Ano 2022, o dia depois do sexto.LEMBRO QUE ERA QUASE MEIO DIA. Abri meus olhos e a imagem embaçada foi se limpando devagar. A dor de cabeça rapidamente deu o ar de sua graça, e antes mesmo que eu pudesse lidar com ela, avistei Menezes, bem a frente de mim, me encarando com a pena escancarada em seu rosto. Pareceu preocupado, mas rapidamente a tranquilidade tomou conta de si. Se aproximou e suspirou aliviado, deixando claro que ainda não sabia do que havia acontecido com Yelena nas últimas horas.
— Procurei por você a cidade inteira. — Disse despreocupado, porém olhava o lugar em que eu estava com desdém. — Eu jamais imaginei que te acharia dormindo em um banco de praça pública, meu amigo.
— É que... aqui é verde. — Respondi desencanando. Me sentia tão morto por dentro que nem sua empatia me aquecia.— As árvores e as folhas me fazem bem, acho que você sabe disso.
— Sei... Mas esse banco de madeira é duro pra caraças, irmão. Você deve estar com uma dor terrível nas costas.
E eu até estava, mas sinceramente, a dor nas costas era o menor dos meus problemas no momento. Na verdade, tudo aquilo era de menos.
Ter acordado naquela praça foi apenas a cereja no topo de um bolo que começou a ser feito de madrugada, na primeira hora do dia, quando fui acordado enquanto dormia na calçada de sempre, com a notícia de que Yelena estava passando mal, e exigia me ver com urgência.
Lembro que fui o mais depressa que pude, e quando cheguei em seu quarto percebi que "passar mal" era um eufemismo diante da situação. Ela estava deitada na cama, arquejante e usava toda sua energia para inspirar e expirar. As veias sobressaiam a pele demostrando sua aflição, que era tanta ao ponto de abafar seus gemidos. Um movimento tão natural e até involuntário quanto respirar, havia se transformado num esforço extremo para ela e quanto mais se esforçava mais aflita ficava. Gritei por ajuda, e o segurança que me acompanhava saiu correndo para buscar.
Lembro que quando voltei o olhar para Yelena, a vi assustada. Seus braços trêmulos amassavam os lençóis e quele toque no vidro que se tornou nossa terna saudação foi substituído por olhares tão úmidos que cintilavam, clamavam desesperadamente por socorro. Com o rosto virado para o teto e olhando para mim de cantinho, Yelena fechou os olhos devagar, como se estivesse desistindo. Sua mão, a que amassava o lençol, foi abrindo levemente, descontraindo, devagar, como se a força abandonasse seu corpo aos poucos. A expressão de desespero em sua face foi se moldando até sumir por completo, deixando seu rosto neutro. Sem nenhuma expressão.
Naquele momento cheguei a ver paz em seu semblante, como se já tivesse partido. Soquei o vidro que nos separava e ele não quebrava por nada, muito pelo contrário, parecia que o meu desespero o tornava mais forte. E com isso, confesso, eu desisti de tentar.
Vi o vidro intacto, manchado apenas pelo sangue que saía dos meus punhos, conclui que não teria jeito. Yelena estava indo embora e eu, fraco como sempre, não conseguiria impedir. Mas antes que as máquinas parassem de bipar, os médicos entraram na sala para socorrê-la. E eu, como sempre, fui retirado da More Health logo em seguida. Fiquei do lado de fora sem saber o que sentir, e só duas horas depois vi um dos Doutores sair e vir em direção a mim.
— Como ela está, doutor? — Questionei apreensivo.— Ela vai ficar bem?
Ele apertou os lábios um contra o outro formando uma linha fina. Suspirou e respondeu, delicado:
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Até Que Morramos
RomanceMovida a tragédias. Até que Morramos conta a história de um casal de eternos apaixonados, lidando com a dor da eminente perda. Numa narrativa fluida entre o passado e o presente. Lúcio Vegas, um fazendeiro humilde, porém rico em culpas e arrependime...