Capitulo IV - Dia 3

149 28 160
                                    

Indústrias More Health

YELENA SEMPRE FOI MUITO BOA EM DIZER "NÃO" PARA MIM. Mesmo quando no fundo queria dizer sim, sabe? Especialista em joguinhos e dissimulações, ela fazia questão de me confundir sempre que podia. Era danada, admito! Mas se há uma coisa que nunca fez foi mentir para mim sobre coisas importantes. Nisso eu não tinha o que reclamar.

Além disso, tinha também o quesito confiança que nós colocamos como base da nossa relação. Não esconder nada um do outro foi o juramento que fizemos certa vez, debaixo de uma árvore, enquanto apreciávamos o sol e o céu entorno dele. Me lembro que Yelena olhou para mim com os olhos brilhando e falou: "Assim como o dia não esconde o azul do céu, eu gostaria que você nunca escondesse nada de mim." A partir dali nós fizemos um pacto de transparência que jamais seria quebrado. E por estas razões, sabia que se tivesse algum mistério por trás do acidente que a infectou ela me contaria.

Cheguei até o quarto onde Yelena estava isolada me questionando se ela teria coragem de quebrar o pacto depois de tanto tempo. No entanto, o sorriso aberto com que ela me recebeu logo mudou meus pensamentos. Caí na graça da morena e da sua simpatia. Logo percebi que o que precisava era esquecer as perguntas e aproveitar os momentos. Momentos que amanhã se tornariam lembranças e talvez me ajudariam a continuar vivendo sem ela por perto.

Me aproximei do vidro que nos separava. Varri o quarto com o olhar, nada havia mudado. A tristeza ainda dançava naqueles metros quadrados. Se expandia, era tão espaçosa que deixava Yelena acanhada. O quarto continuava o mesmo lugar desalmado da última vez, e nem mesmo a mulher mais colorida do mundo conseguia dar vida ao lugar. Na verdade, acontecia o contrário. Yelena parecia menos viva a cada dia, como se suas cores fossem sugadas de si e levadas pra longe.

Quando me viu tão perto, lamentou não poder me tocar. Espalmou sua mão sobre o vidro, suspirou, como se o atravessasse com a alma. Seus olhos se fecharam intensamente, um pequeno sorriso se formou. Ela sempre dizia que eu era especialista em lhe causar arrepios e naquele momento agia como se me sentisse em sua pele.

Abriu outro sorriso, dessa vez com ironia, como se tivesse pensado em algo broxante. Abanou a cabeça para os lados e desabafou:

— Que coisa... — Suspirou novamente — Eu sempre achei que a gente envelheceria juntos. Eu me aposentaria do laboratório e passaria o fim dos meus dias cuidando de você. Tinha até certeza que você seria um velho muito teimoso. Insistirias em fazer os trabalhos pesados da fazenda mesmo já não dando conta do recado, e eu estaria aí para te impedir de se machucar.

Sorri levemente imaginando o senário e ela continuou:

— Eu ficaria gritando:" Ó velho teimoso desce daí! Tu não tem mais idade pra ficar montando em cavalo, homem de Deus!" E ligaria pra nossa... pra nossa filha, e ela me ajudaria a te dar uma bronca.

— Aé?

— Aham..

— Quer saber... — retruquei — eu acho que você séria uma velha chata. Passarias boa parte do tempo reclamando da casa bagunçada e me pedindo pra baixar o som da TV na hora do jogo, só pra poderes ler à vontade algum livro chato sobre fungos, bactérias ou sei lá o que...

— Os meus livros não são chatos! — Ela reclamou com uma cara de identificação.

— São sim...

— Já que é assim... Eu acho que você teria osteoporose!

— Ih... Lá vem ela com as palavras difíceis. Você teria pressão alta e viverias tomando remédios para baixá-la, já eu estaria do seu lado, afagando seus cabelos e pedindo pra deixares de se estressar com coisas tão pequenas como o facto de um velho saudável feito eu querer andar de cavalo por alguns instantes.

Até Que MorramosOnde histórias criam vida. Descubra agora