Capitulo VII - O Adeus

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O DIA NÃO PODIA AMANHECER MAIS TRISTE. Faziam agora três semanas desde que aquele acidente fatal levou seus pais para longe e, em pleno seu aniversário, tudo o que Yelena não tinha eram motivos para comemorar.

A  menina acabara de completar  a maior idade. Um momento esperado que agora já não tinha significado nenhum. O desalento banhava a fazenda sem dar espaço pra mais nada, e dentre todas as coisas, o que preenchia nossas mentes era a preocupação e o desejo  de saber como estaria Yelena naquela manhã.

Lembro que  acordei com o ranger da porta sendo aberta e ouvi os passos da minha mãe saindo para fora. Me levantei e segui-a até a varanda, onde a encontrei olhando pra casa dos Freire com os olhos brilhando de tristeza, como quem sente dor, saudade, e ao mesmo tempo uma paz, sabe? Paz, por acreditar que pessoas tão boas como Dona Maria e Sr.Marcelino só poderiam estar em um lugar melhor.

Me aproximei devagar e estendi minha mão em seus ombros, partilhando assim  os mesmos sentimentos. Ela descansou seu rosto sobre uma das mãos e se movimentando levemente, fez carinho. Suspirou de olhos fechados, enquanto o vento trazia consolo em cada sopro, em cada toque. Permanecemos ali, paralisados por instantes, como se nossas almas se conectassem com algo maior, até a preocupação interromper esse momento de expansão.

Minha mãe suspirou novamente.

— O que será que ela está fazendo? Será que já está acordada? — Referia-se a Yelena, que na noite anterior rejeitou o convite de ficar conosco e escolheu dormir  sozinha naquela casa cheia de lembranças.

— Não dá pra saber. — Respondi. —  Mas sei que no lugar dela eu não pregaria um olho a noite inteira.

— Pois  é... Esse amanhecer deve ter sido muito difícil para ela, filho... Seus pais sempre a acordavam com gritaria nos seus aniversários. Dava  pra ouvir as vozes  deles daqui, lembras? — Ela sorriu levemente e o sorriso logo se dissipou. — Quando  ela acordar e lembrar que é  seu aniversário, não vai deixar de reparar no silêncio da casa e aí, vai sentir ainda mais a falta dos pais. É difícil até de imaginar qual será a sua reação.

Passou a mão nos olhos, enxugando gotinhas de lágrimas que já invadiam seu rosto. Tomou fôlego e se virou para mim:

— Você deveria ir lá, filho.

— Eu!? – Admirei.

— É claro! Quem mais seria?

— M-mas o que eu vou fazer lá, mãe? Se eu for vou acabar chorando e isso vai deixar ela ainda mais triste.

— Então é só você não chorar, oras!  — Berrou. — Ela não pode ficar sozinha em um dia como esse e você é o melhor amigo dela, Lúcio. Da pra perceber que ela  confia em você, então, seja homem e vai!

E ouvindo isso eu fiquei sem argumentos.

Fui em passos hesitantes pelo caminho de terra, até chegar à entrada do lugar. Aquela  casa ainda me trazia lembranças tão vivas do casal que estar ali causava arrepios. Subi os degraus até a varanda, vi a porta entreaberta, rangendo e balançando levemente com o vento. Meus dedos tocaram a maçaneta e a porta se abriu devagar, deixando exposta aquela sala untada de recordações. Recordações dos nossos jantares, das risadas e das farpas tocadas por Dona Maria e Sr.Marcelino.

A cada passo marcado, o rilhar do piso velho enchia o lugar anunciando minha presença a quem quer que estivesse. Observei a sala e me assustei. Estava bagunçada. Moveis revirados e pedaços de coisas que se partiram espalhados pelo chão. Não resisti a preocupação que me alcançou, mas vi Yelena logo a seguir, sentada no chão, encolhida junto à parede, com os pensamentos voando. Abrigava em seu colo uma caixa de presente já aberta, e um papel amassado por cima que presumi ser um bilhete.

Até Que MorramosOnde histórias criam vida. Descubra agora