Estratégias ardilosas

13 0 0
                                    

O que ocupava a manhã de Priscilla era ouvir, perguntar, se atentar e no fim de tudo tomar uma decisão importante. Talvez fosse uma decisão muito mais simples de todas que tinha tomado na vida ou em relação a Graceland, mas ainda assim, uma decisão relevante.

Tinha passado a tarde entrevistando várias moças para o papel de camareira em Graceland, já que sua última tinha acabado de se aposentar. O que mais esperava nelas era discrição e compromisso com um bom trabalho. Apesar de algumas candidatas terem se destacado na entrevista, ela ainda estava em dúvida sobre qual contratar. Até que uma das últimas daquele dia tinha chegado para falar com ela.

Era jovem, com um corte de cabelo destacado por ser curto, encaracolado e preto. Estava claramente nervosa com o fato de ser entrevistada, mas dava para notar seu claro esforço para manter uma postura confiante e experiente. Experiência certamente ela tinha, trabalhando num hotel pelos últimos dois anos, confiando que seria mais eficiente ainda trabalhando apenas em uma casa e não em inúmeros quartos.

-Então você é de Memphis mesmo? Sempre trabalhou aqui? - Priscilla perguntou à candidata, a olhando novamente.

-Sim, eu nunca saí daqui, sempre foi o meu lar - ela respondeu com toda certeza.

-Imagino que ouviu muito sobre esse lugar, não é? - a sra. Presley se permitiu rir um pouco no momento, girando os olhos rapidamente pela sala onde estavam, uma recepção no museu de Elvis na mansão.

-É, é difícil crescer aqui e não ouvir sobre Elvis, ele foi um grande artista e muito marcante - comentou a moça.

-Eu sei, mas foi apenas isso que te atraiu em trabalhar aqui? Você é fã dele de alguma forma? - essa pergunta foi feita por Priscilla mais por curiosidade do que como requisito para conseguir a vaga.

-Com todo respeito, senhora, ele não é muito da minha época, ouvi uma música aqui e ali, mas nada com muita frequência - a candidata foi sincera, esboçando resquícios de constrangimento.

-Está tudo bem, Heather, não se preocupe - a mais velha riu, deixando a moça mais tranquila - isso não é necessário, bom, foi um prazer te conhecer, nós ligamos retornando pra dizer se você passou ou não, de qualquer forma, obrigada por vir.

-Eu que agradeço, sra. Presley - Heather se levantou, apertou a mão dela e então foi embora, seguindo o seu próprio caminho.

Não demorou muito pra que chegasse em casa, mas quando abriu a porta, viu que não estava trancada. Aquilo a fez tremer, pensando no pior, usando a cautela de entrar lentamente pelo local, a passos lentos e silenciosos, observando se estava tudo no lugar ou se precisaria chamar a polícia. 

Chegando à cozinha minúscula, reconheceu a silhueta que lhe estava de costas. Os ombros troncudos e pontudos, o tronco magro feito uma árvore ressequida e castigada por uma tempestade, o boné escuro escondendo os cabelos ralos. De alguma forma, ele a fazia se lembrar de um rato, com as piores características do animal, traiçoeiro, sujo, malandro. 

-Desculpe eu entrar assim, Heather, mas estava ansioso - ele falou sem ao menos se virar para vê-la.

-Você me deu um baita susto, sr. Mitchell, isso sim - ela reclamou, um pouco sobressaltada pela voz dele de repente desfazendo o silêncio do lugar.

-Eu sinto muito - ele finalmente ficou de pé e a encarou - e eu já disso que pode me chamar de Roland.

-Tudo bem, Roland - ela murmurou uma resposta, ainda chocada pela presença repentina dele.

-Me conte como foi, acha que tem chance de passar? E mais, o que conseguiu perceber na sua entrevista? Tem algo na Priscilla que seja suspeito? - ele a encheu de perguntas enfaticamente.

-Eu não sei, talvez... bom, ela me fez uma pergunta sobre eu ser fã do Elvis, eu disse a verdade, que eu não era - Heather achou melhor lhe contar a verdade também.

-O que? Por que disse isso? - Roland se exaltou - qual parte de espiã você não entendeu, garota?

-Eu achei melhor dizer a verdade, e não se preocupa, a sra. Presley disse que estava tudo bem - ela logo se defendeu, mesmo com a voz esganiçada.

-Ah então você pode ter agradado ela - Roland trocou a postura de agressivo para pensativo - me fale mais sobre ela, a Priscilla.

-Ela me parece ser muito doce, muito compreensiva, tem um jeito maternal - Heather foi citando, se lembrando da conversa amigável que tiveram.

-E ela mencionar o Elvis, ela pareceu pra você... uma viúva triste, com dificuldade de lembrar do marido? - ele quis saber.

-Ela fala com bastante respeito dele, é até bonito de se ver - ela respondeu a pergunta, dando um pouco de sua opinião.

-Não é muito com que se trabalhar, mas já é um começo - ele ponderou, ainda mais pensativo agora, com seus planos começando a se estruturar melhor em sua mente - obrigada por tudo até então, Heather, vamos esperar que você tenha conseguido a vaga, mas ter se saído bem na entrevista, é um bom sinal. Vou te passar parte do pagamento hoje à noite e voltamos a nos falar em breve. Não se preocupe, eu mando uma mensagem da próxima vez. Até a próxima.

Assim, ele passou por ela, quase se chocando contra seu ombro, saindo pela porta e a deixando em paz por enquanto. Um pouco mais de culpa se sentou sobre os ombros de Heather desde que tinha aceitado aquela proposta. Priscilla parecia ser uma senhora bondosa demais, com suas próprias dificuldades lidadas ao longo da vida para ter que lidar agora com gente vasculhando sua casa, perturbando sua vida, desenterrando seu passado. O que ela podia fazer? Estava sozinha e precisava de ajuda. Só achava que Roland deveria entender que uma realidade básica da humanidade pautada no mínimo de compaixão era deixar os mortos em paz.



Uma armadilha de memóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora