Demorou um pouco para que Elvis voltasse à realidade sem se sentir levemente tonto. Estava sentado há uns cinco minutos em silêncio, com Priscilla esperando pacientemente ao lado dele, não era o caso de Lisa, ela estava mais inquieta e preocupada com o pai.
-O imitador do papai deixou ele doente? - perguntou ela em voz alta.
-Não, meu amor, não foi isso - sua mãe tentou corrigir.
-Foi um pouco disso, Lisa, mas não se preocupe, estou melhor agora - ele suspirou e balançou os cabelos de um jeito cômico, a fazendo rir, mostrando que realmente estava tudo bem com ele - não é todo dia que a gente vê alguém imitando a gente, eu só fiquei assustado, e confesso que um pouco curioso.
-Curioso com o que? - sua filhinha quis saber mais.
-Como será que deve ser esse show tributo? O que será que eles fazem? E será que me imitam direitinho? Nós podíamos checar - ele sugeriu, de um jeito sorridente e jovial, muito diferente do homem assustado de 5 minutos atrás.
-Você tem certeza mesmo que quer isso? Elvis, você estava apavorado, a cor sumiu do seu rosto - sua esposa queria se certificar de que ele estava realmente bem para pôr sua própria ideia em prática.
-Ah agora que o choque passou, não me parece tão ruim assim, só por curiosidade, sabe? Queria ver como é tudo isso - ele deu de ombros, esperando convencê-la.
-Não me parece nada seguro - Priscilla acabou deixando escapar uma risada nervosa - você é o objeto de imitação e admiração desses shows; e se alguém te reconhece e desconfia de alguma coisa?
-Eu sou um homem morto oficialmente, as pessoas não devem imaginar que eu estou vivo, fomos convincentes e também faz sentido eu parecer com Elvis num lugar onde outras pessoas devem ir vestidas de Elvis e imitando o Elvis e tudo mais - ele citou gesticulando, o que deixou Priscilla mais convencida de não ceder ao seu desejo.
-Seus trejeitos são bem peculiares, a sua voz, ora, você é você, mesmo com outras roupas e penteado, eu entendo que essas coisas podem chamar sua atenção, mas precisa manter sua descrição! - ela demandou, soando um pouco mais enérgica do que pretendia.
-Eu já sou um ninja formado nesse tempo todo que eu estou na surdina - ele ergueu os braços, os abrindo a seguir para enfatizar.
-Surdina desse jeito? - ela empurrou os braços dele de volta a uma posição menos demonstrativa - eu falo sério, Elvis Aaron Presley (ela sussurrou o nome dele) se alguém te descobre, estamos completamente fritos.
-Eu sei, meu bem, eu sei, mas se tem uma coisa em todo esse segredo, que você tem que admitir que dá certo, é nos esconder no meio de muitas pessoas, e é o que mais tem em um show, posso afirmar por experiência própria que vai ter uma plateia lotada lá, nos camuflamos no meio dela, eu com minhas roupas batidas e sem graça, você deslumbrante mesmo com um modelito discreto, e a Lisa vendo um show do pai dela ao lado da família.
-Isso tudo soa bastante absurdo - ela teve que admitir, se sentindo um pouquinho frustrada.
-É o que eu mais ouvi de você no último ano, mas ainda assim, a loucura funcionou - ele ponderou - a sorte ainda está do nosso lado.
-E vamos fazer nossa parte para que continue assim - ela rebateu, depois deu um longo suspiro - tudo bem, meu amor, entendo sua curiosidade, podemos fazer isso, mas você tem que me prometer uma coisa.
-Claro, qualquer coisa, senhora - ele respondeu no melhor tom de disposição.
-Essa vai ser nossa última aventura internacional, vamos voltar pra casa depois disso, Graceland precisa da minha atenção - Priscilla foi bem firme.
-Da nossa atenção, como eu disse, quero muito ir pra casa, esse sempre foi o plano - Elvis ergueu a mão direita depois de falar - eu juro que vamos voltar pra casa.
-Acho bom mesmo - ela o olhou firmemente, se aproximando para dar ênfase no quanto falava sério.
Elvis aproveitou que ela estava tão perto e a beijou rapidamente. Priscilla apenas balançou a cabeça rindo, certas coisas não mudavam nunca, e talvez isso fosse muito bom, era uma garantia na qual ela sempre poderia confiar.
Ao cair da noite, eles estavam no lugar marcado para o show, era um ginásio, não tão grandioso quanto onde se competia futebol americano ou beisebol no país deles, mas de tamanho considerável para se abrigar um concerto. Do lugar remoto e totalmente misturado de onde estavam, não havia sinal de que a banda iria tocar, apenas a cortina fria e enigmática, escondendo todo o segredo. Elvis fazia ideia dos bastidores de um show e começou a imaginar o que poderia estar acontecendo. Retoques finais, tremores por nervosismo, a antecipação de se estar num palco. Ao mesmo tempo, ele sentia outra sensação, a ansiedade do público de ver o espetáculo começar.
Ouviram uma voz sem dono identificável por enquanto falando em japonês com o público, os Presleys esperavam que fosse um aviso de que o concerto estava prestes a começar. E nos segundo seguintes, confirmaram que realmente era isso, com a música de abertura icônica dos shows de Elvis tocando, ela estava idêntica, o que já o impressionou de cara, o fazendo se lembrar do processo de compô-la com muita emoção. A seguir, seu intérprete apareceu, cantando como ele cantaria, se mexendo como ele se mexeria.
Mesmo estando bem longe do palco, Elvis conseguiu reconhecer o homem que viu no shopping. Todos os seus sentidos foram tomados pela performance, deixando-o impressionado com a precisão da imitação dele mesmo, mais as músicas que o acompanharam durante toda uma vida. Era difícil não se mexer ou ao menos cantar, na verdade, enquanto cantarolava baixinho as canções, mesmo com milhares de outras vozes cobrindo a sua, observava com olhos arregalados uma versão de si mesmo ganhar vida diante de si. Era realmente emocionante.
Uma parte contraditória e lutadora dele o empurrava a sentir a vontade de voltar aos palcos, de se apresentar para o público, de estar no lugar do seu imitador, sentir de perto a admiração dos fãs novamente, a sensação quente e satisfatória de estar fazendo música novamente, levando alegria a quem o acompanhasse. Mas ao mesmo tempo, ele notou Priscilla e Lisa ao lado dele. A esposa e a filha viam o show com a mesma curiosidade e atenção dele.
Ali no meio de tantas pessoas, mas ao mesmo tempo cercado por sua família, Elvis percebeu que, o que ele precisava agora era apenas das duas, as mulheres da sua vida, que ainda estavam com ele, paz e sossego. Sua música, que tanto amava e fazia parte dele, continuaria viva, mas não por ele, pelos fãs. Foi ali que ele percebeu que, definitivamente, seu tempo como artista tinha acabado, o calor e a emoção dos palcos tinham ficado para trás, tudo tinha um tempo certo para existir, inclusive a carreira dele, e agora, começava um tempo novo, em que ele seria um outro Elvis.
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Uma armadilha de memórias
FanficUm descanso merecido, uma reconciliação e uma ideia maluca. Tão maluca que funcionou durante muito tempo, até não funcionar mais. O prisioneiro das memórias vai ganhar uma liberdade não sonhada e terá que lidar com as consequências de seus atos.