Capitulo X - O Regresso

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Ano 2010...

FAZIAM QUATRO ANOS DESDE QUE YELENA PARTIRA PARA A CIDADE GRANDE. E pra que minha solidão se completasse, mais uma vez, a morte fez uma visita em minha casa. Entrou calmamente com o seu manto preto rastejando sobre chão de madeira, sentou-se na primeira cadeira livre que avistou e em um tom debochado disse que tinha uma nova piada para nos contar. Dias depois, lá estava eu chorando, enquanto via a terra cobrir o caixão que abrigava a parte carnal do meu eterno amor.

Dona Raquel Vegas, a mulher guerreira que sacrificou sua vida para fazer de mim uma pessoa da qual pudesse se orgulhar, agora era apenas uma lembrança em nossas memórias, assim como Sr.Marcelino e Dona Maria. No caso dela, um infarto foi o que a tirou do resto da minha vida, levando com ela também seus conselhos e sua vasta sabedoria.

Lembro que a medida que via o caixão sendo coberto pela terra, me questionava sobre como seria minha vida sem a mulher que me gerou. A que me ensinou tudo o que sabia sobre amor, respeito e generosidade. Que me amou mais do que amou a si mesma. Sem sua personalidade culta e sua completa ignorância sobre os assuntos da terra, aquela fazenda não seria mais a mesma, e talvez... — pensava eu — talvez tivesse chegado a hora de me desfazer dela e seguir minha vida em outro lugar.

Depois do funeral, fiz uma pequena recepção em minha casa, onde apareceram todas as pessoas que conhecia. Meus vizinhos, alguns familiares distantes e o então meu amigo mais próximo, Enzo Gonzales. A quem o destino me uniu de forma inesperada.

Tínhamos nos tornado tão próximos que as diferenças do passado haviam sido esquecidas, e por ironia do destino, foi dele que naquela tarde desesperançosa recebi a única notícia capaz de alegrar o meu dia e aliviar minha dor:

— Tem alguém esperando por ti no rio. — Anunciou com um entusiasmo que não condizia com o clima triste que pairava no ar. — Sugiro que tu vás para lá de pressa, porque com certeza não vais querer deixar essa pessoa esperando por muito tempo.

— Seja quem for... — Respondi friamente. — Diz que estamos todos reunidos aqui.

— Acho que você não me entendeu, Lúcio.— Me encarou com um olhar sugestivo, e nesse momento acendeu uma pequena faísca de esperança dentro de mim.

Minha expressão não escondeu o entusiasmo, "será que é quem eu estou pensando?" Rapidamente nossas mentes se comunicaram numa telepatia pura, e sem que eu perguntasse quem era, Enzo olhou nos meus olhos com um sorriso contido e abanou a cabeça positivamente.

— Vai lá, meu amigo... — Apontou para fora onde já estava um cavalo preparado para mim. Presumindo assim, que eu já fazia ideia de quem se tratava.

Lembro que nem pensei duas vezes. Cavalguei afobado pelo mato, num caminho que já havia percorrido inúmeras vezes, mas daquela vez a sensação era bem diferente. Em minha mente, passava um verdadeiro carnaval de sentimentos em que a tristeza sambava livremente e arrasava, porém um resquício de esperança vinha quieta como quem não quer nada, e cada vez mais começava a se soltar na pista.

Cheguei no rio, e logo avistei quem me esperava. Estava sentada em uma pedra, numa distância considerável da água. Olhava para o outro lado com o mesmo brilho no olhar de quando tinha apenas oito anos. Quando a vi deslumbrante, de cabelo preso e jaqueta de couro no estilo, o desgaste de cavalgar desesperado até ao rio sumiu. Na hora, a respiração ofegante e o coração acelerado tinham outra explicação: Era pura emoção.

Estava difícil entender o que eu sentia, mas tudo parecia ter perdido a graça antes de saber que ela havia voltado, meu futuro estava embaçado, mas ela veio e passou sua mão sobre ele, limpando tudo e me permitindo enxergar novas possibilidades. Meu passado e o dela sempre estiveram interligados, e eu estava disposto a fazer o mesmo com o nosso futuro também. Desde que ela quisesse a mesma coisa que eu.

Até Que MorramosOnde histórias criam vida. Descubra agora