I. | Theia & Kaheris

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— Avó!

A senhora idosa, de pé na rua da aldeia, deixa que a neta lhe abrace a cintura para envolver a sua cabeça de cabelos claros e os seus ombros dourados num aperto caloroso.

— Divertiste-te a brincar com os teus amigos?

— Sim! Mas agora tenho fome — diz Theia com um risinho.

A idosa levanta a cabeça para ver as crianças que ainda não foram chamadas pelas famílias para a refeição. No meio do grupo, uma menina de pele alva e cabelos rosa acena-lhe e ela retribui com a cabeça, sorrindo.

— Foste tu que fizeste o almoço, avó? — perguntou a pequena, inocentemente.

— Sabes que a tua avó já não tem idade para andar de volta da cozinha, Theia — diz Hatta, mãe da criança, ao se aproximar do par.

A idosa, Kaheris, sorri na direção da nora quando esta a segura por um braço e a envolve com o outro, amparando o seu corpo cansado. Tem consigo a sua fiel bengala, mas todo o apoio é bem-vindo.

— Dizem que és a mulher mais velha do Continente, se não mesmo do mundo! É verdade, avó?

Os olhos de Theia, que se esforça por caminhar num ritmo lento para acompanhar as duas mulheres, brilham quase tanto como o diamante que o seu pai leva na cabeça. Ao pensar no filho mais novo, o peito de Kaheris contrai.

— Sim, é capaz de ser verdade... — responde depois, forçando um sorriso para a pequena Theia, que depressa se torna genuíno com as suas travessuras. — Mas ainda sou uma criança!

— Como assim, avó? És mais velha que eu! — exclama, confusa.

— Todos somos crianças, Theia. E o facto de estar há mais tempo neste mundo significa apenas que sou uma criança mais velha.

Kaheris não o admite, uma vez que não gosta de discutir a sua avançada idade, mas já tem mais quase 50 anos do que a esperança média de vida de Admen. É, sem dúvida, a mulher mais velha do continente, ainda que não haja maneira de o comprovar.

A poucos passos da sua humilde casa, a idosa, descontente por já não ter vigor suficiente para cozinhar para a neta mais nova, oferece algo em troca.

— Theia, querida. Gostavas de saber mais sobre a época em que os Deuses e os Humanos não estavam de acordo e sobre a vida da avó quando tinha a tua idade?

A pequena, parada no vão da porta, arregala os olhos. Se há algo que Theia gosta mais do que os cozinhados da avó, que raras vezes teve oportunidade de provar, são as suas inúmeras histórias. E as melhores de todas são as da infância da velha senhora.

— Sim! Sim! Mil vezes sim!

As mulheres caem no riso ao entrar em casa e a pequena, sem perceber a razão para tal, acompanha-as até à pequena cozinha, onde ficará pelas próximas horas, enfeitiçada pelas palavras da avó.

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O sorriso de Sima ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora