CAPÍTULO SEIS| a lista

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"Às vezes você acorda

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"Às vezes você acorda. Às vezes, a queda mata. E às vezes, quando você cai, você voa." — Neil Gaiman.

O tempo se decorre de forma comum tanto no mundo desperto quanto no Sonhar, sem complicações ou anomalias

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O tempo se decorre de forma comum tanto no mundo desperto quanto no Sonhar, sem complicações ou anomalias. Dia após dia, Morpheus observe entre suas obrigações, absorto nos próprios devaneios, Violet se moldar a uma nova rotina como parte do palácio. Quando não auxiliava Lucienne na biblioteca, estava nos jardins com Caim e Abel, ou ajudando Mervyn a cuidar de pequenos reparos pelo palácio. Dentre todos, embora não gostasse do cheiro da fumaça de seus charutos, ele era seu preferido para passar tempo. Agora ela sentia que pertencia a algum lugar, um onde não haviam momentos monótonos e repetitivos.

Ela usava vestidos de verão floridos todos os dias, mantinha o cabelo solto e armado, e reclamava quando tinha que calçar sapatos — mesmo que Lucienne brigasse com ela por isso —, pois gostava da sensação do piso frio do palácio contra os pés. Hoje, não havia nada de diferente. Morpheus a encontrou perdida profundamente em uma tarefa árdua de localização dada por sua supervisora vista grossa, Lucienne. Estava inclinada sobre a ponta da mesa, os cabelos formando uma cortina em volta de seu rosto e do livro entre os braços. Não demorou até que percebesse a presença de Morpheus na entrada e erguesse o rosto com um sorriso radiante.

Ele sentiu os lábios formigarem conforme lembranças do que acontecera no lago surgiram sua mente, mas afastou esse sentimento invasor e recebeu com gosto toda a excitação de Violet ao falar sobre sua nova tarefa e como ia bem nela, como sentia-se viva e útil. O coração de Morpheus se apertou um pouco dentro do peito.

Interrompendo o falatório da garota, Morpheus afastou a cortina da cachos castanhos para que pudesse enxergar o que ela tanto apontava no livro e tentou desviar o assunto para algo que ele vinha pressionando ela a finalmente terminar.

— E a lista?

Não entendia exatamente porquê isso era algo do qual ela queria fugir, mas era compreensível, afinal a lista determinava o fim de algo a qual ela se apegara. O sonhar, sua nova rotina, lorde Morpheus. Com o nariz torcido, ela enfiou os dedos no espaço entre os seios, tirando do decote do vestido um pedaço de papel dobrado inúmeras vezes, e o estendeu para ele.

— São bobagens, não consegui pensar em nada melhor.

Violet parece uma criança emburrada quando fala com esse bico nos lábios, ele pensa.

Seus olhos passam rapidamente pela lista e ele suspira, poderiam fazer tudo tão rápido. No fundo talvez esperasse pedidos mais complexos, que o fizessem ponderar sobre como iria se desdobrar para realizá-los. Entretanto, Violet era nada mais que humana. Uma mulher que tivera sua juventude arrancada de seus dedos por um acaso, ela não tinha o discernimento.

Tudo que Violet desejava antes de morrer era comer hambúrgueres até desmaiar, andar a cavalo como as mocinhas dos romances, dançar na chuva e ver galáxias de pertinho. Um último item da lista, entretanto, estava rabiscado e manchado, como se ela tivesse se arrependido dele e tentado desfazê-lo. Esse último item ele resolveria depois.

— Muito bem — Morpheus volta a dobrar o papel e o guarda no bolso interno do sobretudo, oferecendo o braço a Violet —, vamos realizar o primeiro item imediatamente. Lucienne, posso roubar sua ajudante pelo resto da noite?

A bibliotecária sequer tira sua atenção do que está fazendo ou vira para responder, ela apenas os dispensa com um gesto da mão e um grunhido. Morpheus sorri para as costas dela e sua areia os engolfa.

Violet sente que nunca vai se acostumar com essas viagens, com a confusão mental que permanece por longos minutos após saírem do vórtice arenoso. A vertigem que lhe causa é o pior, contudo não há tempo para se sentir mal hoje. Não quando estão em frente a uma velha lanchonete no meio de uma rua movimentada.

O espaço é preenchido por um longo balcão e bancos altos, as paredes perfilam mesas e cadeiras de estofado firme e vermelho, como nos filmes antigos. Há uma jukebox no canto do salão, tocando alguma música dos anos 50, e as placas em neon refletem na pele pálida de Morpheus, que a puxava na direção da mesa da janela com cabine. A garçonete que chega de imediato com os cardápios é uma mulher de meia idade, gorducha, e de cabelos loiros tingidos, ela sorri para ambos e puxa um bloco de notas e uma caneta de pompom cor-de-rosa do bolso de seu avental.

— O que desejam, queridinhos?

Violet pisca, atenta ao conteúdo do cardápio gorduroso entre seus dedos. São tantas opções diferentes que sua mente quase explode imaginando as infinitas possibilidades. Ela escuta Morpheus pedir sua comida como se soubesse todos os itens de cor, provavelmente sabia.

— Docinho? — ela chama Violet, as sobrancelhas erguidas em expectativa.

— Vou querer um hambúrguer bomba duplo com extra de cebola caramelizada, um milkshake de chocolate com muita calda e uma Coca-Cola de cereja — ela despeja, a garçonete olha para Morpheus uma última vez.

— Quando terminarmos, traga o especial de sobremesa, sim? Duas colheres.

A garçonete balança a cabeça e se afasta gritando o pedido da única mesa ocupada como se estivesse em uma feira de rua, o cozinheiro a espia pela janela que interliga a cozinha e o balcão e berra de volta com ela.

Violet está brincando com os pacotes de sal na mesa quando Morpheus cobre uma das mãos dela com a sua, chamando sua atenção.

— Enviei Matthew para o mundo desperto, para ficar de olho em você.

— Alguma novidade?

Morpheus balança a cabeça, recolhendo a mão. No fundo, está aliviado, quanto mais demorar, mais tempo Violet permanecerá no Sonhar.

— As recepcionistas estão tentando, encontraram alguns números numa velha lista telefônica e estão procurando na internet por qualquer membro da sua família.

O ar melancólico nos olhos de Violet some quando uma cesta de batatas fritas uniformes e douradas é depositada entre as mãos dela. Leva segundos até que ela cubra tudo com catchup e devore lentamente uma por uma, fechando os olhos e gemendo ao sentir o gostinho inconfundível das melhores batatas fritas que já comera na vida. Violet sentia que podia chorar.

— Está gostoso?

Sem responder, a garota estende uma batatinha diante do rosto de Morpheus que, confuso, não entende de primeira. Ela então balança a batatinha e faz um barulho engraçado com os lábios, até que Morpheus abre a boca e a deixa alimentá-lo. Realmente são gostosas, ele pensa consigo mesma.

Completamente em silêncio, o Senhor dos Sonhos a observou. A forma como ela apreciava cada pequena migalha daquela refeição, com os olhos fechados e os lábios melados de molho, com irreverência, era fascinante. O fato de que os humanos encontravam prazer absoluto nas coisas mais simples e mundanas, isso o encantava. Há quanto tempo Violet ansiava por poder encher o estômago com hambúrgueres gordurosos, presa eternamente no mesmo sonho vazio e cansativo?

Morpheus mudaria isso. Ele tornaria seus últimos momentos felizes.

𝐓𝐑𝐀𝐆𝐀-𝐌𝐄 𝐔𝐌 𝐒𝐎𝐍𝐇𝐎, The SandmanOnde histórias criam vida. Descubra agora