Estar na clínica novamente acabou deixando Priscilla realmente feliz. Era impressionante como as coisas tinham dado certo, era reconfortante para ela ver que Elvis estava realmente melhor e se recuperando, quase como o homem que conheceu há anos atrás, ainda assim diferente. Sua alegria, senso de humor, empolgação estavam voltando, ao mesmo tempo que ele era diferente, calmo, tranquilo, com a mente mais leve sem nenhuma preocupação. Ela gostaria que as coisas continuassem assim.
Nos últimos dias, ela e seus associados de Memphis fizeram seu melhor para manter o coronel longe. Ele tinha insistido várias vezes para saber onde ele estava e poder visitá-lo, mas os advogados tinham sido mais rápidos, organizando cláusulas e restrições que deixavam o velho aproveitador longe dele. Tinha sido uma luta ferrenha, mas o grupo de proteção de Elvis estava resistindo. Priscilla, por sua vez, achou melhor não contar nada disso a ele, a não ser que ele perguntasse, não queria perturbar seu descanso.
Ela encontrou com Elvis do lado de fora dessa vez, o vendo sentado, mas não sozinho, conversando com uma paciente idosa, rindo de forma tímida, talvez tentando esconder a risada, tão conhecida do público, afinal ali ele era John Burrows e muita gente ali já tinha comentado que ele lembrava o Elvis. Vê-lo tranquilo mais uma vez a deixou feliz e com a certeza de que tinha feito a coisa certa, mais uma vez.
Ele percebeu Priscilla se aproximando e então decidiu se levantar para cumprimentá-la. Dessa vez o abraço tinha sido simultâneo, sem partir primeiro de um ou de outro.
-Olá - ela disse com um sorriso acolhedor.
-Oi - ele respondeu de volta, contente por vê-la novamente.
-Vamos conversar aqui fora hoje? - Priscilla deduziu.
-Acho que pode ser, acha que tem algum problema? - Elvis pensou na possibilidade.
-Não, isso me parece bom, um pouco de ar fresco pra nós dois - ela comentou sobre a ideia.
Se sentaram juntos então, com o espaço do banco um pouco limitado, acabou que suas pernas se encostaram, o que liberou uma certa faísca elétrica pelos dois. Tirando os abraços curtos de seus encontros, não ficavam próximos assim há um bom tempo.
-Eu trouxe uma coisa pra você - Priscilla decidiu desfazer o silêncio.
-É, eu vi o pacote, fiquei pensando o que poderia ser - Elvis confessou sua curiosidade.
-São seus livros, pra ler quando quiser, lembro que falou disso na última visita - ela segurou o pacote, não entregando ainda.
-Ah muito obrigado - ele tentou pegar, mas ela o afastou de suas mãos - ei, o que tá fazendo?
-Eu pensei numa outra coisa que você disse na última visita - ela disse, com um sorriso brincalhão nos lábios, mas também desafiador, estava claro que não facilitaria para ele - e só vou entregar se você me contar sobre o que eu quero.
-Ah tudo bem, não tenho mais nada a esconder, sério - ele deu de ombros, sem querer entrar numa briga boba com ela.
-Hum, vamos ver o que acha depois que eu perguntar - Priscilla se convenceu, entregando a ele seus livros.
-Apenas tente - ele a incentivou.
-Você mencionou uma moça chamada Dixie no seu primeiro show, se não me engano, houve uns rumores de você ter uma namorada com esse nome em algum ponto, então, ela era sua namorada mesmo? - ela fez seu questionamento bombástico, que Elvis acabou não achando tão bombástico assim.
-Ah isso, sim, é verdade - ele admitiu - uma garota encantadora.
-Se era tão encantadora assim, por que terminaram? - ela quis saber.
Essa foi a pergunta que realmente o pegou de surpresa, era esquisito falar sobre antigos relacionamentos com a ex-esposa, quando eles mesmos tinham um status de relacionamento romântico mal sucedido.
-Bom, a resposta mais curta pra isso - ele engoliu em seco antes de prosseguir - é que foi uma estratégia de marketing do Coronel, ele queria que eu fosse solteiro, disponível para as garotas, era o que ele queria que elas pensassem.
-Isso é horrível - Priscilla comentou, sem se divertir mais com o assunto, era engraçado perturbá-lo de um jeito inocente, mas chegar àquele ponto revelava algo mais grave e horrendo - a pobre garota não tinha culpa de nada e você, bem...
-Eu o que? - Elvis se inclinou para ouvir a opinião dela.
-Você estava no auge da sua carreira, faria tudo que fosse melhor pra você - ela comentou, um tanto amarga, um tanto compreensiva.
-Eu sei, foi horrível, mas foi a oportunidade de ouro que eu tinha, eu queria um meio de dar o melhor pra minha família - ele confessou, sendo envolvido por mais lembranças.
-Imagino, e quanto à Dixie? Teve notícias dela depois? - ela ficou curiosa sobre isso.
-Não, nunca mais encontrei com ela, mas eu espero que tenha ficado bem - Elvis só tinha a opção de desejar isso agora.
-Você se importou com os sentimentos dela na época? - Priscilla foi direta, o que o assustou um pouco.
-Claro, eu ainda me lembro de como ela ficou arrasada, aos prantos, mas eu tive que seguir em frente - estava claro que era algo doloroso conforme ele falava, mas que ao menos tinha resolvido isso.
-Ninguém naquela época, digo, antes de você ser famoso, foi mais significativo que ela? - Priscilla o instigou.
-Ah bem, acho que não... - ele titubeou - não, não foi... eu... tinha um certo receio das meninas e pra ser sincero, lá atrás, não sabia dizer o que Dixie tinha visto em mim.
-Modéstia não combina com você, pelo menos com o grande cantor dos palcos, sempre tão charmoso e seguro de si - ela comentou - mas você realmente era inseguro a esse ponto? De não ter confiança o suficiente para conquistar alguém especial?
-Eu era sim, talvez Dixie e a fama me deram essa coragem e talvez isso explique... - ele se interrompeu, achando que poderia magoá-la com o que diria a seguir.
-Explique o que, Elvis? - ela queria ir até o fundo disso.
-Porque eu me sentia bem ao ficar com outras mulheres, ao beijá-las depois dos shows, me perdoe por isso, eu não queria trazer esse tipo de lembrança à tona, é que estamos conversando abertamente e... - ele se interrompeu, tentando remediar a situação de alguma forma.
-Sente falta de tê-las aos seus pés? - Priscilla, apesar da dor, resolveu usar a coragem - ver aquilo de perto doeu muito, você foi perdendo a minha confiança a cada dia.
-Sei disso, mas não, não sinto falta delas nem um pouco - ele foi verdadeiro, olhando bem nos seus olhos - quando se tem tudo tão ao seu alcance, há uma parte de você que quer desfrutar disso, mas a realidade, como eu tive tempo de perceber, é bem diferente disso, e essas mulheres só queriam o tal do rei do rock and roll e não o Elvis, o rapaz de Memphis.
-Ok... - Priscilla respondeu quietamente, impressionada com tamanha declaração.
Não esperava ouvir isso, mas certamente, a confissão tinha balançado seu coração.
-Se quer saber... - ela balbuciou depois de se recompor - eu sempre vi além da sua faceta performática, o soldado que tinha perdido a mãe, sozinho e perdido diante de todos aqueles holofotes...
Ela chegou a tocar o cabelo dele, o colocando atrás da orelha, num gesto de carinho, chegando a vê-lo 20 anos mais jovem enquanto olhava para ele.
-Eu sei que sim, e eu agradeço por isso - ele olhou profundamente de volta para ela.
-O Elvis que eu conheço ainda existe e está bem aqui - ela reafirmou.
-Você tem me ajudado a reencontrá-lo - ele deu todo crédito a ela.
Não dava para negar a atração quase palpável que enchia o ar ao redor deles. Toda a nostalgia presente na conversa os fazia lembrar de tempos mais fáceis, de como era estarem apenas apaixonados e nada mais importar. O beijo que se seguiu era inevitável; misturado às lágrimas, era um sinal de esperança de que o amor deles poderia sim se renovar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Uma armadilha de memórias
FanfictionUm descanso merecido, uma reconciliação e uma ideia maluca. Tão maluca que funcionou durante muito tempo, até não funcionar mais. O prisioneiro das memórias vai ganhar uma liberdade não sonhada e terá que lidar com as consequências de seus atos.