Capitulo XV - Aurora (Part. 2)

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VOLTAMOS PRA CASA COMO DESCONHECIDOS. Yelena passava seus dias chorando ou dormindo. Quando acordada, pensava na nossa filha e chorava enquanto via as roupinhas que a menina usaria se estivesse conosco, e quando dormia, sonhava com ela e acordava chorando.

Era um ciclo infinito de dor e sofrimento.

Eu tentava me manter por perto, escondia minha dor e a acolhia em meus ombros sempre que conseguia, mas sumia quando a dor batia em mim. Ainda incapaz de compartilhar com ela minha melancolia.

Quando sua licença terminou, Yelena teve que ir pra More Health, cumpriu dois meses de trabalho como era habitual, e voltou pra casa ainda mais triste do que estava quando partiu. Mas em contrapartida, por traz da melancolia, trazia uma vontade de seguir em frente que eu não percebia.

— Fui visitar o Menezes... — Informou ela, interrompendo o silêncio absurdo que dominava os nossos jantares.

Ao contrário dos tempos antigos em que falávamos sobre tudo, nos divertíamos e muitas vezes pulávamos para o amor antes mesmo de servir a sobremesa. Nessa época os nossos jantares pareciam uma extensão do velório da nossa menina. Só havia dor e tristeza no cardápio e a sobremesa era uma dose de discussão que sempre terminava em choro e lamentações.

— Eu falei com ele... — Yelena continuou. — E pedi que me representasse no nosso processo de divórcio.

— Você quer se separar de mim? — Questionei assustado. Apesar de tudo o que acontecia, o divórcio nunca foi opção para mim. Ouvi-la falar desse assunto me alarmava.

Yelena abaixou o rosto. Pousou os talheres sobre o prato e descansou sobre a cadeira.

— Essa é a questão. Não é que eu queira me separar de você. Eu não vivo sem você. — Frisou. — Mas eu não posso ficar casada com alguém que esconde suas dores de mim. Principalmente numa situação como essa em que devíamos compartilhar e enfrentar tudo juntos.

Abaixei a cabeça sem conseguir encarar seu olhar.

— Eu não consigo...

— Eu sei... — Ela suspirou — Mas, como eu disse, a gente pode tentar fazer isso juntos. Você é a única pessoa que me restou e se eu não poder contar contigo, não haverá mais razões para estar aqui. Cada dia que passa é como se eu estivesse morrendo por dentro, Lúcio. Por isso te peço, por favor, me ajude a sobreviver.

— Eh... Eu não sei o que fazer.

— Só fale... fale sobre o que dói em você, fale comigo. Você pode fazer isso?

Eu assenti com a cabeça, comovido. Ela abraçou minha mão sobre a mesa, me encarou com seu olhar cuidado e tomou fôlego.

— ...Eu quero saber como você se sente com tudo o que aconteceu. Me diz...

Fechei os olhos organizando as respostas, e no momento revivi todos os acontecimentos em minha mente. Foram lufadas de lembranças, que passaram e devastaram meus pensamentos. Num instante, a culpa ocupou todo espaço.

— Me desculpa... — Lamentei.— Eu não consigo. Não sou forte o suficiente para lidar com tudo isso, pelo menos não agora.

Levantei e fui saindo apressado, fugindo como sempre. Yelena me seguiu até a saída e quando minhas mãos já tocavam a maçaneta ela berrou, desesperada.

— Escuta, Lúcio! — Parei com a porta entreaberta. — Eu também sinto dor... Eu também estou sofrendo com tudo isso e preciso de você mais do que nunca. Será que você não entende! — A voz começou a falhar — Não foi sua... sua culpa. Se você estivesse comigo isso aconteceria do mesmo jeito, homem! São mais de... mais de duas horas de distância daqui até o hospital! Nós jamais chegaríamos a tempo, vê se entende isso! Você não estava lá no dia, mas agora você tem a oportunidade de estar aqui e me apoiar. Por isso eu quero que você fique. Por favor, Lúcio, fique...

Mas para mim, já não dava.

Minha teimosia e minha dor me arrastaram até o estábulo, onde passei a noite deitado na palha, olhando pro céu, me culpando de coisas que aconteceram e não poderiam ser mudadas. No dia seguinte quando voltei para casa pra conversar já era tarde demais. Yelena já havia partido e deixara sobre o criado mudo um pequeno bilhete dizendo:

"Voltei para o laboratório. Pois, se for para estar distante de você, que seja literalmente."

Parecia ser o fim para nós.

Três dias depois, recebi a ligação que anunciava a infecção que sofreu. A ligação que talvez não teria acontecido, se eu escolhesse ficar e conversar.

Até Que MorramosOnde histórias criam vida. Descubra agora