retirou. Me deixando sozinho com os meus receios. Adentrei no recinto, hesitante, observando cada canto como quem não sabe o que procura até que, no fim da sala, avistei uma janela enorme, toda envidraçada e do outro lado estava ela, a minha Yelena.

Estava quieta e de costas, sentada sobre a cama com um ar pensativo, que não era muito frequente em seu semblante.

O que se passava naquela cabeça, no momento, era um mistério até mesmo pra  mim, que a conhecia como ninguém.  Sua imprevisibilidade somada à situação em que estava tornavam aquela postura arqueada e cabeça abaixada impossíveis de serem interpretadas. Reconhecia a mulher que ali se sentava de outras vidas, mas sua reação ao me ver ainda era um mistério. Tudo o que sabia era que independente de como fosse, eu precisava ser forte o suficiente para olhar nos olhos dela e dizer: "Vai ficar tudo bem!" mesmo sabendo que não ficaria.

Até Que MorramosOnde histórias criam vida. Descubra agora